HH Magazine
Crônicas, contos e ficções

Refluxo

para D.

 

quando te encontrei pessoalmente me vesti de palavras (não aquelas que eu falo ao vento, que eu falo em geral).

algumas palavras eu só falava no divã.

outras eu não me lembrava.

me vesti com as melhores palavras que eu tinha, as mais verdadeiras e honestas

algumas estavam lá, no fundo da gaveta. eu nem sabia se serviam mais.

você tinha mesmas palavras, roupas-textos coincidentes.

confundíamos nas palavras uma da outra. eu começava e você terminava (o pensamento, a música, a frase).

próximos, as nossas roupas pareciam servir. distantes, servirão?

espaço é o que temos. centenas de quilômetros e a linha do trópico de capricórnio.

temos promessa de carinho e cuidado. sensibilidades.

as palavras estavam sob a forma de música, sob a forma de simplicidade, sob a forma de achar graça nas coisas.

estavam sob a forma de rir, de falar com os cachorros (até aqueles que não tem mais um dos olhos), de admirar as narrativas (das meninas, das crianças que falam de cachorros cujos olhos ficam dependurados e de outras meninas e crianças, com os abraços que elas, naturalmente, dão).

estavam sob a forma de ver tucano em árvore e de ser perseguido por casais de araras. estavam na sua alegria genuína dirigindo numa estrada desconhecida.

estavam sob a forma de uma carona a um estranho. e até quando se balança a cabeça e se diz – “essa música é demais” -.

também estavam na forma de “reclamar de mentirinha” da companhia uma da outra. de levar mordida de peixe nos sinais do corpo. naquele olhar risonho que não precisava de palavra diante da sequência mc sapão e beethoven.

estavam moldadas como pedras redondinhas que ficam no fundo do rio (quando se mergulha de olhos abertos).

aquelas são as palavras com as quais não brigo, as palavras que de você eu reconheço.

as palavras estavam (até) sob a forma de silêncio.

e assim, desengasguei.

 

 

 


Créditos na imagem: Arte de Alexandra Levasseur, disponível em: https://www.kaifineart.com/alexandralevasseur

 

 

 

[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE A AUTORA” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “193”][/authorbox]

Related posts

1972, da Bahia à Minas Gerais, do Credo ao Axé: Maria Bethânia, Gilberto Gil e Clube da Esquina

Larissa Vitória Ivo
5 anos ago

Batalha das imagens e memórias no bicentenário da nação

Alexandre Fernandes Correa
5 anos ago

Depois do txaísmo

Isaías dos Anjos Borja (Xipu Puri)
2 anos ago
Sair da versão mobile