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Isaías Borja

O cerco da Humanidade

Nosso coração está desnudo.

Somos o que temos e somos o que somos.

Pelo chão,

Ou pelo espaço qualquer que se tornou perigo – que nos chama e nos repele –,

Os retalhos;

Memórias colhidas no vento do tempo.

Construímos impérios, cidades e o que nos cerca.

O feio e o belo; o crer e o credo.

Escrevemos coisas, compreendemos o mundo.

Almejamos os abraços e matamos sem nenhum escrúpulo.

Hoje, colhemos coisas outras além da própria vida.

E, por mais que tenhamos chorado – em algum lugar muito remoto –

A saudade, a perda e a vontade;

Onde diabos estamos que negamos a vida como negamos a morte e o caos?

Porque morte e vida sempre estiveram ao nosso redor.

Mas tudo o que vemos, tudo o que temos,

Tudo o que queremos é não ver o tempo passar.

Mas se nascemos, morremos.

E, sabendo disso, minamos a dor, fazemos graça e sorrimos para o nada que é

O corpo de alguma pessoa que morrerá amanhã; mas que não,

Nunca, não há de ser você.

Desatentos, lançamos nosso corpo sobre o espaço.

À procura de vida, ou atrás de mais trapos.

O dinheiro que enche poucos bolsos e põe à deriva multidões,

Que servem apenas para povoar a terra e servir aos grandes.

Da fome à perdição, existências são frustradas a todo instante.

Mas a constante que nos move é a mesma que temos em relação à morte:

Empurramos com a barriga.

E a Terra, que nos cria, colocamos à deriva.

A aquecemos, nos esquecemos, flertamos com o caos do fim.

Criamos arte, fazemos graça e cremos na gloriosa Salvação.

Mas nossas mãos estão acostumadas com o bolso.

E, se por alguns instantes, nos pegamos a questionar, voltamos atrás, “à razão!”.

E se por muitas e muitas vezes ouvimos os gritos que ecoam pela terra – como que um recado da própria Terra –, nos chamando para o que deveria ser o verdadeiro eu-ser neste mundo que nos dá as mais do que perfeitas condições de vida,

Dizemos que é loucura; a loucura de tirar as mãos do bolso e colocá-las em ação.

Nosso coração desnudo é a vergonha de nosso próprio ser.

Porque, com a nudez, o ser se vê, e se reconhece.

E, envergonha;

Quando tudo o que conhecemos nos puxa para fora,

Nos bate na cara e nos mostra o ser humano que somos;

Aquela coisa horrível que mata e devora e que vive como parasita nesta Terra

Que “nos fez gente estranha e alheia a tudo”.

E meu coração, bate envergonhado.

O conflito segue em mim, como quando descobri que a pele que tenho carrega

Muito mais do que a história que ouço por todos os lados.

O conflito que habita em mim é um isolamento constante a que estou imposto,

Porque se me lanço para fora e vejo apenas com os outros olhos, vejo outros.

E o eu que tenho e sou se perde em outros, conhece outros

E esses outros se voltam contra mim.

A humanidade que quero é outra.

A humanidade que o mundo precisa é outra.

Porque essa humanidade que forjaram e que é um apenas

Humano-extrai-tudo para um raso si,

Está levando tudo para um lugar cada vez mais remoto e abstrato.

E, daqui algum tempo, não haverá nem ser humano, nem cultura,

Nem beleza, nem História, nem momento, nem nada.

E a Terra estará livre.

 

 


Créditos na imagem: Frida Kahlo. My Dress Hangs There (1933).

 

 

 

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