Busco aqui discutir a relação entre a política de ódio contemporânea, a “machocracia” e o negacionismo histórico. Estes são pilares de um projeto político conservador internacional que transforma o ódio em motivação para suas ações e privilegia o homem branco heterocisnormativo em detrimento dos demais sujeitos cujas experiências se orientam por outros marcadores da diferença. Apresentarei uma contextualização sócio-histórica da “machocracia” no bojo do crescimento de ondas conservadoras e reacionárias no mundo que, a partir da perspectiva negacionista ancorada em fundamentalismos religiosos e criacionistas, têm desprezado as concepções científicas, refutado o aquecimento global, contraditado e/ou relativizado os efeitos profundamente nocivos dos regimes autoritários e as desigualdades impingidas aos grupos historicamente marginalizados.
O que podemos perceber, de maneira preliminar, em nossas pesquisas é que o aparecimento e/ou avanço da intolerância pode ser analisado como fruto de um conjunto de crises: econômicas, sociais e ideológicas. Há, sobretudo, uma ação prática e discursiva daqueles que historicamente ocupam o espaço hegemônico dessa sociedade global que constrói uma rede de ódio contra o “outro”, entendido aqui, como todos os sujeitos (individuais e coletivos) que, por meio das mudanças sociais têm desnaturalizado a subalternização e questionado a primazia daqueles que estão instalados no poder ancorados no machismo reinante nessa sociedade que nega as diferenças a partir de um processo de estigmatização de diferentes sujeitos, em função de suas condições sociais, performances de gênero e questões étnicas. Como advertiu Tomaz Tadeu da Silva vivemos no mundo contemporâneo uma disputa pela nominação/estigmatizarão da identidade:
A identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Isso significa que sua definição – discursiva e linguística – está sujeita a vetores de força, a relações de poder. Elas não são simplesmente definidas; elas são impostas. Elas não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas. (…) A afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem o desejo dos diferentes grupos sociais, assimetricamente situados, de garantir o acesso privilegiado aos bens sociais. (SILVA, 2000, p. 80)
Assim, pode-se observar que a política conservadora atual considerou a diferença não pelo viés da tolerância, mas sim pelo enfoque da intolerância e da abjeção. Assim, as identidades e corpos que se contrapõe ás normas hegemônicas devem viver nas margens ou mesmo ser, simplesmente, eliminados quando se trata de mulheres, negros, estrangeiros, refugiados, gays ou mesmo integrantes das classes subalternizadas. Portanto, a partir da interseccionalidade entre vetores como sexo/gênero, classe/etnia, geração, buscamos compreender o atravessamento de formas diversificadas de violência que são produzidas tanto no nível dos discursos, quanto da violência de forma direta motivada pela discriminação por orientação sexual, raça e identidade de gênero no cenário contemporâneo. Como sugere Avtar Brah, a partir do questionamento da traducibilidade das conexões intersecionais: “Como, então, a diferença ‘racial’ se liga a diferenças e antagonismos organizados em torno a outros marcadores como ‘gênero’ e ‘classe’? Tais questões são importantes porque podem ajudar a explicar o tenaz investimento das pessoas em noções de identidade, comunidade e tradição.” (Brah, 2006, p.331)
A luta pela existência das diferenças sejam elas, sexuais, corporais e de gênero, historicamente, tem marcado os embates entre agentes sociais que transpõe a moldura da normatividade versus àqueles que prezam pela manutenção do status quo, especialmente por processos de regulação do corpo. É importante ressaltar que a construção das diferenças binárias em nossa sociedade é uma construção arbitraria de uma epistemologia cuja essência é de caráter heteronormativo, posto que é fruto da razão moderna excludente. Sobre isso, Tamsin Spargo aponta que “[…] se a homossexualidade e a heterossexualidade são categorias de conhecimento em vez de propriedades inatas, como é que nós, como indivíduos, aprendemos a nos conhecer dessa maneira?” (SPARGO, 2006, p. 46). Ou seja, trata-se da referida confrontação entre identidade e diferença, pela qual realiza-se o processo interpelativo entre o indivíduo e o contato com os discursos nomeadores de práticas.
Pensar, portanto, existências que buscaram sair da rigidez da performance normativa (BUTLER, 2008), que apresentem historicamente traços de atuação transgressora, seja em processos artísticos, históricos e educacionais é uma preocupação que perseguimos em nossas pesquisas. Na esteira de autoras como Sara Salih (2013) para quem “a subversão deve se dar desde o interior do discurso existente, pois isso é tudo o que existe” (p. 96-97) e Donna Haraway que argumenta que “gênero é um conceito desenvolvido para contestar a naturalização da diferença sexual em múltiplas arenas (HARAWAY, 2004, p. 211). Dessa feita, o que justifica esse intento investigativo é o enfrentamento da problemática das linhas limítrofes entre os modos de convivência e existência que incidem nos embates que as relações entre a normatividade machocrata e as suas dissidências têm provocado no mundo contemporâneo, onde a arte e a educação tem sido alvo de ataques constantes, vide os casos de atuação de projetos como “Escola sem partido” e a censura a obras culturais que tratam do tema a exemplo do ataque a Embrafilme em relação ao festival queer, ou a censura a bienal do livro no Rio de Janeiro, demonstrando a clara interferência das denominações religiosas no campo da esfera pública, configurando uma disputa por uma pedagogia cultural no Brasil contemporâneo. Como já observara, em 2012, na Academia Brasileira de Letras, Jorge Coli, quando tratava da obra A origem do mundo (1866), de Gustave Coubert, em que discutia a vagina enquanto espaço arquitetônico e teve a sua apresentação interrompida. Na ocasião o historiador afirmou o referido ato “ilustrou, de modo preciso, o acerto da minha tese sobre a hipocrisia pudibunda (termo no qual certamente ela ainda censurará as duas últimas sílabas) de nosso tempo […] Não apenas os acadêmicos são imortais eles também não têm sexo, como os anjos” (COLI, 2013, p.451)
O aparecimento e/ou avanço da intolerância e a reafirmação da interdição sexual pode ser analisado como fruto de um conjunto de crises cinismo e hipocrisia como parte da performance da política brasileira contemporânea que, sobretudo, é caracterizada por um séquito de supremacia branca, cisgênera e expressivamente evangélica, que defende os mais necrófilos e sanguinolentos projetos. No último decênio, pudemos observar as faces desse fenômeno cínico, que resultou na crise sociopolítica reprodutora da intolerância em escala massiva e cibernética, em diversas regiões do globo e localizadamente, ou seja, trata-se de uma ocorrência local-global. Uma característica desse processo é a percepção do Outro, tornando-o, individual e coletivamente, num inimigo a ser combatido, cuja mínima possibilidade de sucesso desse outro precisa ser monitorada, injuriada, restrita e é indesejada. A construção da Outridade se dá a partir de diversos descritores e situações: o “novo” que deve suplantar o “velho”, o “não branco” que ocupa postos de trabalho do “branco”, “mulheres” que ocupam espaços antes destinados aos “homens”, entre outros tantos. A onda neoliberal e conservadora que tomou conta de países europeus e dos EUA e teve seus impactos no Brasil, tanto do ponto de vista econômico, quanto político, produziu uma reorganização das políticas públicas direcionadas aos direitos humanos, por conseguinte, esvaziando-as. Inclusive, por exemplo, o conceito de interseccionalidade que foi gestado nos movimentos sociais entre as décadas de 1960-1980, passou a ser apropriado indiscriminadamente no campo das ciências humanas e socais, sobretudo, a partir da década de 1990. A machocracia na política pode ser entendida a partir da ascensão homens brancos adeptos do hiper liberalismo que utilizam os marcadores da diferença para excluir da distribuição de riquezas os sujeitos que não se enquadram na cisnormatividade. Entendo como a machocracia o processo de dominação masculina que, hoje mais do que nunca, travestiu-se num discurso de ódio proferido publicamente, principalmente, por homens brancos e de classe média, heteronormativos contra os direitos humanos e às diferenças, configurou-se como o principal traço da política ocidental e brasileira. Estamos diante de uma “androcracia” ou “falocracia”, mas em concordância com o psiquiatra Luís Fernando Tófoli prefiro chamar de “machocracia” – regime político em que seres humanos do gênero masculino dominam a cena política e transformam o machismo, a misoginia, a lgbtqia+fobia e o repúdio às diferenças numa pauta política que visa a precarização e muitas vezes eliminação de vidas que, na visão desse
regime, não merecem ser vividas. (GOMES, 2019, 147).
Ao que parece a narrativa da crise estrutural do capital e os desarranjos socioeconômicos que ela produz tornou-se uma justificativa para a exclusão de diversos sujeitos sociais, ou, os incluindo somente pela égide da pós-narrativa, contra os quais o sistema e o estado praticam uma violência justificada pelos discursos tanto em nível cotidiano, quanto pela própria mídia. Como destacou Mereu “A violência justa é a que é empregada por todos aqueles que estão à frente de uma instituição dominante contra qualquer tipo de oposição” (2000, p. 43). Portanto, a partir da interseccionalidade, em que se traduz a experiência de grupos e sujeitos subalternizados, entre vetores como sexo/gênero, classe/etnia, geração, busca-se compreender o atravessamento de formas diversificadas de violência que são produzidas tanto no nível dos discursos, quanto da violência de forma direta motivada pela discriminação por orientação sexual e identidade de gênero e questões étnicas posta no cenário contemporâneo.
Assim, para fins de exercício de reflexão e com vista a entender como se processam as diversas formas de discriminação e violência de gênero, recorremos a um conceito multilinear apresentado por Foucault – o dispositivo – que para o autor combina estrategicamente campos de saber, relações de poder e modos de subjetivação, ou seja, um conjunto de práticas disciplinares. Para Foucault, o dispositivo é: um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dizível e o indizível são os elementos constitutivos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. (FOUCAULT, 1995, p. 244). Como observado por Foucault, a partir desses debates, deve-se problematizar os binarismos da racionalidade moderna que impõe a hetoronormatividade como padrão discursivo e comportamental e, consequentemente, produzem a exclusão de todos os sujeitos e corpos cujas performances de gênero não se enquadram no dispositivo hegemônico. Assim, os diálogos serão estabelecidos com os estudos de gênero, teoria queer e epistemologias feministas negras norte-americanas, no intento de compreender como a intersecção raça/classe e gênero opera como um dispositivo para a organicidade de uma necropolítica direcionada aos corpos que se tornam abjetos e não inteligíveis pela inferência dos poderes normatizadores da ordem do discurso que age sobre eles. Assim, tal procedimento de apropriação desdobrou-se no problema da tradução de experiências de inferência política para uma mera operação teórico-metodológica descaracterizando assim, como aponta Patrícia Hill Collins (2019), a potencialidade da práxis que esse conceito originou como liberdade indivisível. O problema da tradução implica na sua inversão, que significa em enfrenta-la como engajamento dialógico que produz estratégias específicas de emancipação para que se devolva imediatamente a experiência daqueles que são objetificados pelo conhecimento científico, como aponta Hill Collins:
Meu trabalho sobre interseccionalidade é em boa medida um ato de tradução. Vejo a interseccionalidade como uma teoria social crítica que tem menos a ver com disseminação do que já tem sido decidido – isto é, o conhecimento canônico mencionado antes, que merece crítica – do que com um projeto colaborativo de construção de conhecimento através das diferenças. A tradução enfatiza as semelhanças, mas também identifica diferenças importantes. Como projeto de conhecimento, a interseccionalidade se apoia inerentemente nas bases das boas traduções. (COLLINS, 2019, p. 234)
De certa forma, podemos dizer que a retirada de direitos se tornou o foco de tais governos que para excluir, institucionalizaram a abjeção, objetificando assim sujeitos históricos. Inclusive, com auxílio de parcela da academia, que corrobora a partir da premissa pós-narrativa e pós-tudo em que: “a predisposição de etiquetar tudo com o prefixo de pós sugere que no início do século XXI, estamos em um período “depois” dos projetos emancipatórios que aspiram a liberdade” (COLLINS, 2017, p.15).
Não obstante, a antropóloga Rita Laura Segatto, em estudo sobre o feminicídio na fronteira Juarez –México e Palo Alto/EUA, indica que os marcadores da diferença que são formados por classe, raça e gênero e são utilizados como um fator discricionário para que homens que se consideram dignos de privilégios, passibilidades e honrarias, supostamente naturalizadas pela tradição patriarcal, envie atos de comunicação e dominação masculina para seus pares por meio dos corpos das mulheres (tidos como mensagens), que são brutalmente assassinadas e tem impresso nesse corpo-território a assinatura de um poder local, regional que se estende para as esferas do nacional e da fronteira. Ademais, isso também ocorre nas comunidades do Rio de Janeiro, pelo atravessamento das fronteiras entre a miséria e o excesso, as autoridades, formadores de opinião e uma parcela da sociedade, se calam diante desses crimes, tratando-os a partir da indiferença, da permissividade e da naturalidade, criando uma cortina de fumaça sobre seus reais motivos. São tratados como crimes de motivação sexual, cometidos por sujeitos anônimos e, propositalmente, vistos como difíceis de serem identificados, a partir de uma solidariedade masculina heterocissexual. Contudo, a investigação de Segatto explicita que isso ocorre não por “desvios individuais, por obra de doentes mentais ou anomalias sociais”, mas sim como expressão de uma estrutura simbólica profunda e diretamente ligada ao machismo estrutural que, nas palavras da autora, constituem um ato alegórico – um controle legislador sobre o corpo da mulher como um território que deve ser aniquilado em suas vontades e desejos no num ato sacrificial para a produção de um regime de soberania que não a dela.
A autora afirma que a produção da masculinidade ocorre a partir de uma reafirmação da virilidade que, muitas vezes, se expressa pela violência e dominação do outro que deve lhe render tributos. Portanto, numa sociedade dominada pelo machismo estrutural cabe as mulheres, dentro dessa lógica, se anularem perante aos homens. Talvez, Segatto observe que a soberania da biopolítica tenha a face branca, hetero e machocrata capaz de atribuir o direito de vida e morte aos que lhe devem tributo, ou seja, trata-se de um dispositivo de poder que age por uma linguagem da violência. Nas palavras da autora, trata-se de “condições sócio politicamente “normais” na ordem de status, [em que] nós, as mulheres, somos as entregadoras do tributo; eles, os receptores e beneficiários.” (SEGATTO, 2005, p.272). Assim se estabelece uma linguagem de dominação e poder sobre os corpos.
Há, portanto um ataque de violência constante, em suas múltiplas dimensões, contra pobres, negros, povos originários, mulheres e as comunidades lgbtqia+. A escala de violências – físicas, simbólicas, psicológicas e jurídicas – perpetradas por esses líderes machocratas como Trump, Viktor Orbán e Bolsonaro tem se orientado pelo esfacelamento da verdade e tido como armas o cinismo e a perseguição ideológica de posições políticas, identitárias e de gênero dissidentes. Esses homens, brancos e heterossexuais estão balizados numa perspectiva fundamentalista religiosa que age pela internalização do medo na esfera social e política. Lança-se assim à opinião pública que, por sua vez, tornou-se circunscrita à bolha das redes sociais, um debate perigoso em que uma série de fake news são proliferadas em escala industrial alimentando as posições sectárias, o ódio contra “os outros” e impedindo que as relações de empatia e alteridade se estabeleçam entre os sujeitos contemporâneos. Portanto, busca-se evidenciar aqui como o machismo, a misoginia e a lgbtqia+fobia (atos proliferados pelo exercício político da machocracia) têm influenciado a precarização e a eliminação de vidas com base na discriminação por marcadores de gênero, etnia e classe social, bem como essa perspectiva tem se tornado um projeto político de líderes de países como EUA – Donald Trump; Austrália – Scott Morrison; Hungria – Viktor Orbán; e no Brasil de Jair Bolsonaro. Os exemplos do negacionismo ambiental, o desprezo pelas desigualdades históricas, a pouca preocupação com a distribuição de renda para grupos socialmente vulneráveis, o racismo estrutural e a perseguição às populações de performances de gênero não hegemônicas, tem sido um traço comum para esses líderes que flertam descaradamente com o autoritarismo. A título de exemplo, SOUSA NETO & CAFOLA, sobre a atuação de Donaldo Trump à frente do governo estadunidense, afirmam:
que desde o início de seu mandato, realiza ataques aos transgêneros (LGBT HIGHTS, 2018). No seu Twitter oficial no dia 26 de julho de 2018, Trump escreveu: “Após consulta aos meus generais e especialistas militares, estejam avisados que o governo dos Estados Unidos não aceitará ou permitirá que indivíduos transgêneros sirvam em qualquer competência nas Forças Armadas dos EUA. Nossas Forças Armadas devem estar concentradas na vitória decisiva e devastadora e não podem ficar sobrecarregadas com os tremendos custos médicos e interrupção que os transgêneros militares poderiam envolver. Obrigado.” (SOUSA NETO & CAFOLA, 2020, p. 296)
A onda conservadora também é manifestada em governos reacionários e violentos em outras porções do globo, como o do brasileiro Jair Bolsonaro. Aqui, inspirado pelo líder Donald Trum, e calcado em seus grupos de apoio, a exemplo daqueles pró-vida e pró-família, o atual presidente tem mantido suas práticas misóginas, lgbtqia+fóbicas e racistas, dirigidas especialmente contra os corpos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexos, assexuados, queers, negros, indígenas e mulheres.
A naturalização do estupro pode ser facilmente explicitada pela fala do hoje presidente quando ocupava ainda uma cadeira legislativa: dirigindo-se da tribuna à então deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores Maria do Rosário, disse, em 2014, que não a estupraria por ser a mesma “muito feia”. O episódio rendeu a condenação de Jair Messias em 2019 obrigando-o à retratação (feita por sua conta no Twiter). Entretanto, em que pese a condenação, reiteradamente o presidente e integrantes de sua base mantêm seu desprezo pela condição e autonomia femininas. Recentemente, grupos pró-vida e pró-família protagonizaram uma cena medonha em frente ao hospital no qual uma menina capixaba de dez anos de idade, estuprada pelo tio e cuja gravidez era oriunda dessa violência que persistia há quatro anos, foi hostilizada, assim como a equipe médica que a recebia ali para proceder o aborto legal, supostamente em defesa da vida. As famílias da equipe médica e da menina receberam ameaças de violência e de morte, e a criança, acompanhada pela avó, entraram no hospital escondidas no porta-malas de um carro, enquanto um dos médicos chamava a atenção do grupo na porta do hospital. Agindo como criminosas para ter acesso a um direito. Assim como nos Estados Unidos, os grupos pró-vida e pró-família estão a serviço do ódio (PACHECO, 2020). Para tais grupos, baseados no patriarcalismo, o que importa é a permanência dos privilégios do próprio patriarcado. Em que pese vermos mulheres em tais manifestações, a ideologia que as move, é o próprio patriarcado.
Assim, é possível afirmar que para esses homens empenhados na manutenção do patriarcado o revisionismo histórico que nega o passado de desigualdades permite a defesa da meritocracia branca e heteronormativa que decide quais vidas merecem serem vividas ou devem ser dizimadas – “vidas matáveis” – na expressão de Agamben (2010, p. 138). Trata-se, então, de colocar em debate os limites éticos, estéticos e interseccionais que nos permitam superar este silenciamento e o apagamento de tantas outras experiências corporais, afetivas e sexuais que têm sido realizadas em nome do enfrentamento de uma hegemonia patriarcal, eurocêntrica e cisgênera.
REFERÊNCIAS
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Créditos na imagem: The Beast Of Misogyny, by Rick Sealock. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2016/09/09/the-beast-of-misogyny-visual-statement-education-gender-equality-women-girls/
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Aguinaldo Rodrigues Gomes
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