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As Ciências Humanas e os Desafios do Século XXI

4 motivos que provam que você é um grande conservador e não sabia

 

As disputas que acontecem na sociedade, entre esquerda e direita, por mais tensas que sejam, e por mais que se desdobrem de formas inesperadas, podem ser vistas como elementos superficiais, já que mantém por debaixo do pano um certo acordo implícito, o que podemos chamar de conservadorismo ontológico. Esse tipo de conservadorismo sugerido por mim não é aquele epistemológico, o das redes sociais e da tv, ou seja, aquele reflexo de interpretações de mundo, conceitos, ideias, palavras e crenças. A versão ontológica, por outro lado, diz respeito a um tipo de pacto elementar, constituinte, além de ser pré-reflexivo. Isso significa basicamente que todos, não importa quem seja, acabam fazendo parte desse tipo de acordo cotidiano, mesmo que não percebam, mesmo que não queiram. Podemos chamar esse pacto também de conservadorismo fenomenológico, envolvendo um contato bem espontâneo e irreflexivo com o mundo ao redor. Não acredita em mim? Ok… então vamos aos exemplos:

Nesse cenário de conservadorismo ontológico, quem seria o sujeito revolucionário? Existe alguém capaz de ultrapassar esses limites de conveniência? Felizmente, a resposta é sim. Segundo Nietzsche, e sua genealogia poderosa, dois tipos de pessoas são capazes de revolucionar o conservadorismo ontológico. A primeira é o ARTISTA, que com sua rebeldia consegue implantar novos e estranhos tipos de gramática. Beckett, por exemplo, escreveu uma peça chamada “Esperando Godot” em 1949, com uma estreia tumultuada feita em 1952. Na peça, a linguagem dos personagens (Estragon e Vladimir) beira o absurdo, a pura incoerência, mas que se torna genial na atmosfera da obra, principalmente por conta do próprio significado da “espera pelo tal de Godot”. Ou seja, uma linguagem que seria vista como “estranha” por bolsonaristas e lulistas, ou por qualquer indivíduo “normal”, passa a ser ressignificada pelos contornos da arte. Ao artista é permitido, de fato, revolucionar. Não estamos falando aqui de uma simples rebeldia superficial, mas de uma mudança nos próprios alicerces da realidade.

O segundo grupo de revolucionários, de acordo com Nietzsche, não passeia pelas galerias de arte, ou pelas salas de teatro e cinema, mas circulam por sessões de terapia e consultórios psiquiátricos. A loucura é a outra face revolucionária, embora trazendo muito mais custos ao corpo daquele que “escolhe” esse caminho. O louco é o artista no limite, é alguém capaz de criar a própria gramática, a própria linguagem, chegando ao ponto da extrema criatividade. Segundo Nietzsche, o louco sofre não porque é louco, mas porque é criativo demais, porque inventou suas próprias ferramentas simbólicas, além de sua própria corporeidade. Esse gesto, no mundo em que vivemos, seja ele de esquerda ou de direita, seja ele no governo Bolsonaro ou Lula, é um gesto completamente intolerável.

Quando lidamos com o conservadorismo ontológico, percebemos que o revolucionário não passeia mais por grupos de resistência, centros acadêmicos, sindicatos, mas por museus, exibições, assim como por centros de tratamento psicológico e psiquiátrico. O revolucionário é aquele que compromete o alicerce mais sólido que sustenta os bastidores do próprio mundo, comprometendo aquilo que Giddens chamou de segurança ontológica. Com exceção de artistas e loucos, todos acabam se dando as mãos em um pacto implícito, hipócrita e conservador sobre as regras de funcionamento da realidade.

 

 

 


Créditos na imagem: James Gillray – A Peep into the Cave of Jacobinism, or Magna est Veritas et praevalebit (1798)

 

 

 


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