Estudos de gênero na História Medieval: uma revolução possível a partir das salas de aula?

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Considerando a dificuldade de inserir mulheres em uma narrativa histórica oficial, a problemática dos estudos de gênero no conhecimento histórico vem ganhando espaço de discussão. A partir de preocupações feministas contemporâneas, muito se questiona sobre o apagamento de figuras femininas em detrimento de narrativas que homogeneízam o ser histórico como homens, brancos, europeus e heterossexuais. Assim, subalterniza-se qualquer agente histórico que não se encaixe nesse construto.

No que diz respeito aos estudos de gênero no período medieval, alguns pesquisadores tem buscado resgatar a história de figuras femininas que estiveram apagadas pela historiografia moderna, que se consolidou após o fim do período medieval.

Assim, podemos nos perguntar: qual é a finalidade e relevância da pesquisa de gênero nos estudos medievais? Compreendendo as salas de aula como ambientes de formação cívica, podemos observá-las como locais importantíssimos para a transmissão de saberes, que refletem os anseios da sociedade moderna. A historiadora Circe Bittencourt (2018), ao se debruçar sobre a compreensão da disciplina escolar, destaca como característica intrínseca a hierarquização do conhecimento.

Essa hierarquização do conhecimento tem conotações sociais mais amplas e não se limita apenas a considerações de ordem epistemológica. Além dos problemas epistemológicos, a compreensão da disciplina escolar está relacionada ao papel do conhecimento como instrumento de poder de determinados setores da sociedade (BITTENCOURT, 2018, p. 38).

Assim, a investigação sobre a representação das mulheres nos livros didáticos de história, bem como sua pesquisa acadêmica, visa pensar em como discutir as representações femininas atribuídas à história contribuiria para problematizar as questões de gênero na sala de aula, fundamentando um “ensino de história crítico e reflexivo no qual se vislumbrem as diferenças, alteridade e diversidade de gênero, discutindo sua presença e ausência nos espaços históricos” (ZABARTO, 2015, p. 49).

Ao analisar criticamente esses lugares teoricamente fixos nos quais as mulheres muitas vezes são reduzidas ao longo da história, abrimos espaço para entender a categoria de gênero como um produto histórico e, portanto, sujeito a ser ressignificado no contexto social contemporâneo, começando, por exemplo, nos diálogos educativos traçados nas aulas de história.

Conforme Zarbato (2015, p. 53) destaca, falar sobre questões de gênero na sala de aula é perceber as “experiências, subjetividades, concepções, grupos culturais, espaços e representações culturais” que se desdobram nos espaços escolares e podem gerar narrativas diferentes sobre o papel das mulheres ao longo da história. Em suma, discutir as questões de gênero e analisar as experiências femininas no cotidiano medieval que divergem do estereótipo construído sobre esse grupo ilumina trajetórias apagadas e silenciadas pela historiografia moderna, assim como lança os primeiros passos para lidar com uma realidade escolar mais inclusiva.

Trabalhar essa temática é conhecer um movimento recente que mapeia as discussões levantadas por pesquisadores sobre o papel das mulheres no período medieval e como a construção dessa nova historiografia pode ou já está influenciando as práticas educativas dentro da sala de aula e nos livros didáticos. Em resumo, busca-se compreender os primeiros passos em direção à importância de observar e analisar o que a historiografia, enquanto campo de disputas de narrativas, tem produzido sobre o papel da mulher na Idade Média, e pensar em como esses novos escritos estão sendo incorporados nos livros didáticos.

Acredita-se, portanto, que esse tema seja de extrema relevância para a área de Ensino de História, uma vez que abre significativas possibilidades. Uma delas refere-se à reflexão sobre a invisibilidade das mulheres no período da Idade Média presente nos livros didáticos. Outra está relacionada à percepção de que há uma discrepância entre a produção historiográfica recente sobre as mulheres medievais e o que é representado nos manuais escolares. Identificar essa discrepância e problematizá-la pode gerar uma mudança de paradigma em relação ao papel secundário das mulheres na Idade Média.

 

 

 


REFERÊNCIAS:

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 5ed. São Paulo: Cortez, 2018. BUENO, Dioury de Andrade; URBAN, Ana Claudia. Resenha de: .Revista de Educação Histórica, Curitiba, n. 19, p. 83-87.

ZABARTO, Jaqueline Aparecida Martins. As estratégias do uso do Gênero no ensino de História: narrativa histórica e formação de professoras. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.4, nº8 jan-jun, 2015. p. 49-65.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: La storia di Trotula, prima medica d’Europa. Tascabile, 2020.

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Ana Vitória Vieira

Graduação em andamento em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. É vinculada ao Laboratório de Estudos Medievais (LEME/UFOP) onde desenvolve pesquisa na área das práticas médicas realizadas na Itália no século XI, com ênfase nas temáticas de gênero e as Histórias Conectadas.

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