O texto a seguir foi desenvolvido para apresentar o que seria um livro fictício (ainda inexistente) e que virá a ser (um livro plenamente constituído), sendo elaborado a partir de resenhas e apresentações.
Enquanto exercício de um possível livro, convido leitores, pensadores e filósofos a refletirem sobre os dispositivos de elaboração subjetiva que direcionam os esforços da nossa atual condição de mundo para os interesses da cultura capitalista e, consequentemente, para os interesses do Império Neoliberal.
Contra as Metafísicas da Ignorância
Este livro não apresenta um manifesto nem uma simples defesa das causas perdidas. Antes de tudo, trata-se de um tratado que busca mapear o que seria a metafísica da ignorância para, assim, questionar seus mecanismos ideológicos.
Para rastrear uma metafísica aparentemente transcendente, é necessário identificar seus males imanentes. Toda filosofia deve combater os quatro maiores males da metafísica da ignorância:
1. O suicídio;
2. A guerra;
3.O Antropoceno (anti-natureza);
4. A avareza (má distribuição de bens).
1. Do Suicídio
Principal mal já destacado por Camus, o suicídio deve ser combatido enquanto dispositivo de destruição das múltiplas subjetividades. No Estado moderno e no Império, há uma constante supressão da pluralidade de horizontes e formas de vida. A depressão, o desespero e a angústia assassina são ferramentas da sociedade moderna, utilizadas para esmagar aqueles que se recusam a ter sua singularidade aniquilada. Para isso, entram em ação a propaganda, a sociedade e os “modos de vida” impostos pelo Império.
As teorias metafísicas que operam a serviço da depressão — pois a metafísica da ignorância se apropria de qualquer metafísica que possa ser distorcida em prol dos planos do Império — são, principalmente, aquelas do Cristianismo conservador e das religiosidades que absorveram uma visão anti-vida, preocupando-se com o transcendente sem qualquer fundamento empírico.
Qualquer metafísica puramente transcendente ou puramente imanente deve ser combatida.
2. Da Guerra
A guerra nasce dos homens de poder, do nacionalismo e da necessidade de uma identidade transcendente que separa alguns indivíduos dos outros. Essas ideologias, marcadas pela metafísica da ignorância, alimentam as máquinas de guerra e promovem a destruição literal das formas de vida. Colocam-se em marcha mecanismos que favorecem o genocídio e o avanço do niilismo.
As metafísicas da guerra baseiam-se na crença do “homem único”, que só pode existir em uma condição puramente virtual e destrutiva, de guerra de todos contra todos. Dessa guerra, emergem o totalitarismo e o medo, que alimentam a ditadura do um.
3. Do Antropoceno
A metafísica vigente no Antropoceno é a do ser humano como superior, inalcançável, capaz de viver em qualquer planeta e de modificar-se à vontade. O Império batalha para acumular riquezas para poucos, à custa da destruição do mundo natural.
Essa metafísica fomenta a aniquilação da empatia humana e a supressão da capacidade de proteger tudo aquilo que não é humano. Ao mesmo tempo, promove a ideologia da guerra contra o “inumano”, tanto antes quanto depois da guerra propriamente dita. Esse mecanismo é imposto como uma necessidade, mas, na realidade, é uma metafísica que desfigura a própria
humanidade.
4. Da Avareza e da Má Distribuição das Riquezas
Todas as metafísicas da ignorância estão ligadas à acumulação de riquezas e à sua não distribuição. Elas sustentam a destruição das formas de vida pelo Império, pela propaganda, pela filosofia liberal e pela sociedade.
Essas metafísicas legitimam a guerra, a ideologia do homem único e as marcas transcendentes não empíricas — de falsa graça, falsa moral e falsa raça. No Antropoceno, sustentam a crença de que aqueles que destroem têm o direito sobre aquilo que destruíram.
Metafísica do Esclarecimento
Enquanto mapeamos os dispositivos da metafísica da ignorância, propomos também a metafísica do esclarecimento humano. Entre elas, destacam-se:
● O múltiplo, de Badiou;
● As formas de vida, de Tiqqun;
● As subjetividades indígenas, de Viveiros de Castro;
● As novas leituras de Heidegger e de Hegel.
Diante das metafísicas da ignorância, operamos na direção oposta: as metafísicas do esclarecimento.
Certamente, existem mais metafísicas da ignorância e do esclarecimento. Cabe ao filósofo mapeá-las e expor esse arsenal.
Partindo desse princípio, este livro visa explicitar quais metafísicas operam como dispositivos do Império e quais podem emergir contra cada um dos males da ignorância. Cabendo anteriormente ao menos uma explicação do que ainda poderia ser chamada de metafísica em nosso tempo, como condições que, apesar de terem sido geradas pela experiência, posteriormente, passam a operar como fundamento subjetivo.
Para que serve a metafísica?
Compreendendo o fato de que todos agimos segundo um pano de fundo ideológico, religioso ou metafísico (em sentido filosófico, o que engloba também certas crenças, regras morais e éticas) entende-se que normalmente todo ser humano direciona sentido às suas ações através de um aparato anterior a física. Ou seja, ao me lançar no mundo, me lanço a partir de uma teia com uma miscelânea de sentidos. Alguns são conferidos pela estética subjacente à
realidade, o que inclui o próprio modo como as coisas estão dispostas, ao modo como as pessoas agem, pensam, andam e interagem. Outras teias de remissão de sentido estão atreladas ao modo como os humanos atribuem sentido aos inúmeros objetos no mundo ao longo do tempo.
Enfim, existem as redes lançadas por cada um. Cada sujeito acredita num modo de se viver, para se agir por causa de determinada coisa, compreendendo o mundo segundo alguma lógica (capitalista, comunista, racista, idealista, cristã, ignorante). Segue-se, então, a partir de um plano de crenças, ideologias e lógicas que estão dadas antes mesmo de suas experiências.
Esses dados de sentido é o que chamamos de sentido metafísico. A questão que se coloca primeiro é sobre a ausência de metafísica e daí, das suas ramificações de perguntas: o que seria agir sem metafísica? O que seria o fim da metafísica? E, caso contrário, desconsiderando a possibilidade de fim, como definir uma melhor ou pior teoria ontológica (ou seja, metafísica, mas com sentido para o ente, para o ser que vive, que sendo se pergunta sobre sua existência)?
Primeiro definirei em poucas linhas a importância de se ter um sujeito atrelado a uma teoria metafísica, algo que inverte o objetivo de explicar como a metafísica age no sujeito humano.
Como veremos detalhadamente adiante, a metafísica, enquanto reflexão sobre a natureza última da realidade, desempenha um papel fundamental na formação de sentido da práxis humana, especialmente quando consideramos a experiência do sujeito em um mundo que se distanciou das compreensões míticas e simbólicas típicas de épocas passadas. A transição da visão do “homem primitivo”, que estava imerso em uma relação direta e vivencial com o mundo e com as entidades espirituais ou sobrenaturais, para a subjetividade moderna e racionalizada, traz desafios na forma de entender o sentido da existência.
Na época contemporânea, o ser humano, imerso em um mundo altamente racional e técnico, muitas vezes perde a conexão com as dimensões mais profundas da realidade, como as que são abordadas pela metafísica. O indivíduo moderno, ao focar excessivamente nas explicações científicas e no domínio da natureza, tende a perder o contato com as questões existenciais mais amplas que alimentavam a visão de mundo do homem “primitivo”, como a
busca por um sentido último, a relação com o divino e a experiência do sagrado, que hoje devem ser direcionadas ao sentir do estético artístico, aos valores da convivência das multiplicidades humanas.
No entanto, a metafísica ainda oferece uma ferramenta crucial para a práxis humana. Ao nos questionarmos sobre o que é o ser, o que é o mundo e qual é o nosso papel dentro dele, a metafísica possibilita ao sujeito um direcionamento para uma compreensão mais profunda e menos fragmentada da realidade. Esse direcionamento, ao se contrapor à visão mecanicista e fragmentada da ciência, permite uma reconexão com as dimensões do existir que estavam presentes nas culturas antigas, embora em um formato mais adaptado e
filosófico.
Essa reconexão pode ser vista na maneira como a metafísica propõe uma reflexão sobre o sujeito, suas escolhas e ações, e o impacto destas sobre o mundo e sobre si mesmo. O ser humano moderno, ao buscar respostas para o sentido da sua própria existência e sua relação com o cosmos, pode encontrar na metafísica um espaço para integrar sua subjetividade com uma visão mais ampla e universal, não apenas pautada pela lógica empírica ou pela instrumentalização do conhecimento, mas também por seu modo de compreender a imanência e assim direcionar sua ação.
Portanto, a metafísica oferece ao sujeito contemporâneo uma possibilidade de recuperar a profundidade do significado, conferindo à sua práxis um fundamento mais sólido, que integra as dimensões filosóficas, ‘espirituais’ e existenciais do ser. Esse movimento não significa um retorno ao mito, mas uma reconciliação do pensamento racional com a capacidade humana de sentir e se conectar com o mistério do ser, com a arte, com as ideias de
humanidade, pluralidade e humanidade, de forma a proporcionar um sentido mais pleno e significativo à vida cotidiana.