– Um, dois, três … salvo todo mundo.
O menino contou até três. Quando olhou, o terceiro e o quarto tinham sido extensos:
– Pode ir? Pode?
Quando expirou, o expiro era imenso. Contou de novo. Ao olhar, tinha sido o vento. Ao redor, olhos imensos, bisbilhoteiros. Ele no centro. Maria abrindo portas. Janelas fechando-se em suas pernas chavefechando-se:
– Ainda não, ainda não.
Mariazinha se escondeu atrás do poste, atrás do sem fundo do muro mudo:
– Pode ir? Pode?
Nas costas do mundo, o vento coreografava sílabas, linhas, estrofes no pasto do retrato. Os olhos acendiam antes do tempo enquanto Alexandre pousava entre os meninos, os separava e os via antes de se tornarem vistos: poste antes da noite, vaga-lume num pernoite. Ele não era magno, não era grande. Biblioteca ele não tinha, muito menos de guerras participado. Não era príncipe, não tinha principados, mas participado de um encontro naquela noite. Ele era estrofe. Ela era estrondo, estrondava com o encontro. Ele causava um estrondo e uma separação de namorados.
No acende apaga, Maria escondeu o poço, a menina, o gozo, pra dentro da vagina:
– Menina senta direito, fecha as pernas, esconde a calcinha …
A fechadura piscou claviculário ali do lado:
– Lá vou eu … pode ir?
O menino se encolheu e o escuro tomou seu corpo. Encolheu e o escuro roubou seu beijo.
Quando apagava, Alexandre a beijava … nisso, Joãozinho se perguntava:
– Com quantas sílabas se alexandra uma vingança? Com quantas linhas se desalinha um beijo?
Pegou o carretel, barbante, cordonê, linha cortante e escandiu. Ao escandir as flores, não tinha resposta, somente margaridas, Marias Margaridas contadas no dedo, ao espalhar do pólen, ao contato do corte do vidro:
– Você é macho, é macho …
O menino se encolheu e a vergonha tomou seu corpo. Encolheu, porque Alexandre trocou de rosto: Gorda Gordona beijada não pelo Sr. Seu Pinto. Suas lágrimas colocando lágrimas nele, esvaziando o copo de leite do doce de leite que ele dava para ela. Mesmo porque o vaga-lume a beijava no amarelado do acende apaga. Joãozinho escandia flores. O pólen se espalhava:
– Quando escandi, não parecia longo. Não parecia cortante … quando desci, não era assim tão longe.
Maria engoliu a rima, quadrado, pipa grande na barriga. Paralisou-se:
– Duro!
Alexandre os olhava. Puxava o balde, mas só tinha corda:
– Mole!
Esgarçou-se e esticou a tônica pelas bordas de seu rastro. Quem para ele dá o braço?
Lá em baixo, ficaram os baldes. Cansados ficaram seus braços. Quando puxou não tinha nada. A corda não acabava. Não veio absolutamente nada. E pesados ficaram os braços. E sangrando ficou o cansaço:
– Lá vou eu … para o centro, tentando tampar os olhos dos outros, como fiz desde o começo.
Ao abrir o peito, não tinha esgrimas. Não tinha nenhum músculo no seu peito. Havia outros bisbilhoteiros. Outros peitos de Alice na capoeira se arregalando para serem lidos:
– Com quantas vendas impeço que me vejam? Em que tempo os vejo antes de vê-los?
Alexandre tampou todos. O príncipe valente, como não vencia Alexandre, qualquer hipótese de Alexandria, vencia onde Alice se despedia. E o duelo ia não ia. Tatiana o entendia sem ver motivo para beijar a menina tauromaquia. Lia, não lia. Desistia.
Alexandrino não era menino, nem menina. Não tinha nada, nem garganta, nem pinto, nem vagina. Mariazinha ali dentro, escondida rima. Escapando pelo defeito e enfiada de novo com o dedo dentro. O menino batia cara ali tão perto … Conto, mas não o vejo. Maria costurava a boca:
– Não quero que conte. Por conter te contenho. Não quero que diga, deixa que te costure com a língua.
Ao fazê-lo, não tinha poço, mas uma menina presa na vagina, gomo, tangerina. Tangia o gado, marginalizava o menino:
– Se não tiver balas, não sobe aqui em casa. Se não depositá-las depositário, não tiro minhas meias.
E propôs:
– Vamos brincar de narrador invisível?
Quando acendia, ninguém o via. Quando apagava, ele ali não estava. Ainda ficou gritando estou aqui, mas não te vejo. O beijo ali tão perto: margaridas nos lábios que o batom desfazia muros e milênios. Olhos indecisos. Os meninos cresciam:
– Pode ir?
Quando pode, o olho era de vidro. Esticou-se, quebrou-se e se fizeram esquinas, Madalenas arrependidas:
– Então, Margarida, e aí?
Daí, que apagava … Alexandre a beijava. Colocava lágrimas nos olhos que colocaram doce de leite em outras lágrimas. Beijos onde o menino brincava e mais lábios onde a ovelha pastava. Seu Pinto se vingava. Seu sentimento de vingança na vigilância. Dava mais corda, encompridava:
– Cecília aparece, vai?
– Vou te contar um segredo. Alexandre comia ovelhas, com elas ficava enrolado na corda que só tinha corda.
Travessão, travessura: andava o rastro com seu sapato. Alexandre, de Alexandrino a andarilho, mínimo máximo divisor comum. Mariazinha fugiu no orgasmo de Maria ali no pasto.
Inversão, investidura: as ovelhas costuraram o rasgo do orgasmo, seus cachos cortados em cachos amarrados:
– Cadê a menina que guardava na vagina?
Agigantou-se. Precipitou-se ali embaixo. Fugiu no pasto com seu orgasmo. Sabe o que foi mesmo? Depende do ângulo, depende do lado … se for triângulo ou quadrado.
Alexandre foi jogado no expiro do espirro do menino ao contá-lo:
– Sabe o que foi? Te empurrei, porque era gostoso te ter empurrado. Te prendi às ovelhas dos novelos costurados. Te prendi costurado. Sabe o que foi mesmo? Tem dia que de noite é assim: o mundo desaba, vem alguém e rouba a boca de quem a gente beijava. E o vento espalha beijos num verso de doze sílabas, por onde quem rouba anda em cachos que denunciavam o galho.
Chove gozo, olhos chovidos, gozo chorado.
A história começa aqui: tratava-se de um caso de alexandrefilia, de um amor ao doze à primeira vista. Tratava-se também de um andarilho metrificado num poema. Daquela vez em que a menina se fez e se deixou ser beijada. Feita, refeita, beijada e presa do menino escapada. Deixada ser beijada pelas sílabas que beijaram sua boca. E pelos olhos que abriram seus lábios.
O menino recuperou-se. Voltou a ser o mesmo depois que Alexandrino, nômade de castigo, foi empurrado. Ela beijando. Ele beijado. Ela num canto. Ele vingado. Alexandre de castigo no quarto escuro amarrado. E a cantiga era antiga, com Cecília na garganta:
– Amor cama arranha o pasto com arados.
Coloca-o empurrado. Arranhado: sabe o que foi mesmo?
– Um, dois, três … não salvo mais ninguém. Um, dois três … dou por contado.
Maria gozava, correndo pelo pasto, nos olhos e no retrato, pelo campo do provável. Chicote queimado, cabo de guerra: o poema saía aos baldes, vaga-lumes, costurando postes de multiorgasmos. Cabo de guerra, chicote queimado: ficava mais claro, mais claro. Alexandre limpava o turvo, o óleo dos olhos, enquanto a corda se esticava, alongava os passos, o desenho dos sapatos. Ele com câmeras lentas nos passos do sapato reconhecia Cecília onde havia e não havia:
– Amor cama mia arado no telhado.
Outra rima, aquela que Maria não engolia na barriga. Com os dedos mal empurrava. Sobravam orgasmos espalhados no pasto espalmado, quando a menina fugia:
– Está crescendo, convulsionando, alongado.
Em convulsão, convulsionado:
– Quem sabe o fim da história levanta a mão. Olha para ela, para cima e pra baixo, para o avesso, para o lado. Olha para margem, margeado: para cima dela quem olha?
– Um, dois, três … não salvo ninguém.
João estava imenso, grande, grosso, escapando pelo ferrolho da gaiola:
– Quem sabe com a língua, saia da linguagem do começo da história? Quem sabe a bruxa não o recoloque na gaiola? Quem sabe levanta a mão. Quem sabe começa outra história.
Créditos da imagem da capa: Reprodução.
Alexandre Alexandrino
Eduardo Sinkevisque
Related posts
Notícias
História da Historiografia
História da Historiografia: International
Journal of Theory and History of Historiography
ISSN: 1983-9928
Qualis Periódiocos:
A1 História / A2 Filosofia
Acesse a edição atual da revista