HH Magazine
Publicações

A história global e a mediação de teorias  

 

RIOJAS, Carlos; RINKE, Stefan (org). Historia Global: Perspectivas y Tensiones. Verlag Hans-Dieter Heinz: Akademischer Verlag Stuttgart, 2017, 158p.

 

O livro História Global: perspectiva e Tensiones foi organizado por Carlos Riojas e Stefan Rinke com a seleção de autores que participam de grupos de trabalho voltados à História Global e à História da América Latina. Na introdução do livro, os organizadores relembram os grupos de estudos sobre História Global, bem como publicações, que juntas, articulam uma agenda. A ideia deles foi pensar quais eram as premissas básicas para reconhecer o que a bibliografia especializada chama de História Global. Delineia-se uma teoria que evita a história única, a história événementielle ou que tenta somar as partes para fazer o todo. Sem se inscrever numa geografia específica, trata-se de um enfoque que dá ênfase às redes, às conexões, ao mecanismo de sustentação ou difusão de constelações.

 

 

O primeiro capítulo dedicado a História Global, escrito por Sebastian Conrad, defende a abordagem enquanto uma tentativa de fugir da história da nação e da herança de uma matriz disciplinar fundada no século XIX. Para a sua superação propõe-se uma virada heurística a partir de objetos já pesquisados e documentos já descobertos (CONRAD, 2017, p. 36). Portanto, não se trata de buscar uma história ainda não descoberta, mas olhar de outra maneira para o mundo que já conhecemos.

Nesse sentido, o livro foi estruturado em oito capítulos com abordagens que problematizam narrativas amplamente difundidas no ambiente historiográfico. Por exemplo, categorizar a América Latina como periferia do mundo ou menosprezar este continente – e outros como Ásia –, no papel de globalização, ainda no século XVI.

A maneira como o livro traz a perspectiva global é uma revisão a partir de abordagens que vem sendo debatidas desde os anos 1950, como uma nova história política, uma nova história intelectual, as teorias desconstrutivistas, a crítica pós-colonial entre outras. Mas, em vez de destacar o acirramento entre tais teorias, há uma tentativa de conciliação. Por exemplo, para falar do equívoco do eurocentrismo, isto é, uma história feita a partir de uma visão sobre povos e culturas, que os classifica segundos uma hierarquia cujo ponto de chegada é a civilização europeia, com seus Estados, suas leis, sua urbanização, são retomadas questões sobre viajantes da modernidade (RIOJAS; RINKE, 2017, p. 16). Tais viajantes geralmente são entendidos como um instrumento do eurocentrismo, por viajarem pelas Américas a fim de explorar os continentes e produzirem o conhecimento necessário para a conquista. Além disso, esses relatos de viagem teriam sido usados exaustivamente por intelectuais residentes nas Américas para formar a própria visão do país, como na Literatura Indianista Brasileira. No livro não há a negação de tais fatos, mas a sugestão “de una dinámica intercultural la cual modificó paulatinamente el carácter de todos los actores inmiscuídos en estos viajes conforme los contactos se hicieron más estrechos y frecuentes” (RIOJAS; RINKE, 2017, p. 12). Portanto, tanto metrópole como colônia transformam-se pari passu uma a outra.

Alguns trabalhos, hoje clássicos, já problematizaram a relação entre metrópole e colônia, como Maria Sylvia Carvalho Franco em Homens Livres na Ordem Escravocrata (1969), em que evidencia os vínculos entre trabalhos escravo e homens livres, de modo que a escravidão colonial faz parte do desenvolvimento capitalista nascente das metrópoles. Este argumento contraria visões que postulam diferenças essenciais e dicotômicas que podem ser percebidas em nomenclaturas como metrópole e colônia, desenvolvidos e subdesenvolvidos, periféricos e centro (FRANCO, 1976). Dessas diferenças viriam uma causalidade de acontecimentos da economia agrícola à industrialização, do atraso ao desenvolvimento, da barbárie à civilização. As teses de Franco não estiveram sozinhas e fizeram escola em livros como O Nascimento das Fábricas (1993), de Edgar De Decca, que interpretou a organização da sociedade em torno do engenho como uma forma de modelo industrial; e Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza (1986), de Stella Bresciani, que enxergou a barbárie nos ditos civilizados. Perceba, portanto, que a História Global é um guarda-chuva de debates historiográficos sustentados por uma noção de totalidade que reformula a percepção sobre a história. Para Rinke e Riojas, “el todo es más que la soma de las partes” (RIOJAS; RINKE, 2017, p. 14).

A história total já foi proposta outras vezes, seja com uma variante de universalidade, como em Friedrich Schiller (2019), para quem as histórias da Ilustração eram um amontado de fragmentos faltado conexão entre os eventos; ou a História Total pensada por Hippolyte Taine, que em seu recorte deveria abarcar a raça, o meio e o momento (DE DECCA, 2002, p. 163). Hoje não restam dúvidas que essas ambições modernas e iluministas produziram formas de engajamentos pelo mundo, que, por exemplo, encontram lugar comum em Victor Hugo, Euclides da Cunha, Marc Bloch, Domingo F. Sarmiento entre tantos outros. Não por acaso, Rinke e Riojas citam O mediterrâneo (1949) de Fernand Braudel como pioneiro na História Global. Entretanto, será possível conseguir se distanciar da história nacional e sua matriz disciplinar do século XIX com uma proposta fundada nessa mesma matriz disciplinar?

Adentrando ainda mais no livro, percebe-se textos que procuram reinterpretar os acontecimentos históricos para dar um novo sentido. Há também outros textos que enfatizam a inescapável globalização do período contemporâneo. A exemplo da proposta de Bernd Hausberger, até mesmo alguns livros recentes como Globalization in World History, organizado por A. G. Hopkins, pecam por dedicar poucas páginas ao papel da América Latina. O objetivo Hausberger foi lembrar que o comércio e a indústria desenvolvida na Europa nos séculos XVIII e XIX só foi possível com o ouro, com a prata, com as mercadorias e com consumo das colônias, sobretudo da América Latina (HAUSBERGER, 2017, p. 57). Percebe-se, portanto, que a história global caminha para um eixo historiográfico de não apenas fazer síntese, mas ser crítica sobre a própria produção.

Outro exemplo de abordagem da história global foi ensaiado por Carlos Riojas, ao comparar a agenda da globalização no final do século XX entre Hungria, Argentina e México. Estes países tinham em comum alto grau de endividamento, ficando à mercê de mais empréstimos e regras ditadas internacionalmente por instituições financeiras. Porém, as reformas econômicas não necessariamente acompanhavam processos democráticos, como no caso do Chile, em que se justificava a ditadura do Pinochet para fazer as implementações solicitadas pelo mercado e pela imprensa internacional (RIOJAS, 2017, p. 147). Essa abordagem de história comparada é pertinente até para pensar o tempo presente, porque hoje, os países citados por Rojas, sofrem novamente por problemas econômicos, escaladas autoritárias e repressão a população civil.

A história global aparece como uma forma de mediar as diversas formas de escrita da história pelo mundo, investindo na pluralidade, na diversidade e na perspectiva. A história global ainda estará sob às críticas mais duras ao eurocentrismo no ofício do historiador, por deixar dúvidas em relação às ambiguidades presentes na terminologia história. Ainda assim, em um século XXI de nacionalismos, reinvindicações identitárias, aceleração do tempo, pandemia, uma historiografia de mediações é fulcral para estabelecer diálogos e agendas.

 

 

 


REFERÊNCIAS

BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. Brasiliense, 1982.

CONRAD, Sebastian. História Global – Agendas y Perspectivas. In: RIOJAS, Carlos; RINKE, Stefan (org). Historia Global: Perspectivas y Tensiones. Verlag Hans-Dieter Heinz: Akademischer Verlag Stuttgart, 2017.

DE DECCA, Edgar. Euclides e os Sertões: entre a literatura e a história. In: FERNANDES, Rinaldo de (Org). O Clarim e a Oração. Cem anos de os Sertões. São Paulo: geração editorial. 2002.

DE DECCA, Edgar Salvadori. O nascimento das fábricas. São Paulo: Brasiliense, 1982.

FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. As ideias estão no lugar. Cadernos de debate. Vol 1. História do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1976.

FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. Unesp, 1969.

HAUSBERGER, Bernd. Consideraciones acerca del papel de América Latina para el arranque de la globalización. In: RIOJAS, Carlos; RINKE, Stefan (org). Historia Global: Perspectivas y Tensiones. Verlag Hans-Dieter Heinz: Akademischer Verlag Stuttgart, 2017.

RIOJAS, Carlos; RINKE, Stefan (org). Historia Global: Perspectivas y Tensiones. Verlag Hans-Dieter Heinz: Akademischer Verlag Stuttgart, 2017.

RIOJAS, Carlos Agendas Globales Agendas Locales. In: RIOJAS, Carlos; RINKE, Stefan (org). Historia Global: Perspectivas y Tensiones. Verlag Hans-Dieter Heinz: Akademischer Verlag Stuttgart, 2017.

SCHILLER, Friedrich. O que significa e com que fim se estuda a história universal? Trans/Form/Ação. Vol.42 no.3 Marília July/Sept. 2019  Epub Oct 07, 2019.

 

 

 

[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “205”][/authorbox]

Related posts

Toda tarde em fim

Geneviève Faé
2 anos ago

A estética do mal-estar, ou, o estranhamente familiar em Democracia em Vertigem

Andre de Lemos Freixo
5 anos ago

Covid-19: os fantasmas aparecem e querem falar

Fernando Brito Moreira
5 anos ago
Sair da versão mobile