Arquipélago, de Demétrio Panarotto, com ilustrações de Pati Pecchin (Selo Patifaria, 2018), é um livro que dá nas vistas. É uma enargeia, uma evidentia. Pode ser poesia como pintura. Pode ser pintura como poesia. No quiasma, é ut pictura poesis, numa espécie de sobrevivência horaciana. Não deixa de ter, aos olhos de quem vê, a referência à essa tópica da Arte Poética de Horácio. Diz o autor da Epistola aos Pisões que a poesia é como pintura: “como a pintura, a poesia: haverá aquela que, se estiveres mais perto, te moverá mais, e outra, se estiveres mais longe; esta ama o obscuro, quer esta sob a luz ser vista, do juiz esta não teme o arguto juízo; esta agradou uma vez, esta dez vezes repetida agradará” (Arte Poética, vs. 361-365).
Arquipélago é também livro de um morador de uma ilha, ilustrado por uma também moradora da mesma ilha.
Mais do que morador de um acidente geográfico, o autor do livro é morador das ilhas da linguagem, das rimas, das presilhas. Dobras de poesia que se dobram e se desdobram a cada virada de página. A cada agrupamento de palavras, de desenhos, de seus coloridos de Arquipélago.
Compõem a parte escrita do livro pequenos poemas em sequência, que correm juntos com (que correm ao lado de) desenhos figurativos e de cores. Feitos para serem vistos, saltam às vistas, saídos das vistas do poeta e da desenhista.
A maioria dos poemas são quartetos (nove no total), exceto o poema final, uma sextilha. Vale dizer que qualquer que seja o número de versos ou linhas dos poemas, eles ocupam menos espaço nas páginas, sendo dispostos de modo a permitir maior destaque às ilustrações, sendo que o livro é formado quase que na totalidade por ilustrações que estouram, sem margem, as manchas das páginas sem numeração. Isso faz da narrativa uma narrativa verbo-visual.
Essa disposição desenho / poema escrito permite uma ampliação no ato de ver / ler. Permite uma espécie de ventilação, de iluminação, de luz mesmo.
A ideia de um conjunto de ilhas faz proliferar pelas páginas os poemas como que se eles flutuassem em mar gráfico.
Cada poema, uma ilha. Cada poema emergindo de um núcleo comum, como se fosse o radical da palavra ou os radicais das palavras núcleos dos poemas. O sufixo ilha subvertida a radical. Ou núcleo como defendo ser.
Não se trata, pois, de um mero recurso palavra-puxa-palavra, ou do uso apenas da palavra-valise ou da palavra-ônibus. Trata-se de fazer flutuar em mar de linguagem a poesia para ser vista e lida, no limite, ouvida.
Assim, tem-se guerrilha, presilha, palmilha. Mas também armadilha, maravilha. Para ficar apenas com esses exemplos.
O olhar carrega os outros sentidos. E é do olhar de uma menina e da luz dele que tudo inicia em Arquipélago. Animais, plantas, guloseimas, tênis, sapatos. Coisas e seres que vão sendo figurados e transfigurados, construídos e destruídos nas colagens.
Talvez o maior mérito do livro de Demétrio Panarotto seja concentrar em poemas breves a imensidão do mar e de algumas de suas ilhas. O macro contido no micro.
Talvez seja a criação de um universo, uma oceanogonia de meninos, entendido aqui meninos e meninas, e menines.
A disposição variada dos quartetos e, por fim, da sextilha, nas páginas, levam o olhar do leitor para onde o poeta e a artista plástica querem. Ou seja, para onde Demétrio Panarotto e Pati Peccin querem. Peixes, barcos, alados, navegáveis.
Certamente, o maior mérito da poesia como pintura e da pintura (colagem) como poesia em Arquipélago seja a fantasia constante. O navegar, e o convite a navegar por essas ilhas.
Créditos na imagem: “Archipelag”, de Jacek Yerka. Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/619245017488922663/
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