HH Magazine
Proust Suburbano

Máquina de Nei

Uma vez escrevi sobre Nei Schimada pensando em Gilberto Gil de Essa é pra tocar no rádio. Não é, então, a primeira vez que penso Nei Schimada com  Gilberto Gil. Não é a primeira vez que escrevo sobre sua poesia[1]. Talvez seja o Oriente em Gil que me faz ver Nei ou o Oriente em Nei que me faz ver Gil. Gilberto Nei Schimada Gil: uma fusão Zen, um estar por inteiro aqui, como é fazer ioga, sendo “o melhor lugar do mundo [o] aqui e agora”.

Não é o caso de dizer Gil e Nei iguais, nem de os comparar incomparáveis, singulares que são. Quando ouço Máquina de Ritmo, de Gil, embora a letra diga de uma ruína, de um não tem mais e de uma tecnologização da vida e da feitura em arte, eu lembro de Nei, porque ele, artesão, escreve poesia como quem compõe música, com ritmo, e com muito ritmo.

Dos poemas de Basta que amanheça  (Árvores Digital, 2020) destaco o ritmo, porque desta vez foi o que mais me chamou atenção. Ritmo absurdo (de bom) como em “[v]oltei para te abraçar / e apontar o dedo às capitanias hereditárias / e ser apontado como obsoleto escravo / do bônus das cotas do pão bolorento / dos céus e venenos do raio que o parta”, de um dos poemas do livro; ou em “[véus] e sândalos e / sem soltarmos nossas mãos de / felizes gitanos, / Roda / uivamos”, de outro; ou ainda em “[t]odo o tempo do mundo o tempo todo em um momento para todo o mundo”.

Bem humorados e engraçados, reflexivos e interrogativos, críticos há vários outros poemas neste livro que poderiam ser destacados. E há os concisos, os muito concisos, música breve, alternâncias de ritmo em estilo poético enumerativo, em rimas, como em uma escrita auditiva. Em Basta que amanheça, há achados como “São Paulo são janelas” ou “[eu] canto o blues do infinito”.

Estou pensando a Máquina de Nei. Os sentidos da poesia de Nei sinta quem ler. Não me atrevo em classificar a poesia de Nei, nem em conduzir os sentidos do leitor por meio dela. Não sou nenhuma Beatriz.

Posso adiantar apenas que de poesia Basta que amanheça se compõe. “Se oriente, rapaz”.

Ao ler a poesia de Nei Schimada você não vai fazer pós-graduação, embora possa aprender. Certamente, vai considerar a possibilidade de ir ao Japão e, sobretudo, voltar.

Neste livro, “considere, rapaz, a possibilidade” de ler Nei Schimada. Sua poesia é um cargueiro que te leva para ver onde o sol se esconde.

Se a aranha vive do que tece, como canta Gil em Oriente, neste livro, Nei vive –  e faz o leitor viver –  do essencial, do indispensável, do sem o qual não há, para ser o escritor que é: a poesia, e das melhores.

Considere, ao ler este livro, rapaz, bastar como signo do suficiente, do imprescindível, de o bastante para ser poesia a máquina de ritmo de Nei Schimada. Basta ler para ouvir, basta ler para acompanhar. Basta, leia. Será um prazer.

 

 

 


NOTAS

[1] Escrevi sobre a poesia de Nei Schimada aqui https://hhmagazine.com.br/uma-troca-de-audio-ou-esta-e-pra-tocar-no-radio-a-poesia-em-prosa-e-em-verso-de-nei-schimada-em-fogao-aceso/ e aqui: https://blogmenos.tumblr.com/post/613598241243742208/sem-ironia-mas-com-shoyu-uma-leitura-de-o-lado

 

 

 


Crédito na imagem: Reprodução. Clube da Esquina. Foto: Chronosfer.

 

 

 

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