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Ensaios e opiniões

A letalidade como projeto final do colonizador

O racismo, enquanto maquinário político que gerencia corpos e espaços, é resultado de um projeto pautado no extermínio. As suas engrenagens são forjadas no ódio que se amplia contra todos os sujeitos que se descentralizam das normas erigidas na brancura, na masculinidade, na cisgeneridade, na heterocentralidade e nos privilégios de classe/território. Assim, de forma interseccionada, o racismo se manifesta como um projeto de execução sumária que perpassa pelas nossas experiências político-sociais.

Achille Mbembe, em Necropolítica, indica como as estruturas do pacto entre os semelhantes, mote das construções políticas na modernidade, aventam, na contemporaneidade, modelos de extermínio que se articulam na imposição de perdas radicais.

Assim, a destruição dos sujeitos escravizados, em níveis múltiplos, desenha a injuria pela qual corpos lidos e descritos como dissidentes são atravessados pela normatização da morte. Segundo o filósofo, a condição dos sujeitos escravizados resultava numa tripla perda: “perda de um “lar”, perda de direitos sobre o seu corpo e a perda do estatuto político” (2018, p. 27). É possível notar que essas perdas, embora não estejamos na esfera do colonialismo, são retroalimentadas nas nossas experiências sociais.

A letalidade, nesse sentido, desempenha o objetivo final do racismo, enquanto uma norma produzida dentro de um sistema de poder genocida. As agências multifacetadas do plano de racialização e de hierarquização dos corpos, tendo em vista a lógica de oposição “nós versus os outros”, indica que eles, os “outros”, devem ser captados a partir das lentes brutais de uma organização política, social, estética e epistêmica, de aniquilamento.

A execução de Kathlen Romeu e do seu bebê, indicam as expressões necropolíticas que odeiam corpos negros e que os transformam em alvos. É preciso sinalizar que as execuções de sujeitos negros, por serem sistemáticas e correlatas à construção política desse país, não podem ser dissociadas do genocídio, como nos lembra Abdias Nascimento.  Não se trata de “bala perdida”, mas da composição de um alvo que, a partir dos parâmetros coloniais, é forjado para atingir sujeitos negros, mulheres, pessoas LGTQIAP+, sujeitos periféricos, imigrantes, pessoas deficientes e demais corpos que, à luz dessa carnificina política colonial, “borram” o seu ordenamento destrutivo.

Racismo, sexismo, “heteroterrorismo” (BENTO, 2011) — como processos políticos de destruição, simbólica e concreta, de sujeitos LGBTQIAP+—, classismo e outros parâmetros de clivagem entre os sujeitos, indicam que a morte concreta e/ou representativa deve ser normatizada, a fim de garantir uma ordem de mundo mantida pelo sangue dos sujeitos subalternizados.

As execuções sumárias que se instalam no Brasil, deixam entrever que o a morte é recurso delimitador dos espaços e que a noção de vida é mantida dentro dos esquadros torpes e restritivos que repelem os corpos enunciados como dissidentes. Se as nossas mortes são normatizadas por esses instrumentos de poder que desenham, descrevem e nos apresentam o mundo, é preciso que, de modo profundamente disruptivo, nós quebremos essas engrenagens. Hoje, antes que nos peçam para ter didática, nós resguardamos o direito, político e contrário à naturalização das nossas mortes, da revolta.

 

 

 


REFERÊNCIAS

BENTO, Berenice. Na escola se aprende e se faz a diferença. Estudos feministas. Florianópolis, v.19. p.549-559, maio/agosto/2011.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. Tradução de Renata Santini. São Paulo: n-1 edições, 2018.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução.

 

 

 

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