O samba realmente é uma escola onde muito se aprende. Os professores estão por todos os lados, é preciso apenas saber ouvir. Assim, quando menos esperamos, de um bate papo informal surge uma aula. Aula sobre a história do samba e seus baluartes, sobre a história das comunidades, aula de filosofia, de vida e de bar – “samba é filosofia, fidalguia do salão” como diz o samba Nascente da Paz de Sombrinha e Adilson Victor -, aula nos seus mais diversos aspectos. Quem, humildemente, chega numa escola de samba disposto a aprender, aprende. Certo estava Ismael Silva quando nomeou essa nossa amada instituição cultural de Escola de Samba. E se tem uma agremiação que honra e muito esse título é o Império Serrano: Uma escola de samba.
Não faz muito tempo eu estava com a minha namorada na quadra de ensaios do reizinho de Madureira. Frequento o Império há muitos anos. Cheguei lá em 2004, com 15 anos de idade. Desfilei em ala da comunidade e no ano seguinte já estava com meu tamborim na sinfônica do samba, como é conhecida a bateria do Império. Nesse dia acabei encontrando um grande amigo dessa época. Hamilton, amizade da Serrinha, minha e da minha família também – Alô, Hamilton! É sempre uma grande festa encontrarmos antigas amizades no samba. Como de costume já abrimos umas cervejas, sambamos e cantamos sambas antigos do reizinho, e o papo fluiu. Hamilton começou a nos contar histórias suas com o Império Serrano, seu primeiro desfile na ala baleiro bala – desfilou na ala das crianças jogando balas para o público no ano do enredo “Zaquia Jorge, a vedete do subúrbio, estrela de Madureira” – e muitas outras histórias do mundo do samba.
Entre um gole e outro, um samba e outro, eu apurava os meus ouvidos ciente de que aquilo era uma aula. Apesar do nível alcoólico um tanto alto, eu me mantinha um aluno atencioso, sempre com uma pergunta a fazer e um desejo de aprender. Percebendo minha sede de história do Império Serrano, e talvez até querendo dar um tempo da “aula” pra voltar a curtir o samba e tomar sua gelada, o Hamilton me diz: “Quer saber tudo de Império Serrano? Vou te apresentar uma pessoa. Cola com ele que tu vai aprender!” O sorriso que pulou dos meus lábios já foi a resposta que ele esperava. Daí em diante ele começou a fazer sinais com o braço chamando alguém que estava do outro lado da quadra. Quando a pessoa se aproximou ele me puxou pelo braço e já saiu falando: “Priminho, esse aqui é o Tadeu, ele quer saber de Império Serrano, Império do Futuro, eu disse a ele que isso é tudo contigo. Fala com ele aí!”. Me jogou nos braços do cara! Fiquei meio sem jeito, não conhecia bem o Priminho, conhecia apenas de nome e sabia que descendia da alta nobreza imperiana. Fui pego de surpresa. Fiquei um tanto nervoso também. Mas não havia motivo pra isso, fui descobrindo logo em seguida. Priminho é uma pessoa super atenciosa e gentil e de pronto se dispôs a me contar histórias do Império Serrano. Creio que ali já nasceu uma amizade muito respeitosa e sincera entre nós.
Priminho pra mim é uma das joias da coroa imperial e merece ser reconhecido como tal. Priminho, como já disse, descende da mais alta nobreza imperiana. É um nobre Negro Serrano, um filho de Xangô, e se orgulha muito disso. E é mesmo motivo de orgulho. Nesse citado dia que nos encontramos na quadra do Império, ele gentilmente, me passou seus contatos e a partir daí começamos a nos falar melhor, a conversar sobre sua história e de sua nobre família, sobre o reizinho de Madureira e tudo mais. Quanta generosidade! Sempre muito atencioso e gentil.
Mas vamos lá. O que eu quero, com esse pequeno texto, é que saibam que dentro de uma escola de samba existem muitos professores, muitos griôs, tem muita raiz. Raiz forte e profunda. Priminho é um deles. Conhecê-lo foi uma enorme felicidade que compartilho aqui para que mais pessoas, principalmente os imperianos, conheçam essa figura do nosso Império Serrano. Sem dúvida ele é raiz.
Waldemir dos Santos Lima, o nosso Priminho, gosta de se apresentar como um negro, um afrodescendente, nascido no morro da Serrinha, em Madureira – que em suas palavras é um dos maiores corredores culturais do Rio de Janeiro, pra mim, do Brasil, do mundo. Salve a Serrinha! -, e que não teve a oportunidade de escolher nem religião nem escola de samba: Já nasceu imperiano e espírita. Priminho nasceu em 1957, num domingo de Carnaval pelas mãos de ninguém mais, ninguém menos que Vovó Maria Joana rezadeira: jongueira, parteira, matriarca da Serrinha e do Império Serrano, mãe do samba e mãe de santo da Tenda Espírita Cabana de Xangô.
Filho de Walter Francisco Lima e Iraci Cardoso dos Santos, a atual matriarca da Serrinha, a querida tia Ira, primeira filha de santo de Vovó Maria Joana e herdeira do seu legado espiritual. Formando em Direito pela Universidade Gama Filho, pós-graduado em Direito do Consumidor pela PUC-RJ e em Serviço Social por essa mesma Universidade, Priminho orgulha-se das suas raízes, da sua história.
O Apelido priminho vem da infância. Quando ele nasceu, uma prima sua, Ceci, dois anos mais velha – moravam praticamente juntos – teve um pouco de ciúme do mais novo integrante da família. Para contornar a situação, a família começou a conversar com ela dizendo que ele era o priminho, pedindo pra dar atenção e cuidar bem do priminho e coisas do tipo. Com isso, desde essa época, ficou o apelido priminho.
Conta orgulhoso que seu avô materno, Augusto Cardoso dos Santos, com quem viveu até os 19 anos, foi um dos fundadores do Império Serrano, sendo, segundo ele, o sócio fundador n. 6 e o primeiro presidente do Conselho Fiscal. Seu Augusto era amigo íntimo de Eloy Antero Dias, o Mano Eloy, como era conhecido. Quando solteiro, antes de se mudar pra Serrinha, morou em Mangueira, no morro dos Telégrafos, dividindo quarto com Mano Eloy, e eles eram donos de várias tendinhas no morro de Mangueira. Priminho conta que conheceu muita gente da geração inaugural do samba por conta do seu avô, o Seu Augusto, que além de ser amigo do Mano Eloy, conhecia todos os sambistas da época e chegou a tocar cavaquinho de 5 cordas com Pixinguinha, Mano Eloy e sua turma, na velha e malandra Lapa. Além de ter sido amigo do pai do Mano Décio da Viola. Imaginem o quanto ele aprendeu nesses 19 anos de convivência com Seu Augusto Cardoso dos Santos!
Como já mencionei, Priminho é filho de Iraci Cardoso dos Santos, a tia Ira. Tia Ira é a atual matriarca da Serrinha, é a rezadeira da comunidade. Foi a primeira filha de santo de Vovó Maria Joana e é herdeira de seu legado espiritual. Vovó Maria Joana era comadre de seu avô Augusto. E pra quem não sabe, Vovó Maria Joana também foi a mãe de santo da cantora Clara Nunes, com quem tia Ira conviveu durante os encontros religiosos na casa de Vovó Maria.
Já seu pai, Walter Francisco Lima, veio do “outro lado” de Madureira, mais precisamente de Oswaldo Cruz. Portelense. Era amigo de infância do Casquinha da Portela. Ele me disse que seu pai foi um dos maiores a sambar o miudinho e sambava com elegância e maestria. Ao se casar com sua mãe, a tia Ira, foi morar na Serrinha.
Continua.
Priminho é sobrinho de Arandir Cardoso dos Santos, o Careca. Uma das grandes figuras do Império Serrano. Careca foi um dos pelés do samba e um dos fundadores da Ala Sente o Drama, primeira ala coreografada, de passo marcado, do carnaval carioca e que fez história na folia. E foi nessa ala que o Priminho estreou no carnaval, em 1965 – Os cinco bailes da história do Rio – com oito anos de idade, se tornando um mascote. De acordo com ele, outras personalidades também estrearam no Império com oito anos. Priminho conta que Antônio Cababa, filho de João Gradim, 1º presidente do Império, também desfilou pela primeira vez aos oito anos. E também seu tio Careca e Jorginho do Império, filho do Mano Décio, desfilaram pela primeira vez com oito anos de idade, na Ala dos Periquitos.
E por falar no seu tio Careca, é importante ressaltar a grande contribuição que o Priminho teve, junto ao seu tio, na fundação do Império do Futuro, primeira escola de samba mirim da história. Com isso, ele é um dos principais nomes do GRCESM Império do Futuro, a pioneira.
Já imaginaram a quantidade de coisas que o Priminho tem para nos ensinar, o tanto que podemos aprender com ele? Que a gente não perca nunca a capacidade de ouvir com atenção os mais velhos, para que as histórias não se percam no tempo. Além de saber, ele vivenciou e vivencia muita coisa no samba e no Império Serrano. Assim como ele, existem outras pessoas, que carregam esses saberes, em todas as comunidades de suas respectivas escolas de samba. É preciso ouvi-las! Aprender com elas! As escolas de samba precisam se voltar para o seu povo, para suas raízes. Conhecer o passado para traçar o futuro. Cuidar da raiz para que a frondosa árvore do samba não tombe jamais. Uma raiz forte e saudável garante o crescimento da árvore, bem como bons frutos.
Esse é o Priminho da Serrinha, do Império Serrano. Um mestre, professor. Um griô. Continue nos ensinando, Priminho! Viva o seu saber! Que a Serrinha, assim como o primeiro enredo do Império do Futuro, seja sempre fiel às suas origens!
Saudações imperianas!
Créditos na imagem: Divulgação. http://memoria.oglobo.globo.com/fotos/escolas-de-samba-9429317
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Tadeu Goes
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História da Historiografia: International
Journal of Theory and History of Historiography
ISSN: 1983-9928
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A1 História / A2 Filosofia
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Bravo 👏👏👏
Linda história! Eu conheço uma parte, tenho uma grande amiga na serrinha. Ela tem 90 anos. Outras
Duas são do jongo, Delí,e Andreia, vc conhece? Amo ouvir histórias antigas! Parabéns, filho! Um cheiro!
Linda historia. Grande homenagem. Tive a honrra de aprender um pouco de samba com o priminho e tio careca..fui passista do imperio do futuro.. e conheço bem a historia a qual vc narrou.parabens !!! Tadeu goes,,