HH Magazine
Humanidades em perspectiva

Bicicleta

 

Poema para Júlia de Carvalho Hansen

 

A poeta anda

de bicicleta

ela é a bikepoeta

ela biker

ela é bikerpoeta

ela é uma

baita poeta

 

Fico pensando se caso, se compro uma bicicleta, se tomo um café, se escrevo uma crônica.

Certo é que preciso descansar. Certo é que preciso de um café. Precisarei de uma bicicleta? Precisarei casar? Preciso escrever uma crônica.

Eu a vi hoje na rua. Eu andava pela Rua Voluntários da Pátria que fica em São Paulo, Santana. Não pela Rua Voluntários da Pátria que fica no Rio de Janeiro, em Botafogo.

A crônica me dizia:

– Escreve sobre novembro quase dezembro.

Eu desejava janeiro. Seus dias quentes. E uma memória que me levasse ao tempo em que eu era menino e ia ao clube em janeiro. Tomava sol, banho de piscina. À noite saía na noite.

Eram tempos cheios de libido. E não havia HIV. Eu andava pela Rua Voluntários da Pátria. E projetava estudar e ir ao clube em janeiro. Mente sã e corpo são era o meu pensamento.

Paguei uma dívida. Comprei papéis e tinta para impressora. Agendei sessão de terapia. Comprei mídia não regravável, CDS.

Andando na rua prestei atenção à sazonalidade. Daqui um mês é Natal. Justifica tanta loja a vender enfeites. Coisas feias. Coisas cafonas. Coisas risíveis.

Não vou bancar o narrador acima de tudo, do bem e do mal, nem acima do gosto médio ou baixo. Narradores ou “eus” da sátira são presunçosos. Partem do pressuposto que seus lugares são melhores, por isso corrigem os outros, os pressupostos dignos de riso.

Eu me ria andando numa rua que outrora já fora de comércio mais ou menos elegante. Há muito a coisa ficou decadente, arruinada. São lojas com portas para rua a vender sapatos, roupas, bijuterias, brinquedos, fast food. Ofertam muita porcaria e tranqueira.

Não há mais o comércio ambulante. Há alguns anos o poder público, a subprefeitura deu cabo dele. No lugar de camelôs há canteiros de flores e plantas feias, sujas, encardidas e lúgubres. Há mais espaço para esbarrarmos nas pessoas nas calçadas da Voluntários da Pátria[1].

Não sou menos feio, nem menos sujo, nem menos cafona que a rua. Escrevo tudo isso apenas porque vi na vitrine de uma loja de colchões uma oferta de um colchão de berço.

Eis a crônica de hoje. Isso me valeu o dia. E valeu. Está valendo. Não comprei bicicleta, não me casei, não fui tomar café, ainda.

O colchão de berço em revestimento azul marinho me chamou atenção. Ganhou minhas vistas. Trago ele até agora nas retinas. Guardo nos olhos como se um italiano fosse ou um francês que tivessem visto algo pitoresco em uma viagem.

Na hora que vi o colchão de berço em oferta, pensei: compro. E dou de presente a uma amiga que comigo disso iria rir certamente.

É minha cara um colchão de berço de revestimento azul marinho. Ficaria perfeito para narrador dramático não satírico se o colchãozinho tivesse sido largado, jogado fora.

Na hora me ri muito. Imediatamente pensei: é para mim esse colchão. Minha amiga há de me dar razão.

Não comprei. Trago o colchão de berço comigo. Como motivo. Motor da crônica do dia. Vencedor do dia.

Falta muito a ser feito. Sinto-me em dívida comigo e com meus compromissos, mas o colchão de berço me fez ganhar o dia.

Ontem disse a uma pessoa que envelheço, mas como bebê nesse envelhecimento, tudo é novidade ainda. Envelhecer é novo para mim e aquele colchão não é para Sinkevisquinho.

Talvez o colchão seja para o menino que não abandono nem por meio do maior dos envelhecimentos, nem por meio da maior das maturidades.

Ainda é primavera. Aguardo o verão para ir ao clube. No colchão de berço, de revestimento azul, o bebê de meu envelhecimento.

 

 

 


NOTAS

[1] Esta crônica foi escrita em tempos não pandemicos.

 

 

 


Créditos da Imagem: Reprodução. Uma penny-farthing fotografada no museu Škoda Auto na República Checa.

 

 

 

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