América

 

Haverá tempo em que de fato e sem culpa

Faremos nossa própria sorte?

Lançando fora os maus sonhos recorrentes

Que nos esmagam em espirais temporais;

Da separação que nos leva

Ao ponte de partida?

 

Porque ainda que meu corpo morra,

Meu espírito tão mais ainda será seu.

E se isso é fé,  não importa;

Se eu me sentir vivo em você.

 

Eternos, na finita duração;

Da folha que cai ao sorriso que (me) nutre com vida.

A vontade de sermos bem sucedidos.

O sonho de um, pesadelos do outro.

O prazer de sua companhia no jantar.

As montanhas para um nós feito lar.

 

O temor que habita dias que nem existem.

A lareira onde sentaremos,

Aquecidos pelas chamas da madeira.

Não se preocupe.

Voltaremos ao ponto

De onde outrora partimos

E cruzamos.

A abelha que tem mel tem ferrão no rabo.

E, será que tomaremos novamente o lado errado na história?

Porque se nossa presença puder ser sentida neste mundo,

Haverá de ser alguma coisa.

Se ficarmos, ficamos;

Se partirmos, partiremos.

Mas, pergunta-se: “o que dirão?”.

Embora suas sobrancelhas cerradas digam

Que não há limites para um intraçável céu;

Vivemos num país selvagem,

Meu lugar é ao lado seu.

 

Que deus bendirá?

Somos navios num rio largo;

Poetas e bobos da corte;

Mórbidas dores, que passam antes do anoitecer.

Será que ainda teremos tempo o suficiente para ouvirmos os pássaros da tarde?

Será que há de ouvirmos as correntes do rio que passa?

Talvez um dia eu o cubra com rendas e joias,

Para além do tanto que já me dei.

Porque espero nunca ter-te dado razões para se arrepender;

Assim como razões não encontrei para que eu pudesse um dia morrer.

 

Linda América!

Dos doces socos e beijos vivos.

Do anel que nos foi roubado.

Do amor arrancado à força do peito

E paralisado.

O choro seco

Impulsiona o sangue para fora do corpo.

O frio e a roupa branca em sangue vinho.

A noite e nosso breu eterno;

Dos sonhos bons e recorrentes;

Da escuridão ressoante no ouvido

E das mãos que nunca se perderam no horizonte.

 

 

 


Créditos na imagem: Frida Kahlo. Moises (1945).

 

 

 

SOBRE O AUTOR

Isaías dos Anjos Borja (Xipu Puri)

Mestrando em Letras, Bacharel em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Se interessa por temas referentes às relações entre História e Memória, Decolonialidade, Histórias e Culturas Indígenas e pela Literatura Indígena Brasileira, tema de sua pesquisa de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (POSLETRAS): Estudos da Linguagem da UFOP, vinculada à Linha de Pesquisa "Literatura, Memória e Cultura". É indígena do povo Puri, poeta, produtor e músico experimental, sendo autor de livros de contos e poesias (com o semi-heterônimo Alfredo e seu nome étnico Xipu Puri), participando de duas coleções literárias do Selo Off Flip, das antologias "Outros 500" e "(ECO)AR" da editora Toma Aí Um Poema, além de possuir publicações em portais acadêmicos e culturais. Em dezembro de 2022 lançou o Extended Play intitulado "taheantah tri", uma produção literária experimental com música. É coautor da dramaturgia ''Siaburu'', presente na Caixa de Dramaturgias Indígenas organizada pela N-1 Edições em parceria com a produtora Outra Margem durante a terceira edição do Teatro e Povos Indígenas (TePI). Siaburu estreou como espetáculo em junho de 2023, em Évora, Portugal e contou com a atuação de Xipu na produção musical. Em setembro de 2023 lançou seu segundo álbum, intitulado "Pindobeat". Atualmente se dedica ao estudo da História pela Literatura Puri, à produção artística, além de compor o corpo de colaboradores voluntários do Museu da Cultura Puri.

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