HH Magazine
Proust Suburbano

Sampa de tarde, Sampa de São Bento

Ontem, saí de casa para comer um PF no Paissandu com Adriana Cerello. Escolhi ir de metrô. Iria encontrar com ela na S. Luís, ao lado da Biblioteca Mário de Andrade, na entrada lateral.

Como escolhi descer na Estação São Bento, que já digo o motor disso, para chegar à Avenida S. Luís, passei pelo Viaduto Santa Ifigênia, cruzei a Avenida Cásper Líbero, entrei na Rua Antônio de Godoi, onde havia na minha infância a Padaria Italiana, onde ia com minha mãe comer pizza brotinho de mozzarella após irmos ao Cine Ipiranga em matinês quando em férias. Lembro que passávamos numa bomboniere  onde ela comprava marzipã para comermos durante o filme.

A rua Antônio de Godói dá no Largo do Paissandu. Não me lembrava. Então, mandei uma mensagem para Adriana, dizendo que estava onde estava. Ao que ela respondeu para que ficasse ali, pois não faria sentido encontrá-la na S. Luís. Logo ela chegaria, pois estava no Viaduto Maria Paula, estacionando seu automóvel.

Enquanto aguardava Adriana chegar, fotografei a praça, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, uma construção do século XIX que substitui a igreja demolida do século XVIII, que como diz a placa ficava em outro sítio.

Não posso falar do almoço no Paissandu, pois não houve. Faltava água no centro de São Paulo por motivos que o Senhor Governador é o responsável[1].

O que me moveu descer na Estação São Bento ontem foi quase o mesmo que no século passado, entre 78 e 82, me movia descer lá. Estudei no Colégio de São Bento. Senti-me atrasado ao subir as escadas da estação pra rua para uma das aulas do Abraão.

Venho escrevendo um conto, de uma nova série que já conta com dois textos, que são memórias do colégio. Embora em dezembro passado tenha ido à Igreja de São Bento, ao lado do Mosteiro e do Colégio, não prestei muita atenção ao Largo São Bento, nem a seus ornatos.

Fui à Missa do Galo meio Machado, meu Mário de Andrade. E não havia prestado atenção no trajeto sair de minha casa, pegar o ônibus, o metrô e descer na estação. Trajeto e estação que fiz por exatos quatro anos diariamente de segunda a sexta pelas manhãs. Então, quis fazer esse trajeto, prestando atenção.

Foi uma tentativa de reativar uma memória, foi um exercício ao mesmo tempo de aproximação e de distanciamento.

De tempo somos feitos. Pensei que poderia ser interessante para um sujeito que está a escrever memórias do colégio, mas longe de querer realismo, saudosismos, descer na estação. Quis sentir na pele algo que em minha pele não mais se abriga.

Então, fiz o trajeto como anunciei no início desta crônica. Me lembrei no vagão do trem, as cores das roupas que usava, o agasalho marrom, a blusa, a calça. E me lembrei do sono que tinha e que quase dormia de Santana à Estação São Bento.

Quando o trem chegou no destino, desci. Estava no fim, último vagão como fazia quando ia ao colégio.

A estação estava cheia demais, julguei para um sábado. Me esqueci que havia um comércio intenso lá em cima, no Viaduto Santa Ifigênia, e nas imediações da Igreja, do Mosteiro e do Colégio de São Bento.

Imaginei que aquela gente toda eram os meninos que iam para as aulas. Quase os vi, os de antes, os do século passado. Mas não era, sabemos. Sabia. Me arrepiei quase sentindo o que sentia quando ia dia a dia para escola.

Passei o bloqueio para sair da plataforma do trem. Subi a escada rolante que sempre subia. Subi a escada fixa que sempre subia nos anos 80 para ir à escola. Subi lentamente. Subi olhando para cima sabendo que visitaria o que visitaria.

Comecei por enxergar a torre da Igreja. Depois a lateral do Mosteiro e ao pé da escada, quase já no Largo de São Bento o Colégio. Tudo estava lá. E nada estava lá. Eu precisava ver aquilo. Inclusive o pátio da escola com seu portão aberto e transformado em estacionamento.

Mística desfeita? Vapor? Pó? Poeira? Nada disso. Precisava não rever nada. Precisava sentir o trajeto. E isso já sentira.

Adriana chegou. Como não pudemos comer o PF honestíssimo numa travessa do Largo do Paissandu, sugeri irmos à Praça da República, almoçar no Gato que Ri. Fomos, mas isso é assunto para outra crônica, capítulo de outro livro.

 

 

 


NOTAS:

[1] Esta crônica foi escrita quando Geraldo Alckimin era governador de São Paulo e promoveu uma das maiores crises hídricas já vistas no Estado.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Estação São Bento. Foto: Mobilidade Sampa.

 

 

 

[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “156”][/authorbox]

Related posts

Diálogos

Eduardo Sinkevisque
4 anos ago

O dia em que conversei com Cícero

Eduardo Sinkevisque
3 anos ago

Chaveiro 19

Eduardo Sinkevisque
4 anos ago
Sair da versão mobile