Por quais motivos um operário passa mais de duas horas no transporte público até o trabalho enquanto outro trabalhador sobrevoa a Avenida Paulista para chegar até seu escritório em quinze minutos? Por que uma pessoa passa noite dormindo na calçada enquanto um prédio do outro lado da rua possui quinze apartamentos vazios para aluguel e venda? Questões como essas provocam variadas tentativas de explicação, e talvez deveriam ser colocadas no debate público a respeito de nossos problemas sociais, sobretudo quando existe o risco de nos acostumarmos com a desigualdade social.
Segundo o relatório publicado em 2017 pela organização Oxfam Brasil, seis brasileiros têm uma riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres do país. Há outros dados alarmantes, como o fato de que uma mulher trabalhadora que recebe um salário mínimo mensal levará dezenove anos para conseguir receber o equivalente ao que um super-rico recebe em um único mês. Agora pensemos como podem reagir, diante desses dados, adolescentes dos anos finais do Ensino Fundamental de uma escola da periferia da cidade de São Paulo.
O que acontece quando esses dados a respeito de nossa desigualdade social não causam mais revolta ou indignação? O que impressiona é justamente o efeito contrário, quando o raciocínio meritocrático legitima esses dados como diferenças naturais em qualquer sociedade. Um aluno uma vez respondeu: o trabalhador que vai de helicóptero se esforçou mais do que o que enfrenta duas horas de ônibus no trânsito lento. Outro jovem complementou: quem dorme debaixo de um teto certamente fez por merecer isso…
Que mecanismos e que discursos sociais fazem com que adolescentes da periferia de uma grande cidade não percebam os impactos da desigualdade social? Que representações sociais contribuem para o apagamento das diferenças? O que se pode argumentar a esses jovens é: será que cada pessoa reúne em si todos os meios e potências necessárias para transformar a própria vida – do trânsito engarrafado ao helicóptero? E não é no mínimo estranho que os grupos sociais mais afetados pela desigualdade acabem reproduzindo discursos de que o mundo é assim mesmo ?
A escola, assim como outros espaços sociais, pode aprofundar a discussão sobre o que é uma vida boa ou o que é qualidade de vida, no sentido de desnaturalizar as desigualdades sociais que habitam os cenários de nossa existência. E quando a luta pela sobrevivência é simplificada na ideia do cada um por si e de acordo com suas capacidades, os laços sociais e comunitários acabam enfraquecidos, a juventude pode deixar de enxergar o seu papel como responsável pela promoção de justiça social. E a pessoa dormindo debaixo de ponte continua a ser parte natural do cenário de nossas cidades.
*Para fazer o download do relatório da Oxfam Brasil, acesse: https://www.oxfam.org.br/a-distancia-que-nos-une
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Doan Ricardo Cruz
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História da Historiografia: International
Journal of Theory and History of Historiography
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