Não faz tanto tempo que escrevemos nessa revista sobre um processo de decadência[1] do Brasil a partir de uma perspectiva abertamente de esquerda, e assim o faremos nesse novo texto.[2] Nada parece ter mudado substancialmente de lá para cá; na verdade, temos uma sensação de piora e preocupação.
Era importante eleger Lula, não temos dúvida disso. Era preciso barrar o avanço da barbárie bolsonarista, “estancar a sangria”. Ter a perspectiva de mais investimentos em educação e saúde, combater a fome, fazer as instituições voltarem a um funcionamento mínimo (como a FUNAI), etc. Por outro lado, temos muitas preocupações em relação ao novo governo, eleito no fim do ano passado.
Na economia, o governo não apresenta força política suficiente para baixar a taxa de juros (taxa Selic), hoje em 13,75%, a maior do mundo, e o atual presidente do do Banco Central, Roberto Campos Neto – alinhado ao mercado financeiro e a Jair Bolsonaro -vai mais longe: acredita que essa taxa deveria ser por volta de 24%. A nova âncora fiscal proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que visa substituir o atual teto de gastos (aprovado no governo Michel Temer), agradou mais aos especuladores do mercado financeiro do que à população em geral. Na Petrobras, continua-se a praticar uma política de preços segundo os parâmetros internacionais, ou seja, de acordo com o dólar, e o governo não dá sinais que conseguirá mudar esse quadro; mas sabemos perfeitamente que seria possível uma política do petróleo e seus derivados pautada no real e nos interesses nacionais, o que ajudaria a reduzir os custos de produção, já que o insumo afeta toda cadeia produtiva, sobretudo quando se trata de um país que transporta a maioria esmagadora das mercadorias por rodovias.
Se olharmos de um ponto de vista mais estrutural, têm décadas que o Brasil está num processo de desindustrialização (o PT tem uma grande parcela de participação nisso) e, consequentemente, reprimarização de sua economia, que além de diminuir a competitividade do país, contribui para manter os números altíssimos do desemprego e da informalidade. Esse problema estrutural ajuda-nos compreender também fenômenos como o aumento da violência nos principais centros urbanos do país, o poder que as milícias e facções organizadas exercem nas periferias, a falta de perspectiva da juventude, etc.
Na educação, um grande desafio será revogar o novo ensino médio, que no seu curtíssimo período de vida, já se mostra uma verdadeira tragédia. É um modelo que privilegia claramente uma visão “empresarial” da educação; coloca em prática a ideologia neoliberal ao dar uma responsabilidade excessiva ao estudante, pela ideia que ele deve encontrar seu próprio caminho, “seu projeto de vida”, noção essa muito semelhante ao “empresário de si mesmo” (empreendedorismo). O novo modelo também tem tudo para aprofundar as desigualdades entre ricos e pobres, já que muitos conteúdos clássicos, como história e filosofia, perderam espaço para outros que nem se quer poderíamos chamar de conteúdo; em Brasília, por exemplo, é ofertada uma matéria chamada, acreditem, “O que rola por aí”. Nesse novo contexto, os mais ricos não serão tão afetados simplesmente por não terem que frequentar a escola pública ou por trazerem de casa um “capital cultural” recorrentemente maior que os mais pobres. Nestes últimos dias, pressionado pelos estudantes e movimentos sociais, o governo liberou um decreto para que as escolas possam suspender o novo modelo por 90 dias, mas não temos garantia alguma que haverá uma revogação, até por que o nosso ministro da educação, Camilo Santana, é a favor do novo ensino médio.
Poderíamos citar ainda uma série de problemas que o novo governo Lula enfrenta e terá de enfrentar (desmatamento na Amazônia, pressão do mercado financeiro para garantir o lucro de especuladores e rentistas, posicionamento na Guerra da Ucrânia, desemprego, etc…). Mas não vamos repetir o que todos estão cansados de saber. Nossa questão aqui é, a partir da filosofia da história e da esquerda, refletir para onde o Brasil está indo e, infelizmente, o caminho mostra ser o de continuar para a decadência. Vale lembrar aqui de uma famosa frase da historiadora Helena Mollo: “Para o pior não há limites”.
Todos sabíamos que derrotar Bolsonaro nas urnas não seria suficiente, que os desafios seriam enormes. Um deles ainda está em questão, que é o de saber se o governo do PT conseguirá maioria no congresso para aprovar seus projetos, num cenário que é ainda bastante favorável à direita, inclusive para o PL do ex-presidente, hoje o maior partido de oposição no parlamento. As dificuldades já apareceram: o governo (que ainda se pretende ser de esquerda) não consegue enfrentar o mercado financeiro, a mídia joga contra seus interesses, no congresso é preciso ceder ao “centrão” de Arthur Lira. E no mundo, como estamos? Com a reprimarização da economia, não seria exagero aplicar um conceito em desuso nos dias atuais para explicar o Brasil, que é o de “terceiro mundo”. Hoje somos uma economia estagnada, pouco industrial, sem competitividade, que não consegue se quer ser autônoma na política de combustíveis ou, num caso mais recente, na produção de fertilizantes, tão importante para o “poderoso” agronegócio. Na geopolítica, especialmente no caso da guerra entre Rússia e Ucrânia, o Brasil tem tido uma posição, para dizer o mínimo, ambígua: hora é a favor do Ocidente (OTAN, EUA), hora opta pela neutralidade, quando sabe que isso não é positivo para alguém que é membro dos BRICS e tem a Rússia como um de seus membros.
Infelizmente, portanto, a volta de um governo de esquerda[3] ao poder no Brasil não tem dado indícios que terá capacidade de tirar o país da trilha da decadência.
NOTAS:
[1] Sem explicar, é muito vago falar em decadência. Usamos o conceito tendo por referência aquilo que é caro à esquerda, como justiça social, distribuição de renda, políticas públicas, etc. E se estamos jugando moralmente a história, também nos afastamos de uma visão mais relativista do mundo, como a pós-moderna.
[2] Não queremos dizer que no passado o país era um paraíso, mas era melhor no primeiro e segundo governo Lula (2002-2010) se comparado com o período do governo Jair Bolsonaro (2018-2022).
[3] Para o militante de esquerda e youtuber, Jones Manuel, o mais correto nem seria qualificar o PT de reformista (social-democrata), mas de social liberal, análise esta que empurra o partido mais à direita, o que de fato faz muito sentido. Para mais detalhes, ver: https://www.youtube.com/watch?v=NjKd1QfUYzw.
Créditos na imagem: Reprodução: Bernardet: “Brasil, decadência programada”, BLOGDAREDAÇÃO.
[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “211”][/authorbox]