As temáticas, problemas e questões relacionados à raça, racismo e anti-racismo mobilizam cada vez mais a atenção dos/as historiadores/as, em especial, depois das políticas de cotas. Neste processo, nós professores temos mais aprendido com nossos/nossas alunas do que o contrário. Eu mesmo tive a honra de orientar a tese – publicada em livro pela editora Malê – de Felipe Alves Oliveira denomina Nosso Imperativo Histórico é a Luta: intelectuais negros/as insurgentes e a questão da democracia racial em São Paulo (1945-1964). E atualmente oriento outra tese preste a ser defendida sobre os conceitos de Raça e Democracia Racial no Brasil, de Renan Siqueira. É inserido neste contexto que devemos saudar a publicação coordenada pela professora Lizette Jaciento da Benemérita Universidad de Puebla. 

 

Racismo, cuerpo y violencia en América Latina, organização de Lizette Jacinto Montes BUAP / Ediciones del Lirio, 2019.

Outro razão é que a obra articula, no espaço latino americano, as relações entre Racismo, corpo e violência, de maneira precisa e orgânica. O livro nos possibilita navegar no atual estado da arte sobre as temáticas na América Latina. A obra apresenta 16 contribuições e é divida em três seções a partir dos conceitos chave elencados no título. A maior parte dos trabalhos está restrita aos espaços nacionais, ainda sim, o leitor pode estabelecer relações transnacionais e conexões a partir da sua experiência da leitura sobre as seguintes comunidades nacionais: Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica e, sobretudo, México. Nesse sentido, a maioria dos estudos nos ajuda a pensar um tipo de racismo pouco estudado no Brasil: o racismo direcionado aos povos originários.

O resultado exitoso da publicação vincula-se às escolhas teóricas da coordenadora do projeto, visível já na introdução, quando a mesma articula a tríade de conceitos que dá título ao livro “como uma unidade”, ou seja, como um “fio condutor”, a partir do foco localizado na construção dos estados nacionais latino-americano até os dias atuais. A tese – e o argumento desenvolvido de múltiplas formas ao longo da obra – é de que o conceito de racismo é intrínseco ao projeto da modernidade desde a conquista e colonização; e, ao mesmo tempo, relacionado ao diagnóstico de que o racismo se apresenta como um dos problemas estruturais do nosso tempo: “sua permanência proporcionou a confrontação, perseguição, exclusão e aniquilamento daqueles que não pertencem a certos fenótipos, etnia, comunidade e linguagem” (p. 10).  

Racismo, corpo e violência destaca a singularidade latino-americana no que se refere à presença estrutural e de longa duração do racismo contra indígenas e afrodescendentes entre nós. Na medida em que os indígenas e os afrodescendentes foram fundamentais para os brancos criarem distinções para consolidarem projetos de poder neste lado do mundo. As distintas abordagens são unânimes em se posicionar contra essa postura e contra esse “passado que não passa” a partir da defesa do reconhecimento do “outro” e do ideal de igualdade na diferença.

Assim, o corpo enquanto capacidade de ação, transformação e resistência é pensado como uma das “pontes” para refletirmos sobre os fenômenos da violência e do racismo, já que o discurso a respeito da inferioridade biológica e cultural é um dos mecanismos centrais de controle e estigma que procura deslegitimar a violência. Diante dessas premissas os textos versam sobre os seguintes temas: racismo (e as lógicas próprias de inferioriorização e humilhações) para com indígenas, mulheres e imigrantes; racismo, identidade nacional e violência; violência, gênero e direitos humanos. 

Do ponto de vista da crítica construtiva, poderíamos dizer que chama a atenção ao leitor brasileiro três aspectos que vem sendo muito discutidos entre nós, a saber: 1) maior reflexão sobre a questão do racismo em relação ao povo negro (pretos e pardos); 2) discussão do já consolidado conceito de interseccionalidade, em especial, dos trabalhos de Angela Davis; 3) algum tipo de discussão sobre a articulação entre racismo, violência e eurocentrismo. 

Mas, apesar destas “lacunas” (como leitores sempre lemos um livro a partir de nosso lugar e de nossas referências), podemos afirmar que o objetivo principal da obra é alcançado com muito êxito, pois ela reflete sobre os limites e possibilidades de uma historicidade efetivamente democrática em “Nuestra América”. Afinal, como aponta Lizette Jacinto, a relação entre raça, corpo e violência devem ser pensadas dentro de contextos de extrema desigualdade e disputas entre “os de abaixo” e “as elites” que “seguem arrebentando-se no espaço do corpo em disputa” (p. 270).

 

 

 


REFERÊNCIAS

JACINTO MONTES, Lizette. (Org.). Racismo, cuerpo y violencia en América Latina. 1ed.Puebla: BUAP / Ediciones del Lirio, 2019.

 

 

 


Crédito na imagem: Reprodução. Manifestantes fazem ato contra governo, racismo e pela defesa de índios em Manaus — Foto: Rebeca Beatriz/G1.

 

 

 

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