Menino não chora. Não chora menino que não demora. Maria dava a rima, fechava os olhos e perguntava:
– Seu Pinto, o Sr. está olhando?
– Não conto, não conto, não conto. Ponto. Pronto.
Mariazinha fechava os olhos, senão não contava. Fazia bico, colocava Cecília na boca e embalava:
– Estou te vendo, estou te vendo, estou te olhando pelo estreito do terceiro conto.
Pronto. Ponto. Outros dois pontos. Cecília comeu a língua, com ela falou de um poço.
Maria debruçou as vistas sobre um vejo-não-vejo, sobre um não queria que visse, ninguém a visse: jogou-se no poço, atirou seu olho e jogou de novo. Jogou-se.
– Não jogo, não jogo, não jogo.
A menina não sabia ser assim tão fundo. Debruçou as vistas de um agora-vejo:
– Jogue-me, Gorda Gordona, as suas, engorde meu olho.
Declarou estar engordando, engordando, te olhando na magreza das reticências …
Descansava no fundo, no fundo no fundo de um nem te conto, um olho de menina e um de menino:
– Quem é Cecília toda boca?
Maria comeu e se disse sem fundo. Um poço fundo na vagina, uma menina:
– Não conto, não conto, não conto. Te dou uma birra.
Ponto. Outro ponto, segurando a ladeira na esquina. Outro ponto, um em cima do outro:
– Boto Cecília nas reticências …
No meio do poço, Mariazinha via, iam seus olhos quando os baldes margaridas caíam:
– Estou descendo, disse o espreito.
Disse o parapeito quando tirou os espinhos do príncipe e devolveu os rabanetes.
Seu Pinto virou espinho quando um deles se retirou de seus olhos:
– Estou te olhando nas reticências … estou te olhando, mas não te vejo.
No meio do olho, o poço de Mariazinha:
– Estou voltando, disse-já-disse. Gargalhou Alice.
No meio do poço, o olho da menina. Caíam baldes ao subir do menino. Ele tinha, nos cílios, maços de margaridas extraviadas ao torná-las poema redondo. Ovo, ondo, amarelo, roxo:
– Seu Pinto, me dá uma?
– Volte e comece de novo.
O poço debruçou o peito sobre os peitos-poços de Mariazinha. Os bicos se esconderam: gargalhada, como faróis, no escuro mudo do eco ter medo:
– Trouxemos a chave.
Falaram os cílios.
Joãozinho abria o poço. Com seus olhos, um maço de margaridas. Abria o que abria. E quanto mais ele abria, mais ele abria.
De cima do poço, agora, a menina o via. Ele tentava a enxergar lá em cima. E quanto mais margaridas para cima, seu olho ia. Virava cílio quando os cílios margaridas subiam:
– Trouxe! Trouxeste?
– Não conto, não conto, não conto. Dá de volta minha birra.
– Ponto. Conto. Outros dois, pontuando aqueles outros.
Maria diminuiu ao bater cara no muro. Quando olhou, já era imenso: não conto, não conto … um ponto depois do outro, depois do outro …
O menino era menina. Azulvermelho. Rapunzel pulava tranças, a corda foguinho não brinco mais, levantava a saia e o via. Iam seus olhos quando viam:
– Menino, não chora. Não chora menino, que não demora.
Mariazinha contou até três. Disfarçou, subiu no muro. Ao contar, encontrou Seu Pinto. Ao encontrar, já era outro. Cecília mostrou a língua, saiu do castigo das reticências. Comeu de novo. Pronto, aqueles dois, um em cima do outro:
– Com quantos príncipes seca-se um poço?
Diziam a ele que ele não era ele. Tudo porque chorava: meninos não choram. Mais nada. Mas aquilo o derretia, o empoçava. Mariazinha lá em cima a perscrutá-lo.
Diziam a ela que ela não era ela. Mas se chorasse era menina. Mais nada. E o ar pingava, o parapeito a consolava e a fazia menina: meninas choram, meninos fazem chorar. E o ar pingava, o menino chorava e Alice, descendo, gargalhava, galhofando:
– Tá bom, conto, conto e arrasto outro canto pra teu conto.
A menina jogava a chave. Ele abria. Abria a boca e Cecília falava, depois de fugir do castigo, da desobediência:
– Quantos me descegam, aos dissecá-los por inteiro? Com quantos poços se descega um príncipe?
A resposta saiu de três pontos, dois na frente e um fechando os aparentes:
– Com esses espinhos nas mãos e outros imensos.
– Estou te olhando, mas não te vejo.
O menino cegou a lua. E cega ficou. A lua cegou o menino. E cego ficou. Ponto e vírgula; primeira lágrima depois daquele encontro, depois daquele olho no poço. Ponto. Depois te conto, porque não estou para lágrimas, nem para contos.
Seu Pinto desapareceu aos poucos, enxugando-se em lenços:
– Cecília, me dá uma frase? Me dá uma estrofe? Ajuda a empurrar a menina no poço.
Ela ficou lá em baixo, no diminutivo de Maria, sem perceber, deixando-se perder. Encolhida ficou a menina. Perdida como um sabonete: uma odiosa comparação que lavava a mente. O príncipe, menino, no aumentativo de João, lá em cima sem perceber nem ver:
– Me venda, senão não te olho, sem vendas não choro.
– Maria, você invertia a história, as coisas, na Paulista?
Mariazinha vendou o príncipe quando Joãozinho subiu vendado. Inverso, invertido e hibernado: um menino que aumentava aos poucos, aos cânticos prantos que se enxugavam em lenços. Voltou aos trinta, aos beija-flores e começou tudo de novo: conto, conto, conto … pressuponho fala no meu conto, pressuponho tudo e mais um pouco.
Gorda Gordona botava ovos gordos nas reticências, nas malditas que castigaram Cecília. Gordo. Ponto. De novo. Olhou Seu Pinto, mas nem te vejo. E quando espiava já era imenso. Quando espichava já eram os lenços. Espiou, auscultou, os outros desaparecendo imensos:
– Com que lágrimas se escrevem isso?
Escreveu no muro, que a cara bateu cara no muro: com um “éle” bem longo e esgrimas nos olhos. Com umas lágrimas feitas margaridas, decepcionadas por um furo no peito. Quando olhou o furo, o menino era imenso. Quando viu o menino, o furo era extenso. O príncipe lá em cima, seus olhos agora no parapeito. Ela lá em baixo com seu músculo batendo no peito. Quando pensou, o pensamento era imenso: Maria menina brincando de cima em baixo. Agora lá em baixo com os cadeados e as chaves que abriam portas em seu corpo. Por extenso:
– Com que portas eu enxugo minhas lágrimas? Com que poço eu conto o que não posso?
Escolheu a mais salgada, aquela que estava emperrada.
Trouxe o ferrolho.
Disse a porta.
– Trouxeste a chave?
O menino ficou sem boca:
– Joãozinho, não chora. Enxugue as flores e recomponha o molho dos maços, porque você é macho, é macho, é macho …
Seu Pinto ficou calado, bordeando o poço cadeado. O menino lá em cima jogando olhares de não te vejo, cílios margaridas. Quando via, espreitava, espalhava os olhos pelos seus peitos. Estiava, estiava, estiava …
– Queres que te conte uma história?
A menina abria. E quanto mais ela abria, mais ela abria. Mais margaridas eram despejadas. Mais fundo ficava. Mais se fechava … mais portas abria e fechava. A menina juntava-se ao molho de margaridas do menino. Mais fundo ficava. E ocos ficavam seus olhos. Despetalados ficavam enquanto a porta salgava sua lágrima. Emperrada ameaçava:
– Maria, me dá meu conto senão eu te pego.
Créditos na imagem de capa: Le Faux Miroir (O Espelho Falso), 1929
Eduardo Sinkevisque
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