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Dos méritos da síntese histórica e da divulgação científica: Independência do Brasil de João Paulo Pimenta
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Dos méritos da síntese histórica e da divulgação científica: Independência do Brasil de João Paulo Pimenta 

Como era de se esperar, o Bicentenário da Independência, comemorado nesse ano, viria acompanhado de diversas publicações e eventos (dos mais variados tipos, certamente). Aliás, também como imaginado, João Paulo Pimenta daria sua contribuição nos debates em torno dessa efeméride tão marcante. Dentre outras, nos interessa particularmente Independência do Brasil, publicado pela Editora Contexto no começo de 2022.

Deve-se destacar que o livro pretende ser aquilo que comumente chama-se de “divulgação científica” ou até mesmo “destinado ao grande público”. Neste sentido, não poderia ser publicado por Editora mais qualificada, ao menos atualmente[1]. Essa informação é naturalmente relevante em qualquer resenha, aqui, porém, é de extrema importância, na medida em que pretendemos nos debruçar especialmente sobre como a história da independência é contada por João Paulo Pimenta.

Nessa esteira, convém apontar minha posição frente ao livro. O campo da Independência em si ou da história política do Brasil no início do XIX, não são aqueles pelos quais mais tenho interesse, tampouco (e nem poderia) trata-se de uma área em que tenho pesquisas ou estudos de longa data. Escrevo enquanto um outsider do campo mais especializado: antes e mais especificamente, a partir da posição de um graduando interessado nas diferentes formas de se compreender e explicar a história. Movimento este que não é inédito, deve-se dizer. Durval Muniz de Albuquerque, fizera algo parecido (mais atento às formas de se escrever e contar a história) com o livro Domingos Sodré, um sacerdote africano de João José Reis[2]. Muniz procurou, em sua resenha, apontar como José Reis “contou a história” de Domingos Sodré, salientando os aspectos estilísticos de sua escrita, por exemplo. Seguindo esse modo de resenhar, já explorado por Durval Muniz, é que situo a presente resenha. Vejamos de que modo Pimenta compreende e explica a Independência do Brasil.

O livro está organizado em 7 capítulos[3], para além da bibliografia, estruturados com certa linearidade cronológica e explicativa. Os capítulos dois e três intitulam-se O Brasil e o mundo há 200 anos e Guerras europeias, conflitos americanos. Em seguida, Pimenta prossegue com os capítulos quatro e cinco Preparação e viabilização da Independência e A consolidação da Independência. Por fim, lembremos do capítulo primeiro, A atualidade da independência e dos dois últimos, sexto e sétimo, Historiografia e memória da independência e O futuro da independência. A partir de 7 capítulos, sendo quatro “localizados” no século XIX, e os outros três no tempo presente, João Paulo Pimenta busca, em uma exposição didática, dar conta de apresentar e analisar como deu-se a Independência do Brasil.

Para melhor compreendermos o modo em que a Independência é tratada por Pimenta, faz-se útil a comparação com outros livros do mesmo teor sobre o tema disponíveis ao grande público. A lista é maior, mas destacamos alguns de fácil acesso publicados em coleções ou por autores famosos, como: 1822 de Laurentino Gomes, Independência ou morte por Ilmar Rohloff Mattos e Luis Albuquerque, As independências na América Latina de Leon Pomer,  A independência e a construção do império escrito por Cecília Toledo, e os textos de Mary Del Priore e Clóvis Bulcão que dão conta da Independência no livro História do Brasil para ocupados[4].

Laurentino Gomes e seu famoso 1822 (parte da triologia 1808, 1822, 1889), assim como Mary del Priore e Clóvis Bulcão, apresentam a independência ao grande público de modo anedótico, exaltando o pitoresco e a vida de “grandes personagens”. Já Mattos e Albuquerque dão ênfase em demasia aos aspectos político e factuais da independência, privilegiando os acontecimentos em si. Pomer, por sua vez, vê os desdobramentos de 1822 como pouco relevantes, na medida em que as continuidades seriam muito mais significativas do que as rupturas, ademais salienta a independência como simples “acordo por cima” e “processo pacífico”, em simplificação extrema. Cecília Oliveira, por fim, apresenta ao leitor não especializado quadro equilibrado do período, partindo das reformas pombalinas ainda no XVIII para chegar as complexas disputas políticas da Corte no começo do XIX, contudo, não discute a conjuntura mais ampla do cenário internacional (sobretudo europeu e americano) que vai informar, de muitas formas, os processos que se desenrolavam na colônia.

Observar essas produções cuja finalidade e forma é a mesma, nos serve para destacar as particularidades do trabalho de Pimenta. Ao nosso ver, superando o pitoresco e a “fofoca histórica”, o autor ainda consegue manter escrita agradável. Ao mesmo tempo, equilibra-se bem entre a apresentação dos processos intestinos (capítulos quatro e cinco) e dos processos externos (capítulos dois e três), captando, portanto, tanto o desenrolar particular da colônia, em sua dinâmica própria, como a conjuntura mais ampla da “Era das Revoluções” em que os agentes históricos da independência estavam inseridos. O autor, desta forma, compreende a independência em suas múltiplas temporalidades (mais longas e curtas), seus aspectos mais superficiais (e factuais), quanto aqueles mais distantes (e processuais).

Não obstante, Pimenta discute também aspectos pouco comuns (mesmo nos mais variados espaços de circulação do saber) sobre a independência. No Youtube ou no Instagram não é nada difícil encontrar variadas produções sobre os idos de 1822, seus personagens e acontecimentos. Contudo, deparar-se com conteúdos nessas mídias que discutam a historiografia da independência ou os usos políticos desse passado é, sem dúvida, processo mais difícil. Até mesmo nos livros de divulgação, como os listados acima, essa dificuldade é atestada. Sendo assim, a discussão dos capítulos um, seis e sete de Independência do Brasil é muito valiosa. Situar, ao leitor não especializado, a história da história da independência contribui qualitativamente para o avanço da História que circula entre o grande público. Vê-se que aquele processo não ficou estanque no século XIX, tão distante temporalmente do nosso hoje mais sensível. A leitora ou o leitor que pegar o livro em um domingo à tarde, poderá ter contato com aspecto tão importante da História, mas, infelizmente, muitas vezes negligenciada em livros de divulgação (inclusive os escritos por historiadores acadêmicos!) de história.[5]

A independência, sendo assim, é apresentada não como simples data (7 de setembro), tampouco como a ação de “grandes sujeitos históricos” (Bonifácio, Pedro I, etc…), nem como ação de estruturas sem sujeitos e também, ponto fundamental, não é apresentada “neutralmente”, conta-se a história dessa História, enfatizando o aspecto político, no tempo presente, das comemorações da independência.

Por fim, as últimas palavras dessa resenha salientam que Independência do Brasil oferece contribuição valiosa no interior dos livros para o grande público sobre a temática. Não tanto pelas suas teses mais específicas, como o aspecto revolucionário da independência, que não discutimos aqui, mas sim pelo modo, pelo como, considerando a abrangência e rigor de sua abordagem, com que João Paulo Pimenta apresenta, ao público em geral, a Independência do Brasil.

 

 

 


NOTAS

[1] Lembro de Séries e Coleções antigas de livros de divulgação e destinados ao grande público, como Tudo é História e Primeiros Passos, publicadas pela Editora Brasiliense, História em Documentos e Discutindo a história do Brasil, ambas da Atual Editora e a Série Princípios, editada pela Ática. Hoje, especialmente no campo da História, a Contexto exerce importante papel nesse sentido, sobretudo via a coleção História na Universidade. Ademais, é também dessa posição de interessado leitor de livros como esses que resenho a obra de divulgação em questão.

[2] Cf. ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. Resenha: Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do século XIX. Rev. Bras. Hist., São Paulo, v. 29, n. 57, p. 211-217, 2009.

[3] Os capítulos não são numerados, mas a quantidade numérica é essa.

[4] Entre outros: MATTOS, I; ALBUQUERQUE, L. Independência ou morte: a emancipação política do Brasil. 8º ed. São Paulo: Atual, 1991, Coleção História em Documentos; OLIVEIRA, C. A independência e a construção do Império. São Paulo: Atual, 1995, Coleção Discutindo a História do Brasil; GOMES, L. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010; POMER, L. As independências na América Latina. 6º ed. São Paulo: Brasiliense, 1985, Coleção Tudo é história; M Priore em O indiscreto Demonão” e C. Bulcão em Leopoldina, a austríaca que amou o Brasil em FIGUEIREDO, Luciano. (org.). História do Brasil para ocupados. 2º ed. Rio de Janeiro: LeYa, 2013. Não foi possível pensar comparativamente com outras produções também muito recentes sobre a Independência, como o Almanaque da Independência (São Paulo, Ática) de Jurandir Malerba, o qual aqui apenas indico, aos eventuais interessados.

[5] Também vale mencionar o livro enquanto momento de síntese de diferentes faces do trabalho de pesquisa de Pimenta, seja nas dimensões da historiografia da independência e usos públicos desse passado (cf. Pimenta, et. al., A independência e uma cultura de história no Brasil, Almanack. Guarulhos, n. 8, p. 5-36, 2014), nos processos mais globais pertinentes à independência (cf. Estado e Nação no fim dos impérios ibéricos no Prata 1808-1828. 2º ed. São Paulo: Hucitec, 2006; com Andréa Slemian, A corte e o mundo: uma história do ano em que a família real portuguesa chegou ao Brasil. São Paulo: Alameda, 2008; entre outros), quanto os mais específicos (cf. com Andréa Slemian, O “nascimento político” do Brasil: as origens do Estado e da nação (1808-1825). Rio de Janeiro: DP&A, 2003; entre outros). Publicação interessante também neste sentido.

 

 

 


REFERENCIAS

PIMENTA, João Paulo. Independência do Brasil. São Paulo: Contexto, 2022.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Capa comum do livro A Independência do Brasil, de João Paulo Pimenta.

 

 

 

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