Karina Dias nasceu em 1970 em Brasília e é professora da Escola Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais, Pós-doutorada em Poéticas Contemporâneas pela UnB, Doutora em Artes e Mestre em Artes Plásticas e Aplicadas, ambos pela Université Paris I – Panthéon Sorbonne. Também possui Mestrado em Poéticas Contemporâneas e Graduação em Licenciatura – Artes Plásticas ambos pela Universidade de Brasília. Utiliza materiais diversos como madeira, aço e acrílico, trabalhados principalmente na forma de intervenções urbanas e produções fotográficas e audiovisuais. De forma geral, a artista tem como propósito trazer a pintura de paisagem sob novas óticas, convidando o espectador a inserir-se na paisagem e construir uma visão sobre a mesma e seu lugar dentro dela.
Como exemplos de contextos em que suas obras foram desenvolvidas, é importante mencionarmos três exposições: “Tempo Paisagem”, exposição individual realizada Na Caixa Cultural Brasília em 2017 na qual foram reunidas diversas obras da artista ao longo de seus vinte anos de carreira. Nesta exposição, o caráter reflexivo sobre a paisagem é o destaque do projeto curatorial de Cristiana Tejo; assim, o tempo da paisagem na obra da artista se contrapõe ao tempo corrido do nosso cotidiano. Já na exposição coletiva “À Vista – Paisagem em Contorno”, Karina e outras oito artistas se unem para propor a reflexão sobre a relação paisagem/espectador; realizada na Galeria Funarte Fayga Ostrower no mesmo ano de 2017, o objetivo central da exposição era justamente repensar o gênero da paisagem face à visão renascentista que buscava tratá-lo enquanto uma relação entre o terreno e o divino. Assim, através de várias linguagens artísticas, as artistas irão propor novos conceitos e propósitos para a paisagem em nossos dias atuais, tendo em vista a emergência das novas tecnologias e modos de viver. As obras escolhidas para esta avaliação foram “Cata-vento” (2000) e “Pedra 3” (2016):
Esta intervenção me levou a pensar na paisagem que se movimenta tanto quanto a vista da janela de um carro, um ônibus ou outro transporte urbano. O espectador se encontra dentro da paisagem, que possui seu próprio tempo (dilatado e calmo), mas a vê através da intervenção sempre em movimento, a depender da velocidade com a qual se move o cata- vento. A questão que me passa é: a forma como vejo a paisagem da janela reflete um tempo diferente daquele que está alheio à minha correria diária. Assim, minha visão também fica limitada a uma fração de segundo, não me permitindo me situar naquela paisagem e participar dela. É importante citar que, de um ponto de vista político, o local escolhido por Dias é emblemático quando se trata daquele pensamento “tempo é dinheiro”: Brasília, em frente ao Palácio do Planalto. Se pensada em contraponto à pintura renascentista – como em Ticiano – , o divino hoje ganha novos conceitos e passa a ser o contato direto com o ambiente que o permite viver, à par das questões religiosas individuais, o que revela uma necessidade urgente da sociedade. O meio continua a se sobrepor ao personagem, mas este último agora se encontra dedicado à sua contemplação e reflexão sobre o pertencimento e integração com o primeiro.
A segunda obra, “Pedra 3”, é um audiovisual com duração de 5 minutos, filmado em 2016, cujo link para acesso é: https://www.karinadias.net/03-44-pedra-3/. Abaixo, colocarei uma fotografia para auxiliar na leitura de minha reflexão:
Tendo em vista a proposta da exposição, logo me lembrei das pinturas de paisagem do século XIX – Naturalismo, Realismo, Impressionismo, etc., para além das renascentistas. A paisagem surge gigante e cheia de detalhes no qual o tempo traz o movimento e questão do divino, daquilo que nos faz repensar nossa pequenez e, ao mesmo tempo, em nossa parte interna na qual o divino se faz presente. Para mim, a presença da figura humana (que é a artista) faz toda a diferença neste processo de repensar a paisagem quando transportada à contemporaneidade. Isto porque remete diretamente à introspecção, à reflexão sobre a ligação entre o eu e a terra, o eu e o ar que respiro. Aqui, a paisagem movimenta-se “por si só”, isto é, a artista nos convida a perceber o movimento e o tempo da paisagem de forma direta. Dentro do processo de criação de Karina, o tempo é fundamental; leva-se horas ou dias para que a obra seja realizada por completo e nós, enquanto espectadores, somos chamados a fazer o mesmo.
Para a artista, conceitos diretamente ligados à pintura foram e ainda são essenciais às suas construções poéticas. No catálogo de sua exposição individual supracitada, a artista resgata o século XIV enquanto contexto inicial para a invenção pictórica da paisagem
com pintores como Ambrogio Lorenzetti, e realizada e concluída no século XV, nos Flandres, com Van Eyck e outros. Há dois elementos que foram decisivos: a laicizção do espaço e o aparecimento da janela na pintura. Aqui nos interessamos pela janela, essa abertura no interior da pintura que significou uma nova relação com o mundo exterior.O que se observa, com o aparecimento da janela, é a articulação do interior/exterior, em que o espaço externo, profano, adquire a mesma dimensão do espaço interno, privado e religioso. É a articulação do abertamente coletivo e do íntimo, do privado e do público. (p.23)
A artista também busca conceitos iniciais em outros momentos e artistas ao longo da História da Arte; em outro momento do texto, por exemplo, parafraseia Marleau-Monty em conversa com Cézanne sobre o que este pede à montanha quando vai pintá-la, e este responde que lhe pede que ela apenas desvele meios apenas visíveis pelos quais ela se faz montanha aos nossos olhos. Aqui, a janela se une à uma impressão além daquela proporcionada pela visão. Em diversas obras, Karina destaca a importância de “ajanelar” o cotidiano. Esta noção diz respeito a “explorar singularmente aquilo que vemos todos os dias, tentar encontrar novas perspectivas, recortes singulares, novos enquadramentos”. Karina se utiliza de conceitos da pintura para propor novas formas e linguagens de explorá-los de acordo com o nosso cotidiano atual. Por fim, a relação estabelecida entre as duas obras escolhidas me fez “viajar” da cidade às montanhas, ambiente que gosto muito e do qual sinto uma falta tremenda, por não ter tido condições (inclusive, de disponibilidade de tempo) para voltar. Sermos caminhantes, observadores é uma experiência indescritível pois permite a cada um se encontrar em meio ao mundo que partilhamos há tanto tempo. Na obra de Karina Dias, a pintura de paisagem ganha novas linguagens e conceitos. A artista propõe uma série de reconstruções do tempo, tendo a pintura de paisagem como principal recurso; a intervenção cumpre papel fundamental neste processo de evitar que passemos das figuras mitológicas renascentistas ao mito urbano do tempo curto e insuficiente para viver.
REFERÊNCIAS
Catálogo da exposição individual Tempo Paisagem. Acesso em 06 de julho de 2022. Disponível em:
https://issuu.com/luizalbertoosorio/docs/miolo_-_tempo_paisagem_v5_44pgs_pre
Karina Dias. In: Prêmio Pipa – A janela para a arte contemporânea brasileira. Acesso em 06 de julho de 2022. Disponível em: https://www.premiopipa.com/pag/artistas/karina-dias/
Nove artistas repensam o gênero da paisagem em “À vista – Paisagem em Contorno”. Prêmio Pipa – A janela para a arte contemporânea brasileira. Acesso em 06 de julho de 2022. Disponível em: https://www.premiopipa.com/2017/04/nove-artistas-repensam-o-genero-da-paisagem-em- vista-paisagem-em-contorno/
Karina Dias [site oficial]. Acesso em 06 de julho de 2022. Disponível em: https://www.karinadias.net
Tempo Paisagem apresenta panorama dos vinte anos de produção de Karina Dias. In: Prêmio Pipa – A janela para a arte contemporânea brasileira. Acesso em 06 de julho de 2022. Disponível em: https://www.premiopipa.com/2017/10/tempo-paisagem-apresenta-recorte-da-obra-de-karina- dias-ao-longo-de-20-anos-de-carreira/
Créditos na imagem: Reprodução. Pedra 3 [Still do vídeo]. In: Karina Dias. In: Prêmio Pipa – A janela para a arte contemporânea brasileira. Disponível em: https://www.premiopipa.com/pag/artistas/karina-dias/
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