Brasil1

 

Queima a teima em sua fronte anacrônica

De tez amarrada no construto perdido na selva do coração de pedra

Queima a Mata onde fundaste teus pés de Memória

De Raízes pálidas de tanto sofrimento

Da Melancolia curtida nos trópicos sob o intenso sol

Bonita, contida, fina

Repelente remorso contra os raios lúcidos da História…

Teimam as Grades com seus Currículos fechados

Negacionismo curtido nas folhas de palmeiras

Onde cantam Fulano de Beltrano, Gasturano, Preguiçano

Que chegou e erigiu um pedaço de pau no meio do Mundo

Mas alheios são ao próprio chão

Sendo Casa o eterno e já utópico canto

De onde vieram trazendo Deus, com os demônios e todo o escambau…

Teima o Mistério da Santa Justiça, Monarquista

Que clama o doce verde, amarelo e, ah, o azul…

Que no fim das contas é Euro, é Hetero, é Cristão, Mireteteno2…

Tudo certinho, chapado, para o Gado viver em Paz

Alimentar o Mundo Enquanto nossas gentes passam fome

E o céu marcado com a Cruz até trombeta mais cedo,

Com as casas de rezo queimadas,

Com as Vidas Indígenas e Negras

Escolhidas com profunda Fé pelos Santos Curadores do Destino, que provam tudo

Menos a Nação, que queima de uma febre brava no chão frio de alguma Basílica

 

 

 


NOTAS

1 Originalmente publicado no perfil literário @xipupuri, na rede social Instagram

2 Do kwaytikindo, língua Puri, “dinheiro”

 

 

 


Créditos na imagem: Divulgação. Denilson Baniwa. Caçadores de Ficções Coloniais (2021).

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Isaías dos Anjos Borja (Xipu Puri)

Mestrando em Letras, Bacharel em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Se interessa por temas referentes às relações entre História e Memória, Decolonialidade, Histórias e Culturas Indígenas e pela Literatura Indígena Brasileira, tema de sua pesquisa de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (POSLETRAS): Estudos da Linguagem da UFOP, vinculada à Linha de Pesquisa "Literatura, Memória e Cultura". É indígena do povo Puri, poeta, produtor e músico experimental, sendo autor de livros de contos e poesias (com o semi-heterônimo Alfredo e seu nome étnico Xipu Puri), participando de duas coleções literárias do Selo Off Flip, das antologias "Outros 500" e "(ECO)AR" da editora Toma Aí Um Poema, além de possuir publicações em portais acadêmicos e culturais. Em dezembro de 2022 lançou o Extended Play intitulado "taheantah tri", uma produção literária experimental com música. É coautor da dramaturgia ''Siaburu'', presente na Caixa de Dramaturgias Indígenas organizada pela N-1 Edições em parceria com a produtora Outra Margem durante a terceira edição do Teatro e Povos Indígenas (TePI). Siaburu estreou como espetáculo em junho de 2023, em Évora, Portugal e contou com a atuação de Xipu na produção musical. Em setembro de 2023 lançou seu segundo álbum, intitulado "Pindobeat". Atualmente se dedica ao estudo da História pela Literatura Puri, à produção artística, além de compor o corpo de colaboradores voluntários do Museu da Cultura Puri.

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