O presente ensaio propõe-se a relacionar dois dos maiores e mais famosos festivais de música de todos os tempos: Altamont Speedway Free Festival e Woodstock Music and Art Fair, ambos realizados em 1969. O principal objetivo da análise centra-se em determinar os motivos que fazem dos eventos serem considerados antagônicos entre si, bem como perceber as diferenças e semelhanças que tais acontecimentos possuem. Além disso, pretende-se também observar a sociedade norte-americana da década de 1960, ressaltando em que contexto histórico ela estava inserida e como tal contexto colaborou com as diversas mobilizações sociais e culturais que distinguiram de maneira especial os anos 1960 das demais décadas. Assim, visa-se, em suma, estabelecer conexões entre os festivais abordados e a cultura do período que os engloba, demonstrando como é possível analisar a ascensão e a decadência da Contracultura a partir de manifestações artísticas.
A década de 1960 foi marcada por uma reestruturação da ordem mundial, com uma nova divisão de poderes e influências. Nesse sentido, a figura dos Estados Unidos da América estava em destaque na economia do globo, tornando-se a líder no mercado mundial, dado o modelo capitalista monopolista vigente, que se beneficiava da fragilidade econômica de outras nações – além do grande acúmulo de tecnologia durante a Guerra. Sendo assim, as políticas externas dos EUA buscavam a ampliação da influência norte-americana pelo hemisfério ocidental, chegando até a Ásia e África, buscando manter e expandir a supremacia econômica, através do apoio a novas democracias. Além disso, as tensões entre EUA e União Soviética, influenciaram a criação de políticas mais invasivas e protetivas, como por exemplo, a Doutrina Truman, que providenciava auxílio econômico e militar para países ameaçados pela URSS. Dessa maneira, as estratégias políticas adotadas durante a Guerra Fria tinham como objetivo principal combater a ameaça comunista e a influência da União Soviética, inclusive de forma agressiva e militar.
Mesmo com as diversas políticas propagandísticas que buscavam o apoio da população norte-americana para o conflito, havia aqueles que não estavam de acordo com as ideologias conservadoras e intervencionistas. Em um âmbito marcado pela indústria cultural, as políticas de massa tornavam o público cada vez mais suscetível à propaganda midiática, contudo, esse papel crescente da mídia também retratou o movimento da Contracultura. A Revolução Cultural foi um movimento que se mobilizou com o objetivo de fazer uma revisão ética acerca do governo e da sociedade, como uma forma de contestar os padrões políticos vigentes na época. Diante disso, estabeleceu-se uma Nova Esquerda nos Estados Unidos, que caracteriza-se por valorizar a juventude, as ideias anti elitistas e combater a hipocrisia e a alienação perante à desigualdade social e a miséria econômica (PURDY, 2007, pp. 249). A mentalidade da Contracultura foi disseminada pela mídia, chegando, principalmente, nos jovens, que encontraram nesse movimento uma alternativa para romperem com os padrões tradicionais, com os quais estavam insatisfeitos, contra os modos de agir e pensar da cultura dominante da sociedade em que viviam. O Movimento Hippie também se enquadra nesse sentido, sendo um dos principais ícones da Revolução Cultural, relacionado também ao ritmo musical rock’n roll, que foi muito influente e marcou os anos 1960, com bandas e artistas que atingiram seu auge e são exaltados até hoje, como The Beatles, The Rolling Stones, Janis Joplin, Jimi Hendrix, The Who, entre diversos outros músicos que discutiam assuntos pertinentes a partir de uma ótica não convencional.
Com suas roupas rústicas, seus cabelos compridos e suas drogas, tais jovens rejeitavam a banalidade da sociedade moderna, ao passo que defendiam uma vida mais simples e pacífica. Desse modo, assim como todo momento de Revolução, a década de 1960 e a juventude desse período produziram expressões artísticas que reproduziam a atmosfera que instaurou-se nos Estados Unidos nesse contexto. Com isso, foi a música popular a grande responsável pelas expressões mais brilhantes da realidade política e social do período. Artistas da música Folk como Bob Dylan e Joan Baez destacam-se como vozes que utilizaram-se do seu canal midiático para produzirem hinos de manifestações culturais. Entretanto, foi o Rock’n Roll que causou a maior comoção social, tornando-se o mais popular gênero musical em território estadunidense e em diversas outras partes do mundo na época (PURDY, 2007, pp. 252).
Em 1969, em uma fazenda na cidade de Bethel, no estado de Nova York, Estados Unidos, o festival Woodstock Music & Art Fair: uma exposição Aquariana: 3 dias de Paz e Música reuniu mais de meio milhão de pessoas para celebrar a paz, a música e a arte, na Costa Leste dos Estados Unidos. Cercado de indivíduos que buscavam a liberdade e o autoconhecimento, foi uma das maiores manifestações do Movimento Hippie, que fez da música e das artes um instrumento de contestação e mudança social e política. O festival uniu os ideários da Contracultura com o rock’n roll, fazendo com que ele fosse mais do que um estilo musical, mas uma forma de ver o mundo, tratando das questões sociais, dos direitos civis, da guerra, do sexo e das drogas. O evento contava com grandes artistas da época, como Janis Joplin, Jimi Hendrix, Creedence Clearwater Revival, The Who, entre muitos outros.
O Woodstock Music & Art Fair foi idealizado no momento em que a cultura jovem estava ligada, sobretudo, com a rejeição da forma de vida capitalista dos Estados Unidos, vendo assim os festivais de música como uma forma de protesto. Os organizadores do Woodstock foram Michael Lang, John P. Roberts, Joel Rosenman e Artie Kornfeld, que idealizaram um festival pago, buscando retornos lucrativos. Após a venda antecipada de ingressos, o público geral esperado para o evento era de 200.000 pessoas, no entanto, no dia do festival mais de 500.000 pessoas estiveram presentes, gerando diversos tumultos e congestionamentos em toda a região – a Via Expressa do Estado de Nova York foi bloqueada. O bloqueio das ruas, devido ao número imenso de pessoas, resultou em diversos problemas, já que impedia a chegada dos músicos que se apresentariam, o recebimento de água e comida e, principalmente, a evacuação de emergências médicas. O local não havia sido preparado para o intenso fluxo de pessoas, tendo, assim, cercas derrubadas e mais da metade do público invadindo o espaço para participar do festival. Essas pessoas tiveram que lidar, então, com a falta de apoio, já que a estrutura não foi projetada para esse número de participantes. Outro fator bastante significativo foi a grande chuva que acometeu a região, transformando o espaço em “um mar de lama” (GATES, 1990, pp 43).
A principal forma de contornar esses problemas de tráfego foi com o uso de helicópteros, do exército ou da própria organização do evento, os quais foram utilizados tanto para manter a ordem, quanto para o envio de alimentos e água, além de ser transporte para emergências. Sobre as questões de acesso aos cuidados médicos, a responsabilidade estava inicialmente sobre Wavy Gravy e sua esposa, Bonnie Jean Romney, líderes de um grupo chamado Hog Farmers, que haviam levado tendas para lidar com pessoas em overdose, por exemplo. Contudo, a grande demanda por cuidados médicos não poderia ser suprida apenas pelo grupo, então diversas pessoas se voluntariaram para ajudar nessas necessidades, sendo, assim, essenciais para que o evento acontecesse. A experiência com a alimentação foi bastante única também, segundo Gates, foi uma experiência hippie de vida em comunidade, em que os indivíduos, principalmente aqueles ligados ao grupo Hog Farmers, preparavam alimentos providos por fazendeiros locais; ademais, quatro tanques de água potável, com 10.000 litros foram levados para Woodstock, somado à galões de água congelada que foram enviados também por abrigos de emergência. Além disso, a polícia de Nova York era responsável pela segurança, juntamente com os já mencionados Hog Farmers, mantendo a vigilância e o apoio que eram possíveis naquele momento. Sendo assim, mesmo diante de diversas adversidades, o festival Woodstock Music & Art Fair seguiu em frente com a celebração da música e da paz, demonstrando que mesmo diante de situações problemáticas, os jovens poderiam manter-se pacíficos e em comunidade.
Richie Havens foi o primeiro artista a se apresentar, já que aqueles que realmente deveriam abrir o festival não conseguiram chegar a tempo, por conta do congestionamento. Heavens afirmou que a multidão era tão imensa que chegou a assustá-lo (GATES, 1990, pp. 40). Após sua apresentação, Country Joe McDonald foi o próximo, fazendo uma performance bastante militante, contra a guerra e a favor da paz. Grande parte dos artistas utilizaram a música e seu espaço para se comunicarem com o público, já que os temas da guerra e dos direitos civis eram bastante significativos e presentes na vida daquelas pessoas. Apesar de clássica, a performance de Janis Joplin foi, segundo Gates, desapontante. Joplin estava sob o uso evidente de entorpecentes durante seu show em Woodstock – “um dos tijolos base da cultura jovem, as drogas, estava começando a afetar outro, a música” (GATES, 1990, pp. 47). Percebe-se, assim, o papel das drogas nesse movimento, muitas das personalidades influentes na época faziam uso de drogas alucinógenas, e, inclusive, deixaram mensagens subliminares em suas músicas que faziam apologia a essas substâncias. O uso de drogas estava interligado com o Movimento Hippie, por conta disso entende-se que boa parte das pessoas presentes nos festivais estavam fazendo uso dessas substâncias. Jimi Hendrix foi o último artista a se apresentar no Woodstock, com sua performance icônica, em que quase um terço de sua apresentação foi sua versão do Hino Nacional norte-americano. Hendrix fez parte de um momento marcante da contracultura, em que demonstrou o amor pelo seu país sem esconder que tal país ainda necessitava de mudanças.
Ainda que em uma situação onde centenas de pessoas se encontravam sem as instalações necessárias para atender as necessidades de saneamento e primeiros socorros, lutando contra chuvas e condições mínimas de higiene, o evento foi reconhecido como bastante pacífico. O festival foi assistido pelo mundo todo, e a consciência desse fato foi importante para que as pessoas se mantivessem comportadas, provando para aqueles que os assistiam que era possível manter a paz e a ordem, que a juventude seria capaz disso, mesmo diante de situações complicadas. Ainda assim, houve duas mortes durante o festival: um jovem que morreu por conta de uma overdose de heroína e outro que foi atropelado por um trator. Contudo, se levarmos em consideração a amplitude do evento, além das adversidades causadas pelo grande número de pessoas que participou do festival, Woodstock mostrou-se pacífico e capaz de lidar com as situações. O proprietário da fazenda em que o Woodstock foi sediado afirmou após o evento que o festival foi a vitória da paz e do amor, em que uma multidão que poderia se rebelar, não se rebelou.
O Woodstock Music & Art Fair foi um festival que provou que as esperanças idealistas da contracultura eram possíveis. Foi um movimento que ofereceu otimismo para os jovens norte-americanos, demonstrando que seus ideais poderiam ser seguidos e que a violência e a guerra não eram aceitáveis, já que meio milhão de estranhos poderiam viver harmoniosamente juntos, mesmo em condições extremas (GATES, 1990, pp.53). A principal característica da Revolução Cultural é a luta contra os ideários das gerações anteriores, e houveram diversas maneiras de se demonstrar isso, no Movimento Hippie, a cultura e a arte eram a forma de protestar por suas reivindicações, na busca por um mundo movido não por pretensões materialistas, mas sim pela paz, pelo amor e pela comunidade. Por diversos motivos, o festival Woodstock Music & Art Fair foi a maior representação da Revolução Cultural, desde seu slogan anti-guerra e os símbolos, como a pomba que simboliza a paz, a própria audiência escolheu manter a paz em vez da violência durante o evento e suas adversidades. Woodstock foi um protesto pacífico, que demonstrou pela e para a juventude que havia chance para a paz e para o amor, um momento em que a música e a contracultura se tornaram uma só.
Sábado, 6 de dezembro de 1969. Um dia que entraria para a história como o momento que demarcou o declínio do Movimento Contracultural. O evento que será revisitado em seguida aconteceu no Autódromo de Altamont, localizado nos Estados Unidos, especificamente no norte da Califórnia. Na época, muito por conta de sua localização, o acontecimento acabou ficando popularmente conhecido como Woodstock West, ou Woodstock do Oeste. Contudo, nos estudos atuais, refere-se ao ocorrido como Altamont Speedway Free Festival, ou Festival Altamont. Nesse sentido, o Festival Altamont foi projetado seguindo o modelo do Woodstock Music and Art Fair, o qual aconteceu na Costa Leste dos Estados Unidos. A ideia era realizar um festival musical nos moldes do Woodstock, mas, dessa vez, na Costa Oeste norte-americana. Todavia, o sonho de reimaginar o festival que havia ocorrido 4 meses antes, acabou por tornar-se um pesadelo, fazendo com que a Revolução Cultural se deparasse com um final um tanto quanto amargo.
Em primeira análise, é interessante ressaltar novamente que as políticas promovidas pelos Estados Unidos durante a década de 1960 mostraram-se falhas, o que impulsionou a explosão de diversos movimentos sociais na região, os quais lutavam por direitos civis, paz e liberdade sexual e cultural (PURDY, 2007, pp. 235). É nesse contexto que o rock’n roll ascendia como uma potência artística sem precedentes. Tal estilo ilustrava a frustração e a rebeldia dos jovens, e movimentava a contracultura, questionando os conservadorismos e os tradicionalismos impostos à população. Além disso, a “invasão britânica”, protagonizada por grupos como The Beatles, The Rolling Stones, The Who e Led Zeppelin, proporcionou aos Estados Unidos a volta dos ritmos fortes, da sensualidade e da agressividade, fatores que fizeram com que a juventude adotasse tais bandas como representantes da liberdade e da mudança. É nesse cenário que inserem-se os festivais musicais, sendo o Woodstock Music and Art Fair a mais famosa representação cultural do período. Como já apresentado anteriormente, o festival foi um momento solene de reunião social, onde o mundo todo presenciou ao vivo a união harmoniosa de meio milhão de pessoas. Desse modo, após o Woodstock, surgiu o desejo de realizar mais festivais do tipo, em prol da promoção da paz. Todavia, o recuo do espírito opositor do rock’n roll, bem como o declínio dos movimentos sociais, a nova crise econômica e o retorno dos conservadores ao poder prejudicou a continuação do avanço da Contracultura. Diante disso, o exemplo que melhor ilustra a queda da Revolução Cultural é o Festival Altamont, que será discutido a partir de agora.
O projeto em si foi encabeçado pela banda britânica The Rolling Stones, sobretudo pelo seu vocalista, Mick Jagger. Jagger tinha em mente a realização de um festival gratuito dedicado aos fans da banda, o que seria vantajoso de diversas maneiras, já que o vocalista pretendia utilizar o evento para colocar panos quentes nos rumores acerca das exigências exageradas feitas pelos promotores dos Rollings Stones e nos resmungos a respeito dos preços excessivos dos ingressos e dos lucros da turnê da banda (GATES, 1990, pp. 65-66). A ideia inicial era realizar o festival no Golden Gate Park, ou Parque Golden Gate, em São Francisco, contudo, a diretoria do local não concordou com as demandas requisitadas pela banda, a qual teve de recorrer ao plano B: Sears Point Raceway, ou Sonoma Raceway, um autódromo também localizado em São Francisco. Assim, foi estabelecido que o concerto aconteceria no autódromo e a data escolhida foi 6 de dezembro de 1969. No entanto, os últimos acordos entre a assessoria da banda e os diretores do local fracassaram, por conta das disputas que envolviam questões financeiras, o que teve como corolário o rompimento das negociações apenas um dia antes da data marcada para o festival (DELHOMME-CUTCHIN, 2002, pp. 2). Iniciou-se, assim, uma corrida urgente em busca de um novo local para a realização do evento, que acabaria por ser feito no autódromo de Altamont, após o seu dono, Dick Carter, oferecer a localidade para os Stones. A banda fechou um contrato com Carter, o qual continha três condições principais: o local deveria ser gratuito para os Stones e seus espectadores, a banda deveria pagar 5 mil dólares para a limpeza e comprar uma apólice de seguro de 1 milhão de dólares para proteger a pista (GATES, 1990, pp. 67-68).
A escolha do local era considerada inapropriada pelos responsáveis pela organização do ambiente, porém, com o tempo já apertado, os organizadores tiveram de improvisar diversos aspectos da produção do local. Até a disposição do palco era problemática, pois ele encontrava-se muito mais baixo do que os palcos normais, o que permitiria o acesso de qualquer pessoa. Além disso, o terreno disponível representava apenas 15% da área que o Woodstock utilizou em seu festival. Entretanto, a questão mais preocupante dizia respeito à decisão duvidosa tomada pela banda no momento de contratação da segurança do local. Ao invés de negociar com uma empresa especializada em segurança de festivais, os Rollings Stones optaram por contratar o grupo de motociclistas denominado Hell’s Angels, que eram conhecidos em São Francisco por suas atitudes violentas (GATES, 1990, pp. 69). As fontes indicam que o pagamento do grupo foi feito com 500 dólares em cerveja, fato que é negado pela banda até os dias atuais.
No fatídico dia, bandas como Santana, The Grateful Dead, Crosby, Stills, Nash & Young e, é claro, The Rolling Stones, apresentaram-se e prepararam o terreno para os desastres que protagonizariam a noite. Já no início das apresentações, percebia-se que os espectadores encontravam-se alterados, por conta do consumo abusivo de álcool e de drogas, fato que também repetia-se entre os Hell’s Angels, que já estavam embriagados no começo do festival, brigando entre si e jogando barris de cerveja inteiros uns nos outros. A atmosfera do local distanciava-se cada vez mais da ideia de um Woodstock do Oeste e a sensação era de que a mistura dos fatores teria consequências desastrosas. Os próprios artistas presentes pressentiam que algo ruim aconteceria. Stephen Stills, por exemplo, declarou que sentiu um perigo real assim que subiu no palco, revelando que tinha a sensação de que alguém atiraria em Mick Jagger a qualquer momento (GATES, 1990, pp. 70-71). Seria um dia difícil para a cultura dos anos 1960. Posteriormente, a mídia descreveria o Festival Altamont como um espelho sombrio, ou um oponente maligno, do Woodstock (DELHOMME-CUTCHIN, 2002, pp. 3-4).
No entanto, apesar de toda a irresponsabilidade e caos que atormentavam o festival, o pior ainda estava por vir. O show dos Rolling Stones fecharia o dia de apresentações e era, inevitavelmente, o mais aguardado pelo público. Assim que a banda iniciou o show, uma briga entre um jovem negro e um integrante do Hell’s Angels começou em frente ao palco. Diversos Angels pularam do palco e partiram para a briga também. Quando o espancamento terminou, o jovem negro, denominado Meredith Hunter, veio a falecer. Mick Jagger parou com o show e implorou para a plateia se acalmar, contudo, a banda logo iniciou novamente a tocar e parou de suplicar para que a audiência cooperasse com a pequena equipe médica disponível no local (GATES, 1990, pp. 72). No dia seguinte, a autópsia do corpo de Hunter registrou que o jovem foi esfaqueado e espancado até a morte. Mick Jagger e o resto dos Stones saíram devastados do autódromo de Altamont. O resultado do que era pra ser uma noite de festa, música e paz foi lamentável.
Além da morte de Meredith Hunter, outros infortúnios assombraram o festival. Diversos espectadores foram jogados para fora do palco pelos Hell’s Angels e até integrantes de bandas que apresentariam-se no local envolveram-se em brigas, resultando em uma grande quantidade de feridos. Outros dois homens morreram no festival quando um carro atropelou um grupo de pessoas. Além disso, o corpo de um homem foi encontrado em um canal de irrigação, o jovem, aparentemente, havia sofrido uma overdose. Após os desastres ou de Altamont, iniciou-se uma onda de proibições de festivais de rock. Ademais, a imagem dos Rolling Stones, especialmente de Mick Jagger, foi estraçalhada pela mídia. Por conta de sua participação na terrível produção do festival, os Stones foram considerados insensíveis e irresponsáveis, além de serem colocados como desrespeitosos para com o público pela falta de segurança prestada durante todo o concerto.
Altamont representou a decadência do espírito presente no Woodstock, assim como marcou simbolicamente o fim da Contracultura (DELHOMME-CUTCHIN, 2002, pp. 5). Uma nova onda de conservadorismo se abateria sobre os Estados Unidos nas próximas décadas e, com o tempo, a própria música passou a ter outros significados. Todavia, apesar do triste declínio do Movimento Contracultural, é importante ressaltar que a nova onda de conservadorismo, presente, sobretudo, nos anos 1980, não foi recebida pacificamente por parte da população. Assim como nas décadas de 1960 e 1970, os jovens dissidentes mostraram sua potência, promovendo reversão de valores e subversão por meio do Movimento Punk. Desse modo, compreende-se que o final da Contracultura foi um marco um tanto quanto amargo na luta dos movimentos sociais, mas ressalta-se que a resistência frente a sistemas violentos e repressivos não é uma característica exclusiva do Movimento Contracultural. A resistência é constante e necessária, e a dissidência esteve e está presente na defesa de maiores liberdades e melhores condições de existência.
Em decorrência de tais aspectos, a década de 1960 é interpretada de maneiras diferentes, dependendo do ponto de vista de cada estudioso. A variedade de vertentes político-ideológicas corrobora nas considerações diversas que se tem a respeito de tal período de tempo (DELHOMME-CUTCHIN, 2002, pp. 9). Alguns pesquisadores apontam que os anos 1960 promoveram mudanças bastante promissoras na sociedade. Outros já debatem que tais mudanças apenas causaram mais transtornos por conta de sua conduta mal orientada. Nessa perspectiva, talvez a verdadeira definição da década de 1960 encontre-se no resultado da mistura de ambos os fatores: uma época promissora, porém mal orientada. Os anos 1960 mostraram que o futuro era jovem e rebelde, colorido e repleto de insatisfações, e, por consequência, o Woodstock estabeleceu-se como uma representação apropriada dessa efervescência juvenil e cultural. O festival em si parecia uma personificação da década de 1960 de diversas formas. O rock’n roll como uma manifestação do espírito inquieto e libertador que pairava sobre o imaginário social. A união de diferentes pessoas, pertencentes a diferentes grupos, em prol da paz, mostrando que, pelo menos durante aqueles três dias, era possível se ter esperança por dias mais harmoniosos. E a juventude incompreendida batalhando contra as sujeições de um Estado violento.
O Festival Altamont, por outro lado, pode ser definido como um final infeliz e não representativo da década de esperança e idealismo, ou como uma conclusão de um momento de contestação coletiva (DELHOMME-CUTCHIN, 2002, pp. 10). Diante disso, percebe-se que, assim como as controvérsias entre Woodstock e Altamont, todo o período que os engloba também é repleto de discordâncias e antagonismos, levando até mesmo a questionar se o território norte-americano encontra-se em uma melhor ou pior forma após os anos 1960. Tal problematização, entretanto, é complexa de ser respondida, já que é improvável de que chegue-se a uma resposta única e objetiva. Nesse sentido, negar as consequências positivas dessa época seria prejudicial, pois, ao realizar tal ato, estaria-se negando também todos os sujeitos históricos que protestaram e manifestaram diante das injustiças, e todas as vitórias alcançadas por eles por meio da luta. Contudo, negar os resultados negativos do período também não mostra-se interessante, pois a negação das violências cometidas corroboraria com o apagamento das vítimas, favorecendo, novamente, as repressões, sejam elas por parte do Estado ou por parte da própria sociedade. Assim, o ideal talvez seria encarar a década de 1960 como um momento de Revolução Cultural, que, apesar de produzir muitas manifestações de resistência características e símbolos da sociedade do período, também viu-se exausto ao perceber que suas reivindicações raramente eram vitoriosas no sistema em que inseriam-se.
Portanto, colocar Woodstock e Altamont lado a lado reforça a dicotomia dessa época e apresenta um final agridoce de uma era tão emblemática. Após a onda de festivais, a cultura capitalista tomou conta da atmosfera revolucionária, bem como dos artistas e das músicas. O Movimento Hippie também não sobreviveria por muito tempo e a geração Flower Power estava sendo cada vez mais bombardeada com o choque de realidade, provocando uma grande sensação de luto e autodestruição nessas comunidades (GATES, 1990, pp. 78). A partir desse momento, o capitalismo ia inserir-se violentamente e de maneira cada vez mais abrupta na sociedade civil, a qual, por sua vez, voltaria-se de forma mais intensa para o capital, deixando em segundo plano as lutas e as causas sociais, tão latentes nos anos 1960. Contudo, por mais que a atmosfera conservadora estivesse cada vez mais intensa, os atos de resistência nunca cessaram. Indubitavelmente, Altamont abalou os ânimos da juventude subversiva, mas o final da Contracultura não marcou o final da rebelião ou do descontentamento. Pelo contrário, o fim amargo da década de 1960 abriu caminhos para uma nova onda de movimentações, com novas caracterizações e estéticas, e cada vez mais atenta e problematizadora da violência do Estado.
REFERÊNCIAS
DELHOMME-CUTCHIN, C. The Altamont Festival revisited: Myth, reality, and the uses of the past. 2002. 24 f. Tese (Doutorado em Filosofia) – Departamento de História, Universidade do Sul de Illinois, Carbondale, 2002.
GATES, C. A. The Rise and Fall of the Great Music Festivals and the Hippie Culture of the 1960’s: Monterey, Woodstock, and Altamont. 1990. 90 f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Departamento de História, Universidade do Mississippi, Oxford, 1990.
PURDY, S. O Século Americano. In: KARNAL, L.; PURDY, S.; FERNANDES, L. E.; MORAIS, M. V. História dos Estado Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Editora Contexto, 2007. pp. 173-274.
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