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Proust Suburbano

Carnaval

 

Não tenho pressa / de ir às ruas. / Não tenho pressa / para deixar / a casa. / Desço as escadas /adiando / o tempo do próximo / degrau. / Nessa altura não / me adianta nada / o tempo / adiante. / Acelerações / nem de partículas. / Um verde / se espalha / da janela / do cômodo / onde estou. / Não me importam / as festas, / o não recesso, / o não haver / este ano o carnaval. / Enquanto exéquias / estudo, / compendio cinzas. / Não posso colher / com mãos / pensas / uvas / em memento / mori / nosso tempo. / Quando forem os pêssegos / serão / nas ruas / meu ir e vir de cerejas. / No vento apenas vento / de incertezas.

Eduardo Sinkevisque

 

“Foi no carnaval que passou.

Eu sou aquele Pierrô

que te abraçou que te beijou, meu amor”.

Dalva de Oliveira e Zé Keti

 

Memória de Carnavais

 

Histórias de carnaval eu tenho muitas. Nasci praticamente no seio de uma família foliã. Meu avô materno ia ao corço. Minha avó ficava em casa. Fazia caldo verde para ele. Meu avô paterno era lituano demais para pular carnaval. Minha avó paterna tinha subido aos céus antes de eu nascer. Filha de lituanos, eu acho que ela também não brincava o carnaval.

Mas meus pais, ah meus pais, esses desde que me conheço por gente gostavam. Eles iam ao bloco, nas noites de carnaval do clube Espéria. O bloco se chamava Amarelinhos. Eles se vestiam de amarelo, quando não prata. E colocavam talco nos cabelos para que ficassem brancos antes do tempo.

Hoje, cabelos brancos, caídos ou tingidos, meus pais não brincam carnaval.

Eu não pulo carnaval. Eu passo, eu pulo por sobre.

Mas, no fundo, no fundo, continuo sendo aquele menino com fantasia de índio, bebendo guaraná e pintado no rosto na matinê do clube. E este ano, não tendo carnaval, eu bem que queria carnaval. Por motivos outros.

Histórias de carnaval eu tenho muitas. Houve época em que eu ia às duas matinês de baile apenas. Depois, nas duas matinês e nas quatro soirées. E ainda assistia a bailes e desfiles de carnaval e concursos de fantasias pela televisão. E acompanhava as publicações sobre o carnaval em revistas. Beijava na boca, cantava as meninas. E me fantasiava de tudo que fosse engraçado.

Hoje, sem tristeza, o carnaval não mais me pertence. Acho bom que exista. E me regozijo com o prazer de certos passistas, certas baianas, certas cabrochas e certos mestres-salas e certas porta-bandeiras.

Histórias de carnaval eu tenho muitas, inclusive aquela em que, de porre, dancei ao contrário da pista. Um dos seguranças do baile me orientou a mudar de direção, me ensinando como se brinca.

Houve um carnaval em que, namorando, fui a um baile no Tênis Clube de Campinas.

Hoje, nem ao contrário, nem no certo pulo carnaval. Carnaval para mim é um dado, uma evidência, uma presença de uma ausência.

Hoje, tenho histórias de carnaval na vivência. Meu olhar e sentimento são antropológicos. E me regozijo com o prazer de saber dos amigos brincantes, passistas.

Histórias de carnaval eu tenho muitas, mas imbatível é aquela que congelou meu sorriso num guaraná saboroso, fantasiado de índio dos pés à cabeça. O sorriso do menino era espanto ou admiração. Na memória ficou sorriso. Ficou sorrindo. Fiquei só rindo.

 

Rodapé sobre escolas de samba

 

Quando eu era criança (e ainda na adolescência) havia 3 canais de TV que transmitiam os desfiles das Escolas de Samba no carnaval. E eram apenas os desfiles do RJ. Os canais eram Globo, Bandeirantes e Manchete. A TV Manchete era a que melhor transmitia. A Globo sempre foi ruim nisso.

Há mais de 20 anos que a TV dos irmãos Marinho edita e transmite um carnaval “é tudo igual”. Uma pasteurização do que é escola de samba. Há mais de 20 anos que o que temos via Embratel, ao vivo e em cores, agora em HD, é um pastiche.

À revelia disso tudo, prescindindo da Rede Globo, não apenas golpista, como detentora de monopólios de transmissões, tem o samba no pé, alas como a ala das baianas, as Mangueiras do Amanhã, as rainhas de baterias das comunidades, as cabrochas, os ritmistas e os passistas nascidos nos morros.

Eu aprendi a ver, gostar, amar escolas de samba e seus desfiles no berço. Não do samba. Mas desde criança. Essa é a hipérbole. Aprendi com minha mãe e com meu tio, irmão dela. Ela sempre foi Mangueira. Ele era Salgueiro. De Delegado e Mocinha eu ouvi dizer da boca de minha mãe e seus olhos emocionados. Com meu tio aprendi a respeitar todas as agremiações. E aprendi o que era um surdo Maracanã.

Não foram os comentários pífios da TV Globo que me ensinaram o pouco que sei do mundo do samba, das escolas e dos desfiles. Eu vi desfiles memoráveis, antológicos, históricos. Não tem o melhor. Tem os diferentes. É ruim que a Globo mostre de modo a parecer tudo igual. Tudo o mesmo.

Eu vi Pinah. Eu vi Braguinha. Eu ouvi e absorvi a sabedoria de Haroldo Costa. Eu chorei de emoção toda vez que a Mangueira desfilou e eu pude ver. Com ela eu fui Supercampeão.

Eu comecei a ver desfiles antes de haver Sapucaí. A TV Globo pasteurizou esse tipo de carnaval. Não o matou. Ele vive ainda. Como o circo vive ainda, como o teatro vive ainda, porque esse carnaval das escolas de samba vem e é dos Quilombos. Ele é uma das formas mais doídas e lindas de resistência.

Eu vi Pinah! E desfilei junto com Joãozinho Trinta. No cordão dos sujos, ainda brinco. Evoé agremiações sambistas!

 

Rodapé sobre carnaval da infância

 

Quando eu era criança, carnaval em São Paulo era apenas nas duas matinês. Domingo e terça-feira gorda. Os outros dois dias eram dias de brincar na rua jogando água nos carros que passavam. Jogando serpentina no ar e confete nos amigos. Vez ou outra nós jogávamos água uns nos outros, esquecendo-nos dos carros, afinal, o carnaval se dá no verão.

Quando eu era criança nessa época, a cidade ficava quente, mas nem tanto como hoje em tempos de degelo de calotas polares. Eu torcia para chegar a hora de poder ir ao baile das quatro noites. No Carnaval dos adultos não ia ainda, mas sempre me contavam como tinha sido, pois eu perguntava. Queria saber.

Quando eu era criança o carnaval era um horizonte de expectativa, um devir. Hoje, experiência contida, adquirida, ausente. E o prazer de saber que tenho amigos nos blocos, nas escolas, nos cordões. Eles brincam por eles. Eles brincam por mim. Eles brincarão no ano que vem:

– Hoje é quarta-feira de Cinzas. Não vou te beijar agora. Não é carnaval.

 

 

 


Créditos na imagem: Carnaval (1960), arte de Candido Portinari.

 

 

 

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