Das Temáticas Indígenas à Resistência no Ensino de História: Uma Entrevista com Helena Azevedo Paulo de Almeida

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A nossa entrevistada de hoje é uma historiadora intimamente comprometida com as demandas historiográficas da atualidade. Se interessa pela história Ética e Política, pela representação da história indígena, pela história da sexualidade, e é claro, pelo Ensino de História. O enfrentamento dos desafios inerentes ao historiador e ao professor aparece sempre em sua pesquisa e trajetória. Hoje iremos conhecer a história que a Helena ensina.

Helena Azevedo Paulo de Almeida é bacharel, licenciada e mestra em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Atualmente é doutoranda pela mesma instituição. É pesquisadora integrante do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM/UFOP), do Grupo de Pesquisa em História Ética e Política (GHEP/NEHM/UFOP), do Laboratório de Ensino de História (LEHIS/UFOP) e do Laboratório e Grupo de Estudos de História Política e das Ideias, da Universidade do Espírito Santo (LEHPI/UFES), onde desenvolve pesquisa em História da Educação, História do Ensino de História, e Ensino de História Indígena. Desenvolveu pesquisas nas áreas de história da educação, história da sexualidade, arqueologia, educação a distância (EaD), educação patrimonial, história do Brasil colonial, história do Brasil imperial, história do Brasil republicano, ensino de história e temáticas indígenas. Tem experiência na área de História, Etno-histórica, ensino de História Indígena e arquivologia. Trabalhou no museu de Arqueologia e Etnologia Americana (MAEA/UFJF), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no Arquivo da Casa Setecentista de Mariana, sediado no Escritório técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e mais recentemente na Universidade Federal de Ouro Preto como professora substituta, pelo departamento de História e como professora no Centro de Educação a Distância (CEAD-UFOP).

 

Ana – Boa noite, muito obrigada por ter aceitado o convite para esta entrevista, é um prazer conversar com você. A coluna é de Ensino de História e não poderíamos deixar de observar que o Ensino faz parte da sua vida acadêmica há alguns anos. Não apenas o Ensino de História, mas também as temáticas Indígenas concernentes a ele. Como esse tema de pesquisa tão necessário e importante à historiografia ganhou espaço na sua trajetória?

 

Helena: Eu que agradeço o convite, Ana! Fico honrada e muito feliz em conversar com você. Bom, durante minha graduação eu tive a oportunidade de me envolver com muitas pesquisas diferentes, e isso expandiu o meu horizonte de percepção do mundo. Eu entrei no curso de história interessada em arqueologia, então mais ou menos no meio do curso eu tive a oportunidade de participar de um grupo de pesquisas arqueológicas, com uma professora da Museologia. Foi muito gratificante, aprendi muito durante o 1 ano que estive envolvida, principalmente sobre os indígenas pré-cabralinos. E isso me despertou para a trajetória do indígena na História do Brasil. Até o fim da graduação pesquisei o indígena no período Colonial. Já no mestrado me dediquei à pesquisa dos indígenas no período Imperial e de Primeira República do Brasil, e sigo agora no doutorado com o mesmo recorte temporal, apesar de ter modificado um pouco minhas fontes.

 

Ana – Ainda no que se refere às temáticas Indígenas na História, e com a atenção voltada um pouco mais para a sua pesquisa de doutorado, quais as suas impressões sobre a produção histórica acerca dos indígenas? Como estes sujeitos foram enxergados pelos historiadores?

 

Helena: A meu ver, as pesquisas sobre os indígenas na História se desenvolveram bastante nos últimos anos, principalmente após a lei 11.645, de 2008, que torna o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena, obrigatório. E como esse é o meu período de formação, eu venho de um espaço temporal privilegiado, que volta a atenção da própria academia para isso. Mas é um processo… tem melhorado, mas em muitos âmbitos ainda muito timidamente. No início das minhas pesquisas, foi mais difícil encontrar interesse no tema, por parte da Academia. Muitas vezes me perguntaram: “por que você pesquisa indígenas?”. Mas tive sorte em ter professores que realmente me orientaram! Me indicaram caminhos e textos fundamentais para sanar uma falha estrutural na minha formação, já que não tive nenhuma disciplina que trabalhasse especificamente com o tema. Tive disciplinas que trabalharam com a temática de forma transversal, no meio de vários outros conteúdos. E isso simplesmente, não é suficiente.

 

Ana – Para além do caminho trilhado na pesquisa, destacamos a sua atuação na sala de aula. Você já trabalhou como professora substituta pelo departamento de História na Universidade Federal de Ouro Preto, e também como professora no Centro de Educação a Distância da mesma instituição. Você pode nos falar um pouco sobre ambas as experiências?

 

Helena: Foram as melhores experiências docentes da minha vida até agora! A experiência na Universidade Federal é algo de outro mundo, principalmente por conta do contato com múltiplas experiências de vida. Ter alunos de cada canto do país, com saberes diferentes é extremamente enriquecedor para o professor, de forma geral. E isso é intensificado pela EaD. Eu tive a oportunidade de ter alunos do Acre, sendo que é um estado que eu nunca tive a oportunidade de conhecer! Foi uma experiência para lembrar sempre de estar aberta ao novo, e a ter humildade intelectual, que é fundamental para ser um bom profissional. Mas neste momento de quarentena, é importante destacar que a EaD não substitui a aula presencial. São formas e métodos diferentes, e ambos têm seus limites. Enquanto a aula presencial tem o contato direto com o aluno, e nada o substitui, a EaD torna acessível cursos que em outras situações não poderiam ser cursados pelos alunos. Como foi o caso desse meu aluno no Acre, que só teria acesso a um curso de especialização viajando 8 horas até a próxima cidade.

 

Ana – Tendo em vista a sua experiência com o Ensino, e também com a produção historiográfica inerente a História Indígena, perguntamos: Como você trabalha a História Indígena em sala de aula? Ou seja, a quais fontes, problemas e bibliografias, o professor de História deve se voltar ao tematizar os estudos indígenas com os alunos?

 

Helena: Isso vai depender muito de qual faixa etária o professor for trabalhar. Eu já dei aula para o ensino fundamental, e tive MUITOS problemas em levar imagens de pessoas nuas. Os pais e a escola não aprovaram, e isso porque usei uma imagem do Debret. Mas acho que um problema que deve ser encarado junto aos alunos, independentemente da idade, é a questão da generalização. Nós, eu e você também, não temos uma formação adequada para trabalhar essa temática, e precisamos nos atentar aos preconceitos e racismos múltiplos que a envolvem. Neste sentido, partir dos estereótipos que todos nós carregamos, enquanto pertencentes a uma sociedade estruturalmente racista, tem me oferecido debates muito proveitosos em sala. É a partir destes preconceitos que se coloca o aluno a repensar suas próprias atitudes frente a uma reportagem atual sobre indígenas, por exemplo, possibilitando reinterpretar as manchetes que giram em torno da temática.

 

Ana –Ensino de temática indígena através da literatura”, esse é o título de um dos projetos que você integra na atualidade. Confesso que esse tema me chamou muito a atenção, principalmente porque a nossa compreensão de Ensino de História agrega ensino, enfretamentos e lutas, experiência, música e literatura. Sendo assim, eu te peço para falar um pouco sobre este título e assunto. Quais as suas impressões acerca da temática indígena através da literatura?

 

Helena: Primeiro eu acho importante pensar a literatura de uma forma que se amplie para filmes, seriados, peças de teatro, enfim, adaptações em geral que acontecem de obras literárias para outras mídias. Dessa forma, é possível pensar a partir da ideia de produção cultural e mais especificamente, a partir do conceito de “cultura histórica”. Isso é fundamental pois não aprendemos história apenas na escola, ou pelo livro didático. Estamos sendo sempre bombardeados de informações culturais de inúmeras fontes. Isso não acontece só em nossa contemporaneidade, mas é sim mais intenso no momento. Então pensar como a presença indígena é traduzida nessas mídias é também tentar entender como esse conhecimento histórico é mobilizado para o seu público, e nele estão os alunos. E as minhas impressões sobre a temática indígena na literatura são muitas (risos)! Mas eu consigo resumir em uma palavra, que foi fundamental na minha dissertação de mestrado: tensão! Eu percebo uma constante tensão da presença indígena na literatura, mas também na história e no mundo. Primeiro porque a presença indígena na literatura é ora valorizada, ora atacada. Se lemos Monteiro Lobato, o indígena aparece em “Aventuras de Hans Staden” como o canibal, de forma bem depreciadora. Se lemos “As Aventuras de Tibicuera”, do Érico Veríssimo, vemos uma valorização importante. Além disso, a própria presença indígena tensiona a sociedade. Pode nos fazer pensar sobre o mundo que vivemos e suas consequências, ou no mundo que queremos. Então creio que “tensão” é uma boa palavra para resumir.

 

Ana – Helena, para além das demandas e do enfrentamento da tradição historiográfica inerente a produção da História Indígena, imagino que a sua trajetória também tenha sido marcada por outras lutas. Você é uma mulher, e suponho que tenha se deparado com o machismo e com as lutas de gênero no interior da academia.Nesse sentido, você pode falar um pouco sobre o seu caminho até aqui? Sobre as conquistas, e sobre os problemas que ainda são latentes em nosso meio de trabalho?

 

Helena: Nossa, esse é um assunto urgente mesmo! Há machismos múltiplos na academia, não pode haver espaço para dúvidas sobre isso. E isso é um problema estrutural. Veja bem, quantas professoras mulheres você teve na graduação? Com certeza mais do que eu, porque tivemos adições ao departamento de história ao longo dos anos. Por que não há tantas mulheres quanto homens nas bibliografias utilizadas nas disciplinas? Por pelo menos dois motivos principais: o primeiro é que não entendemos, desde muito cedo, que cada autor vem de um lugar de fala, ele não é “neutro”. Então se fazemos a manutenção de uma produção de conhecimento essencialmente masculino, branco, heteressexual, também fazemos a manutenção da sociedade patriarcal e machista. Segundo, e isso vem muito em consequência do primeiro motivo: é mais difícil encontrarmos mulheres seguindo as carreiras acadêmicas do que homens (me pergunto se tem a ver com um maior número de mulheres como professoras no ensino básico, em detrimento do ensino superior). Mais difícil de seguir por INÚMEROS motivos, a começar pelo acesso à educação, seguido pela escolha de carreira, concursos: se a sociedade é machista e patriarcal, todas estas escolhas serão deliberadas por quem? É claro, isso tudo vai diferir a partir das áreas e das instituições (nas ciências exatas isso fica bem mais evidente, porque desde o início da trajetória escolar existe um modelo tácito: ciências humanas para mulheres, ciências exatas para homens). Tantas meninas hoje ainda são criadas para casar! Enquanto os meninos são educados para escolher suas carreiras… E isso se estende para a vida adulta! Me perdoe a franqueza e a irritabilidade, mas é surreal pra mim perceber que além de machismo existem ainda casos de assédio em ambientes de trabalho, e aqui eu não falo só da academia não. Mas vou tentar me conter sobre tudo o que teria a dizer sobre isso, afinal eu sou feminista, para falar que ser mulher na academia é ter que lidar com uma constante demonstração de aptidão, com mansplaining, com o carinha te interrompendo para falar EXATAMENTE a mesma coisa que você estava falando! Assim, eu sou privilegiada, meu contato com meus orientadores nunca permeou essas situações. Eu tive a oportunidade de ter contato com mulheres fortes e exemplos pessoais e profissionais ao longo da minha vida, dentro e fora da academia. Isso é fundamental, porque representatividade importa. Mas temos um caminho constante a percorrer. Dentro da literatura feminista é um consenso, apesar da pluralidade de mulheres e pensamentos (que é essencial), pensar o seguinte: nossas conquistas de direitos são frágeis, porque a estrutural social continua e continuará querendo nos silenciar. Em momentos extremos, como o que vivenciamos agora, tudo isso se torna mais evidente. [Juro que tentei resumir o máximo!] 😉

 

Ana – Bom, agora eu vou te fazer a pergunta curinga desta entrevista, tenho feito esta pergunta a todos os entrevistados. Esta entrevista está sendo feita em um período de pandemia, e, provavelmente será postada no portal HH Magazine em dois ou três meses. Diante disso, quais são as suas expectativas para esse futuro próximo? E sobretudo, quais são as suas expectativas para o futuro do Ensino de História nas escolas e nas Universidades daqui para frente? Você acredita em alguma mudança significativa no ensino, ou até mesmo em alguma mudança temporal?

 

Helena: Você diz minhas expectativas profissionais, né? Bom, eu sempre encarei o futuro com baixa expectativa. Eu sei que isso é um tanto melancólico ou até mesmo pessimista, mas deu certo pra que eu pudesse me preparar para o pior. E a nossa realidade é que estamos vivendo uma situação deplorável. Enquanto professores e historiadores, isso já estava rolando a um tempo, antes da pandemia. São ataques constantes à educação, básica e superior; ataques aos historiadores (veja o recém veto do atual presidente, em relação à regulamentação da nossa profissão); ataques às ciências e à intelectualidade de uma forma geral. Este governo considerou, e deve considerar ainda, a EaD para ensino básico… já imaginou o caos? Eu tento pensar o seguinte, considerando a minha geração, educada em um momento privilegiado no que tange a educação, é a primeira grande crise que vivencio. Então eu, enquanto historiadora, fico falando para mim mesma que outros desafios foram superados no passado, e esse será mais um. Agora, para uma mudança significativa (e positiva) para o ensino é necessário rever a estrutura. É fundamental abdicar de certa soberba e lembrar que, pertencendo a uma instituição pública o retorno que damos à sociedade é a própria educação. Pensar o ensino descolado das realidades múltiplas das salas de aula, é o mesmo que dar um tiro no pé. Se não nos conectarmos à sociedade, e aqui entende-se à nossa comunidade mesmo, ela não nos protegerá. Passamos por algo parecido com o movimento “Fica UFOP-Mariana”, para evitarmos a saída do ICHS do Seminário. Na época me perguntava, “como pedir o apoio da cidade, se a cidade até esquece da nossa presença?”, porque não acho que nós nos fazemos realmente presentes. Ao menos, não o suficiente. O que vivenciamos com os ataques às Universidades, principalmente, é algo semelhante, mas em uma escala MUITO maior. Acredito que tenhamos que encarar uma mudança significativa no ensino. O meu receio é que “mudança”, não é necessariamente para melhor, não é mesmo?

 

Ana – Por fim, e sabendo que você se interessa também pela temática indígena através da literatura, finalizo com uma provocação. Que obra literária você recomenda aos nossos leitores após esta entrevista?

 

Helena: Dentro da temática indígena? Com toda e absoluta certeza, qualquer obra de autores indígenas. O “Ideias para adiar o fim do mundo”, do Ailton Krenak é um que li e reli, e virou meu livro de cabeceira. Acho importante para pensar um pouco sobre o perspectivismo ameríndio, como definido pelos antropólogos. Um outro, que está ambientado nas invasões iniciais dos europeus nas Américas é “O Karaíba”, do Daniel Munduruku. É uma literatura infanto-juvenil, então dá até pra trabalhar com ela no ensino básico. Para falar de história indígena é necessário falar com os próprios, e estar apto a ouvi-los. Tanto é que eu tenho um conhecimento limitadíssimo sobre história indígena, pois pesquiso o indígena na história. Isso quer dizer que é a presença indígena na história, vista pelos não-indígenas. Mas isso é pauta para outra conversa!

 

Ana – Muito obrigada, Helena! Foi um prazer te entrevistar e espero poder te encontrar e conversar com você em outras oportunidades também.

Um grande abraço!

Helena: O prazer foi meu! Abração!

 

Entrevista do dia 15 de maio de 2020.

 

 

 


Créditos na imagem: Foto de Leopoldo Silva/Agência Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/congresso-e-palco-de-debate-sobre-o-papel-dos-indios-na-sociedade

 

 

 

SOBRE A ENTREVISTADORA

Ana Paula Silva Santana

Doutoranda em história no programa de pós graduação em história da Universidade Federal de Outro Preto (PPGHIS-UFOP). Mestre pela Universidade Federal de Ouro Preto. Bolsista CAPES. Graduada em história licenciatura pela Universidade Federal de Ouro Preto. Graduada em História Bacharelado pela Universidade Federal de Ouro Preto. Integrante do Núcleo de Estudos de História da Historiografia e Modernidade (NEHM). Integrante do Grupo de História Ética e Política (GHEP). Editora Colaboradora da Revista HHMagazine- Humanidades em Rede. Pesquisadora vinculada à linha de pesquisa Poder, Espaço e Sociedade do PPGHIS -UFOP. Interesses:Teoria da História, Gênero, Romantismo Brasileiro, História do Brasil Império

 

SOBRE A ENTREVISTADA

Helena Azevedo Paulo de Almeida

Bacharel, licenciada, mestra e doutora em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). É pesquisadora integrante do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM/UFOP), do Grupo de Pesquisa em História, Ética e Política (GHEP/NEHM/UFOP), do Laboratório de Ensino de História (LEHIS/UFOP), do Laboratório e Grupo de Estudos de História Política e das Idéias, da Universidade Federal do Espírito Santo (LEHPI/UFES), da HuMANAS - Pesquisadoras em Rede, do Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão sobre Matrizes Antropofágicas e Educação - GEPEMAE na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Instituto Histórico e Geográfico do Sul de Minas (IHGSM), onde desenvolve pesquisa em História da Educação, História do Ensino de História, Ensino de História e Ensino de Temática Indígena. Trabalhou no museu de Arqueologia e Etnologia Americana (MAEA/UFJF), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), no Arquivo da Casa Setecentista de Mariana, sediado no Escritório técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e mais recentemente na Universidade Federal de Ouro Preto como professora substituta, pelo departamento de História, como professora e tutora no Centro de Educação a Distância (CEAD-UFOP), como professora de história do Curso Preparatório Luisa Mahin e como colaboradora externo do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (IF-SUDESTE)

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