Efeito Lula

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A volta do ex-presidente Lula para o jogo eleitoral demonstra que ele nunca esteve fora do jogo político.

 

A decisão do Ministro do STF Edson Fachin caiu como uma bomba: após reconhecer que Moro não é o juiz competente nos casos envolvendo Lula,[1] o ministro anulou os processos envolvendo o ex-presidente, devolvendo os seus direitos políticos. Lula, agora possível candidato, mudou o jogo eleitoral de modo determinante. O mercado, em seus movimentos esquizofrênicos, demonstrou preocupação. Grande parte da imprensa chamou tais agitações de “efeito Lula”. Pois bem, os efeitos Lula são bem maiores que as oscilações da Bolsa: a imprensa, o mundo político e, especialmente, o governo Bolsonaro, mudaram de rumo. Lula de volta ao jogo eleitoral demonstra, acima de tudo, sua influência no mundo político.

No seu primeiro discurso após a decisão de Fachin, Lula acenou para vários atores importantes como o empresariado e políticos de diversos espectros. Quis mostrar que deixou mágoas no passado, mas atacou fortemente o estado policial da Lava Jato. Seu alvo, porém, era o desastroso governo Bolsonaro: colocou a dor de milhões de brasileiros que sofrem por conta da pandemia à frente do que sofreu nos 580 dias que permaneceu preso. Concorde ou não: Lula fez um discurso de estadista.

Ao dizer que estava disposto a “conversar com a classe política”, o ex-presidente reafirmou-se como político. Falando sobre o congresso nacional, disse que gostaria que lá “só tivesse gente boa, gente de esquerda, gente progressista, mas não é assim. O povo não pensou assim. O povo elegeu quem ele quis eleger. Nós temos que conversar com quem está lá para ver se a gente conserta esse país”.[2] Tal aceno pode ser criticado por progressistas que não recebem bem esse caráter conciliador: a esquerda é composta por diversos grupos e a diversidade é positiva. Mas, sem dúvida, Lula desmente os que apostam na falsa simetria entre ele e o atual presidente, como é comum no discurso da imprensa.

Conciliador ou não, Lula está dentro do jogo democrático, defende a ciência e sabe dialogar. Até Rodrigo Maia, deputado e ex-presidente da Câmara, que é do DEM, distinguiu Lula do projeto autoritário de Bolsonaro.[3] A falsa simetria entre Lula (um democrata) e Bolsonaro (um autoritário) só serve para aliviar a consciência dos venderam a alma ao fascismo para não votar no PT. Quem votou 17 precisa parar de procurar desculpas, assumir o gigantesco erro histórico que cometeu e trabalhar para que a tragédia brasileira pelo menos não prossiga.

Além disso, a maior crítica de Lula ao lavajatismo está, justamente, no seu posicionamento diante da política. O ex-presidente não se coloca como um antipolítico, mas como alguém disposto ao diálogo com quem acredita na democracia e na Constituição. Não há maior contraste que esse ao modus operandi da Lava Jato, operação que ganhou ares de instituição de estado (de exceção, eu diria), criminalizando a política e abrindo espaço para a terrível instabilidade que vivemos até hoje.

E essa instabilidade já se tornou uma tragédia: mais de 270 mil mortes em um ano de pandemia da Covid-19. A incompetência se tornou política de estado, o Brasil virou uma caquistocracia.[4] Não pensem que é sem querer: Bolsonaro sabe o que está fazendo e o que não está fazendo. E o efeito Lula foi imediato: Bolsonaro já negou que criticou as vacinas e movimentou sua grei para negar os absurdos que ele defende. O atual presidente se tornou negacionista de si mesmo. Em sua live do dia 12/03/2021, o ex-capitão expulso do exército que se tornou presidente exibiu um globo terrestre, embora grande parte dos seus seguidores acreditem que a terra é plana. Isso por conta de uma crítica feroz de Lula ao louvor que Bolsonaro faz à ignorância. Lula, com um só discurso, movimentou a política e fez Bolsonaro trabalhar. O ex-capitão tem um adversário de peso, não só nas eleições de 2022, mas na política, e isso ganha força com Lula elegível. Agora, seu negacionismo criminoso terá um adversário ainda mais forte. A hora de Bolsonaro ser responsabilizado criminalmente chegará.

Lula de volta ao jogo eleitoral faz bem para o Brasil. Não só por seus posicionamentos, mas para além deles. Também faço inúmeras críticas e sei que a guerra judicial que ele sofreu é um flagelo comum para os pobres. Não acho que Lula salvará o Brasil; nós, o povo, precisamos tomar os rumos do país. Mas, sem dúvida, a esperança ganha força.

Podemos discordar de Lula, podemos criticá-lo. Mas a democracia não será plena se um dos seus maiores atores está injustamente fora do jogo. Lula faz bem para a democracia, aguça a      discussão,      clareia      os      caminhos      que      podem       derrotar       o       fascismo.  Lula é determinante no jogo eleitoral exatamente por nunca ter deixado de ser essencial no jogo político.

 

 

 


NOTAS:

[1] A decisão de Edson Fachin está no âmbito do HC 193726. O entendimento é que os casos envolvendo o ex-presidente Lula não envolvem a Petrobrás e, portanto, não estão na competência da 13a Vara Federal de Curitiba. Sendo assim, as condenações no caso do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia foram anuladas, bem como as acusações envolvendo o Instituto Lula, ainda não sentenciadas. Sendo assim, todos os processos vão ser direcionados para a Seção Judiciária do Distrito Federal, onde poderá ser decidido a validade dos atos já realizados. Existem 14 outros processos da defesa de Lula que defendem a imparcialidade de Sérgio Moro. Embora o Ministro Edson Fachin tenha decidido que tais ações perderam o objeto, a segunda turma do STF decidiu julgar a imparcialidade de Sérgio Moro. Até a escrita desse artigo, o julgamento está parado após o pedido de vista do Ministro Nunes Marques. A nota do STF e íntegra da decisão de Fachin está no link: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=461870&ori=1

[2] O discurso completo do ex-presidente Lula está disponível neste link: https://www.brasildefato.com.br/2021/03/10/leia-a-integra-do-primeiro-discurso-de-lula-apos- anulacao-de-condenacoes-da-lava-jato

[3] Para o tweet em que Rodrigo Maia faz tal distinção: https://twitter.com/RodrigoMaia/status/1369680085356318725

[4] As origens são os termos gregos kakistos, que é o superlativo de mau e kratos, que significa poder. O termo, portanto, é “governo dos piores”. Tal etimologia foi retirada do artigo do Link: https://diplomatique.org.br/a-caquistocracia/

 

 

 


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SOBRE O AUTOR

Pedro Henrique Santos Rocha

Graduado em Filosofia pela PUC Minas e mestrando em Filosofia pela UFOP.

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