Documentos auto-bio-ficcionais de terror da vida real

Certa vez ouvi de uma pessoa que sente o tempo como peso sobre os ombros, com um certo desespero, que sua imagem, a de seus irmãos, pai, mãe, tios e avós, reveladas sobre um papel-fotográfico nas décadas de 1980, 1990, estavam desaparecendo. Me pareceu temer que não restassem evidências deste tempo passado, das pessoas que eram naquele tempo passado, justamente em um momento que nascia um novo tempo na família, o primeiro bebê da última geração. Chegava o futuro e o passado se perdia? Quanto tempo duraria aquela tinta?

Meus bebês também não verão fotos. Conhecerão a criança de sua mãe por história, de ouvir falar, não de ver. Quando a casa desabou, saí de lá órfã. Com rumo, mas amputada de família. Atravessei o deserto e fui morar em um pouco povoado arraial sertanejo, onde a gente toda aguarda a chuva chegar na terra. Aguentei carregar somente um matolão. Minha bagagem é feita de história, de narrativa, de ser e tempo. Mas fotografias, não as tenho. Foram destruídas com abruptalidade, brutalidade, de uma hora para a outra. Restaram soterradas, inacessíveis a mim, aos meus bebês, ao futuro. Resta a memória. Quanto tempo durará esta tinta?

Eu penei, penei. Mas aqui cheguei.

Luiz Gonzaga, Pau-de-Arara


Créditos na imagem de capa:

Imagem autoral. Capa do livro “Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela”, de Ignácio de Loyola Brandão (2018).