Prisciliana Duarte de Almeida: poesia, intelectualidade e protagonismo feminino no periódico A Mensageira (1897-1898)

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O campo das letras no Brasil, assim como os demais campos artísticos e culturais, já no século XIX nos apresentava escritoras, poetisas e professoras cuja autonomia e reconhecimento público se distinguem na sociedade. A próxima série de textos pensada para esta coluna se volta a elas, que em muito contribuíram para as escritas poéticas das sociabilidades, pensamentos e anseios acerca do contexto em que viveram. Dentre as poetisas mais conhecidas estão, além de Beatriz Brandão e Auta de Souza: Julia Lopes de Almeida, Georgina Teixeira, Narciza Amalia, Francisca Julia da Silva, Zalina Rolim, Julia Cortines, Josephina Alvares de Azevedo e Prisciliana Duarte de Almeida. O presente texto se dedica a apresentar um pouco da vida e obra de Prisciliana, que se tornou pioneira por sua produção de materiais e poesias aplicáveis ao contexto didático e também por ser a fundadora e diretora da Mensageira: Revista Literária dedicada à mulher brasileira, pioneiro em sua temática e relevante fonte documental para tratarmos a questão da escrita poética feita por mulheres na passagem do século XIX para o XX.

Nascida em Pouso Alegre no ano de 1867, a poetisa Prisciliana Duarte de Almeida era bisneta da também poetisa Bárbara Heliodora (1759-1819) e do poeta Alvarenga Peixoto (1742-1792). Contribuiu, no início de sua carreira, com diversos periódicos, por vezes utilizando o pseudônimo de Perpétua do Valle. Dentre estes periódicos podemos citar a obra manuscrita O Colibri, e os jornais e revistas Sul Mineiro, A Cidade, Revista Caiaca, A Estação, A Semana e Diário Popular. As obras de Almeida, em seu contexto de produção, apontam para a notabilidade pública de seu trabalho, bem como para uma forma de manifestação feminista uma vez que seus discursos e correspondências com outras escritoras passam pela valorização e divulgação de seus escritos e, de forma geral, da intelectualidade feminina brasileira ao referirem-se às leitoras. A começar por seus livros de poesias, o aclamado Rumorejos (1890) foi prefaciado por Adelina Lopes Vieira, distinta educadora, escritora e teatróloga contemporânea a Prisciliana. Já Sombras (1906) foi prefaciado pelo historiador Afonso Celso, membro e ex-presidente perpétuo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e com comentários críticos de autoria da poetisa e ativista do feminismo português Maria Amália Vaz de Carvalho. Em meados de 1903, Prisciliana iniciou também a publicação das suas obras infantis e escolares, figurando como uma das primeiras autoras a se dedicar a este tema e assim, apresentando uma abordagem original e respaldada por nomes como o do educador João Köpke.

A revista A Mensageira, objeto central desta análise, é a obra que contribuiu para a consolidação de Almeida como poetisa, escritora, e também como feminista. Editada em São Paulo, a revista era publicada quinzenalmente e seu primeiro número contou com textos da própria Prisciliana, de Julia Lopes de Almeida, Zalina Rolim, dentre outros. A poetisa pouso-alegrense assina o primeiro e o último texto da publicação, e neles expõe, de forma clara, que seu objetivo se refere ao alcance de uma maior valorização da intelectualidade das mulheres, tanto das escritoras quanto das leitoras. No texto introdutório, Almeida retoma um breve panorama das publicações feitas por mulheres, anteriormente raras e com poucas representantes, e identifica na publicação de um soneto de Georgina Teixeira um momento de transformações positivas. Na ocasião, o texto de Teixeira foi publicado Correio Paulistano e recebeu críticas favoráveis. Almeida segue citando o aumento considerável de escritoras e poetisas publicando suas obras, além de mencionar que esta mudança também estava refletida em outros campos do saber, como a ciência. O fato de haver também escritores e outros homens das letras trabalhando conjuntamente também chama a atenção e demonstra o alcance das intersecções feitas por Prisciliana de Almeida e suas colegas. É possível observar que os objetivos da publicação incluíam a formação de um público amplo.

O texto que encerra a composição da publicação, Notas Pequenas, é interessante por trazer opiniões diretas sobre assuntos então ocorridos recentemente. Nestas notas, observamos discursos circulantes e, principalmente, seus efeitos na sociedade. A título de exemplo, a nota Canudos exprime o contentamento das autoras com o sucesso da missão militar comandada por Artur Oscar, destacando-se a vitória da Pátria. Certo é que, neste contexto, projetos de nação despontavam e circulavam intensamente entre intelectuais, políticos e artistas de linguagens variadas, e por isto a presença de tais elementos discursivos devem ser analisados de forma crítica. O texto seguinte, por sua vez, vem trazer opiniões sobre as obras das expositoras da Exposição Geral de Belas Artes de 1897. Embora nos apresente nomes pouco conhecidos, como o de D. Alina Teixeira, Beatriz F. C. de Miranda, Maria Clara da Cunha Santos e Mary M. Sayão, a nota mantém a identificação das artistas como amadoras que sabem “ocupar bem o seu tempo livre” pintando. Há, no entanto, a intenção de apontar o mérito daquelas que receberam elogios por parte da crítica. Maria Clara Santos, colaboradora da revista, destacou-se com a tela Meu Gabinete. A seção se volta, desta forma, às personagens femininas de cada fato e a seus feitos, mesmo que estes não tenham se visibilizado pela imprensa em geral.

O fato de estarmos tratando de um impresso que reúne correspondências e obras de escritoras e poetisas é fundamental para considerarmos, em leituras e análises, não apenas a individualidade de cada trajetória, mas também as redes que as interligam e buscar novos questionamentos. Os próprios estudos literários revelam, em suas representações e recursos linguísticos, aspectos relevantes acerca das dinâmicas e convenções sociais oitocentistas. Na esteira do estudo da linguagem e dos conflitos de poderes, se liga ainda o ingresso de Prisciliana de Almeida na Academia Paulista de Letras, tornando-se assim a primeira mulher a ingressar no grupo, em 1909, ocupando a cadeira de Bárbara Heliodora.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: FANGUEIRO, Maria do Sameiro. Presciliana de Almeida. Disponível em: <https://bndigital.bn.gov.br/dossies/periodicos-literatura/personagens-periodicos-literatura/presciliana-de-almeida/>.

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Paula de Souza Ribeiro

Mestra em História pela Universidade Federal de Ouro Preto na linha de pesquisa Poder, Linguagens e Instituições. Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Membra do Grupo de Pesquisa Justiça, Administração e Luta Social - JALS, sediado na UFOP. Ênfase de atuação nas áreas de História da Arte, História do Brasil Imperial, Musicologia, Curadoria e Patrimônio Cultural.

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