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Teoria, provocações e algo mais…
Teoria, provocações e algo mais

Teoria, provocações e algo mais… 

 

Eu não estou interessado

Em nenhuma teoria

Em nenhuma fantasia

Nem no algo mais

Nem em tinta pro meu rosto

Ou oba oba, ou melodia

Para acompanhar bocejos

Sonhos matinais

 

O saudoso Belchior, poeta de imaginação fértil e verve provocativa, em várias de suas canções estabeleceu diálogo, citou trechos de músicas de outras autorias, referenciou sujeitos e suas produções, operou o que na linguística foi denominado metalinguagem.

Ao iniciar com parte das trilhas deixadas pelo compositor de Alucinação, aqui estamos, em nossos sonhos matinais, a fazer uso de expediente parecido, ainda que sem a mesma riqueza melódica e poética. Não que este espaço se resuma – ainda que possa contê-los – a comentários a respeito do Belchior[1], para parafrasear mais uma de suas letras. Mas desde o início, confessamos a todos que nos leem que o nome dado a essa coluna não deixa de ser uma resposta à provocação dele, que reclamava de uma teoria pouco interessada em gente de verdade.

A ideia é que este espaço, intitulado Teoria, provocações e algo mais… possa enveredar por caminhos diversos, construir pontes, aproximar fronteiras, possibilitar encontros entre as histórias, suas teorias e historiografias com outras áreas e campos do conhecimento.

A teoria que interessa a este espaço se orientará na busca por identificar na ciência, as práticas corriqueiras e plurais de existências humanas, estas que a despeito de passageiras e fugidias, constroem sociedades, afetam as vidas no/do globo, deste asteroide pequeno que todos chamam de terra[2], o planeta água[3], marcado também por comportamentos humanos – éticos e científicos – nem sempre empáticos e sensíveis ao outro. Falar requer escuta. Que possamos trazer e fazer desta coluna um coral de vozes múltiplas que pensam e se inquietam com a História, seus rumos e possibilidades, dentro e fora da área.

Este espaço da HHMaganize foi provocado pela (re)criação do GT de Teoria da História e Historiografia no último Simpósio Nacional de História no Recife, e que é atualmente coordenado pelos professores Wagner Geminiano dos Santos (Redes Municipais de Ensino de Água Preta e São José da Coroa Grande – PE) e Luiz Carlos Bento (UFMS).

A retomada do GT foi fruto de trabalho coletivo já de alguns anos, do qual o Fórum de Teoria da História e Historiografia foi um dos grandes promotores, e que hoje vê alguns de seus esforços concretizados, como o GT já mencionado e a abertura deste espaço na HHMagazine.

A curadoria que ora se apresenta, também ela coletiva e saída daquele mesmo Fórum, tem, pois, como meta e desafio a construção e publicização de diálogos, encontros, provocações entre a História e outros campos do saber. Decidimos organizar, pois, essas produções de acordo com quatro linhas de interesse, que, preferencialmente, se revezarão a cada semana do mês:

a) escritos provocativos que dialoguem com obras recém-publicadas ou clássicas da área de Teoria e Historiografia, em diálogo um pouco mais à vontade do que aquele das resenhas tradicionais. Também podem ser pontes entre nossa área e outros produtos culturais que não apenas livros, como peças, exibições, exposições, filmes, eventos. Uma espécie de bate-bola com os autores e autoras e que não deixe de ancorar esse olhar também sobre questões atinentes ao tempo presente;

b)  debates sobre questões éticas ao ofício de fazer História: verdade, testemunho, falseabilidade, fakenews, dentre outras que o pensar historiograficamente se depare nestes tempos atuais;

c) diálogos intra e interdisciplinares. Aqui nos abrimos tanto para discutir teoria, metodologia e historiografia dentro de recortes clássicos da área (história medieval, ensino de História, patrimônio, etc.) como convidamos também colegas com trajetórias em outras áreas para nos dizerem o que eles têm feito com e demandado da História;

d) relações entre forma e conteúdo na produção de História. Que imposições a atual forma de produzir conhecimento, de se comunicar e de arquivar dados tem imposto ao métier dos historiadores e historiadoras, por exemplo?

Assim, em resumo, nos cabe provocar: que demandas o direito, a medicina, a música, os museus, a biologia, a geografia, a filosofia, as religiões, as engenheiras, os códigos e linguagens, a genética, a bioética… colocariam à comunidade historiadora? Que diálogos e fronteiriços poderiam (será que poderiam?) ser estabelecidos no que diz respeito a reinvenção das possibilidades discursivas e narrativas da história? Que saberes pouco contemplados ou silenciados no percurso de cientificação da história poderiam ser ouvidos e debatidos? Como as pautas dos movimentos e questões sociais de nosso e de outros tempos, a exemplo do ambiente, da preservação, de práticas sustentáveis, das demandas identitárias (classe, gênero, etnia, raça, orientação sexual, afetividades entre outras) poderiam produzir e promover discursos e percursos experienciais, de forma a fazer refletir sobre os desafios de (con)viver em sociedade?

 

Um preto, um pobre

Uma estudante

Uma mulher sozinha

Blue jeans e motocicletas

Pessoas cinzas normais

Garotas dentro da noite

Revólver: cheira cachorro

Os humilhados do parque

Com os seus jornais

 

Carneiros, mesa, trabalho

Meu corpo que cai do oitavo andar

E a solidão das pessoas

Dessas capitais

A violência da noite

O movimento do tráfego

Um rapaz delicado e alegre

Que canta e requebra

É demais!

 

O inventário prévio dos incômodos práticos e das vicissitudes da vida, tornados matéria poética por Belchior nos apontam direções, possibilidades. A ideia e a intenção, portanto, é tornar a coluna Teoria, provocações e algo mais… lugar de diálogos e inquietações.

 

 

 


NOTAS

[1] A referência aqui é a outra de suas canções, Comentários a respeito de John.

[2] Alusão a Kryptonia, de Zé Ramalho.

[3] Outra ponte musical, dessa vez com o Guilherme Arantes.

 

 

 

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