Vivemos tempos de intensas disputas simbólicas e materiais, nos quais a juventude brasileira, sobretudo a juventude negra e periférica, é sistematicamente excluída dos espaços de decisão, de participação e de reconhecimento. Nesse cenário de violações constantes e precarização da vida, o Levante Popular da Juventude se consolida como um espaço vivo de resistência e formação, que alia a luta política à construção coletiva de saberes, a partir de uma pedagogia voltada à emancipação. Inspirado na tradição da educação popular, o Levante é, antes de tudo, uma escola de luta.
A educação popular, conforme formulada por Carlos Rodrigues Brandão, em O que é educação popular (1984) não é apenas uma metodologia alternativa, mas um movimento de trabalho político com as classes populares através da educação (Brandão, 1984). Ela nasce do chão das lutas sociais e da cultura dos povos, em oposição às formas hegemônicas e tecnocráticas de ensino. É, portanto, uma pedagogia que se desenvolve nas práticas comunitárias, nos movimentos de base, nas relações de solidariedade e no engajamento pela transformação da realidade concreta. Na perspectiva de Carlos Brandão e Raiane Assumpção (2009), em Cultura rebelde: escritos sobre a educação popular ontem e agora, “a educação popular não é uma atividade pedagógica para, mas um trabalho coletivo em si mesmo”, em que se constrói poder compartilhado entre sujeitos organizados.
É nesse mesmo espírito que o Levante se organiza. Nascido da articulação entre jovens que participaram da luta contra a Alca, no Fórum Social Mundial, e das experiências de militância nos bairros, universidades, sindicatos e escolas, o movimento constrói um processo permanente de formação política. O Levante Popular da Juventude é, como indica em seu site oficial, “uma organização política de juventude, popular, feminista, antirracista, anticapitalista e anti-imperialista”, [1]que atua para a construção de um projeto popular para o Brasil. Seus espaços de formação – como os encontros nacionais, as vivências nos territórios, as formações em núcleo – são práticas efetivas de educação popular, onde se compartilham saberes, se constroem identidades coletivas e se promove o engajamento transformador.
A prática formativa no Levante rompe com a lógica do ensino verticalizado. Ali, cada jovem é chamado a ser educador e educando, num processo de troca e escuta ativa, que valoriza as histórias de vida, os conhecimentos comunitários e a crítica social. A pedagogia vivida no Levante não se limita a transmitir conteúdos, mas propõe a leitura crítica do mundo e o desejo de transformá-lo. Como defende Brandão (1984), trata-se de uma educação que se cria com e para as camadas populares.
Mais que um espaço político, o Levante é um espaço pedagógico que opera a partir da cultura rebelde e das epistemologias insurgentes da juventude. As ações de agitação e propaganda, as ocupações, os mutirões populares, as intervenções culturais e os círculos de estudo não são apenas táticas políticas, mas também instrumentos educativos que forjam uma consciência crítica coletiva. Trata-se, como nos ensina a tradição da educação popular, de “uma prática de pensar a prática”, na qual a juventude se forma na luta, pela luta e com a luta.
Além disso, o movimento se posiciona firmemente contra o racismo, o patriarcado e o colonialismo, sendo sua ação formativa profundamente marcada por uma leitura interseccional das opressões. O Levante reconhece que a educação popular precisa ser antirracista, feminista, ambiental e anticapacitista, e por isso articula frentes de atuação que atuam diretamente nesses temas, propondo ações educativas que visam a construção de uma nova hegemonia popular.
A educação popular, na concepção vivida pelo Levante, não cabe nos muros da escola tradicional. Ela se faz nas ruas, nos bairros, nas ocupações, nos campos e nas florestas. Ela nasce dos mutirões e das lutas, das vivências e dos enfrentamentos cotidianos. Como enfatiza Brandão, “mais importante do que definir a educação popular é descobrir onde ela se realiza” (Brandão, 1984, p.56). E ela se realiza, de forma plena, nas práticas do Levante Popular da Juventude.
Portanto, reconhecer o Levante como espaço de educação popular é afirmar que a juventude brasileira está criando suas próprias escolas de resistência, seus próprios caminhos de formação política, seus próprios projetos de mundo. É apostar numa pedagogia que não apenas denuncia as injustiças, mas anuncia alternativas, constrói autonomia e emancipa sujeitos. É, enfim, reafirmar que educar é um ato de esperança, e que a esperança, como bem sabem os militantes do Levante, é verbo coletivo.
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Educação popular. 22. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues; ASSUMPÇÃO, Raiane. Cultura rebelde: escritos sobre a educação popular ontem e agora. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2009.
[1] LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE. Quem somos. Disponível em: https://levante.org.br/quem-somos/. Acesso em: 17 maio 2025.
LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE. Nossa história. Disponível em: https://levante.org.br/quem-somos/nossa-historia/. Acesso em: 17 maio 2025.