Notas acerca da Educação: uma breve reflexão racializada

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No curso de Pedagogia, os tensionamentos sobre a diferença de raça e a importância de se apresentar essas diferenças, na maioria das vezes, partem de estudantes negros. Geralmente, entre um ou outro o debate é levantado sempre para o campo das ausências. Tais ausências são naturalizadas no decorrer da formação da maioria dos negros. Seja uma ausência no diálogo positivo, na participação dos negros na construção da história do Brasil, ou nos estudos racializados dentro do campo de alfabetização. Essas ausências introjetam nas crianças negras o auto-ódio de si mesmas e dos povos descendentes do continente africano. Embora tenhamos a lei 10.639/03 que se amplia para a lei 11.645/08 foi aprovada, mas sem uma preparação dos profissionais da educação para a aplicação da mesma. Desde então, a cobrança da efetividade parte das pessoas negras que lidam com essas ausências em suas formações. Muitos professores não veem a necessidade de tal aplicação, até que um estudante a aponte. Diante disso, existe uma imposição racial eurocêntrica, posta de forma sutil no modelo educacional vigente, que não dá abertura à resolução do problema sobre as desigualdades raciais que leva a discussão sempre para uma perspectiva socioeconômica.

Incomoda-me, quando se fala em alunos da “camada popular”, “alunos vulneráveis” ou até mesmo, os alunos “carentes” nos estudos de referências educacionais. Quando analisamos a identidade desses alunos, percebemos que em grande maioria são pretos e pardos (leem-se negros), moradores de bairros afastados dos centros e que estão matriculados em escolas públicas. Quando os futuros professores se formam em instituições federais, vão para a prática carregados de conhecimentos eurocêntricos, reconhecidos por muitos por serem modelos considerados de qualidade. Mas o que a gente pode fazer com o ensino de qualidade que tivemos na universidade federal quando chegamos na educação básica e pública para dar aula? O que podemos fazer quando esses conhecimentos que recebemos dos professores das universidades não dialogam com a vivência dos alunos de uma região afastada da universidade?

Muitas vezes, professores recém formados ficam com receios de adentrarem ao ensino público, ou por serem desmotivados na sua formação pelos estágios frequentados em escolas ou por simplesmente fazerem a comparação da realidade de alunos de escolas privadas com os alunos da escola pública.  Essa comparação de ensino e de “formas de alunos”, nos acompanham durante todo o percurso de formação. Dentro da universidade várias vezes me peguei refletindo após um ou outro comentário de professores que não refletem o quão grave é comparar a realidade e o sentido de educação para cada aluno.

Magda Soares, além de mostrar as diferenças que existem nas instituições educacionais numa perspectiva política em seus livros, nos traz também vários apontamentos das ausências que existem dentro do ensino público sobre a qualidade de equipamentos, estrutura e incentivo ao uso de materiais fornecidos pela escola para com os alunos.  Mas, por que em textos de diversas referências existe uma ausência dos dados raciais explícitos? Quando digo explícito, estou falando em apontarmos quem são de fato esses alunos de “camadas populares”, “vulneráveis” e de “famílias humildes”?

Quando se aponta a diferença de alunos cujos pais estão presentes na educação dos filhos, ou quando apontam que os pais dos outros alunos mais “carentes” não participam dessa forma  ativa na educação dos filhos, é porque aí existe um fator muito importante que é a negação desse ensino público de qualidade para a maioria da população brasileira. Como cobrarmos o sentimento da importância e o sentido da educação da maioria dos pais do Brasil?

A maioria das famílias negras brasileiras estão caminhando para compreender o que é essa educação escolar e a sua importância no incentivo e valorização na trajetória do seus filhos. Não podemos cobrar das famílias pretas uma participação onde não foram incluídas enquanto cidadãos até os dias de hoje. Famílias essas onde a maioria dos pais não completaram o ensino fundamental ou o ensino médio, por conta da pausa para o trabalho, e diversos outros fatores além do econômico.  Então, temos que tomar muito cuidado enquanto futuros professores, pois, quando afirmamos em nossas falas que os alunos de escolas públicas não valorizam o ensino, soa como uma injustiça com a história em sua temporalidade da trajetória dos negros e a educação formal no modelo escolar.

É de grande importância saber que existe uma negação para as famílias negras um ensino público de qualidade. E que esta negação é de longa data, imbricada desde a construção do Brasil, enraizado na história da educação brasileira. Sendo assim, falas do tipo “o aluno da escola pública não participa, não faz as atividades, não leva a sério os estudos…” não é relevante para a justificativa do que chamam de fracasso escolar. O fracasso escolar não é de responsabilidade dos alunos e nem pode ser de suas famílias. Aqui entra a questão política, porque se racializando a questão dos alunos das escolas públicas percebemos que a coisa complica e se explica.

Outra questão para refletirmos é sobre ter o cuidado quando se fala sobre os alunos ditos como vulneráveis, por exemplo, em uma escola que existe uma concentração imensa de alunos negros, devido sua localidade ser nos bairros onde mora muitas pessoas negras, essa escola é vista muitas vezes como a escola onde estão os alunos-problemas. Já vi pessoas que dizerem que nunca gostaria de trabalhar em  certas escola, só por terem um perfil de alunos em grande maioria negros. Diante disso, questionamos: por que os professores não querem lecionar nessas escolas? Por que essas crianças são lidas como muito carentes? Então, convocamos outro pensamento: o que se pode fazer com o ensino que obtivemos público de uma instituição federal para chegar na escola e fazer a diferença? Como podemos fazer para que possamos lidar com a diferença sem excluir sua existência? O diálogo sobre a diversidade sempre esteve em alta nas grandes faculdades, e nos meios econômicos empresariais. Mas por que não sabemos lidar com essa diversidade no cotidiano do dia a dia? Diversidade não é igualdade.

Como precisamos enxergar nossos alunos negros?  Como podemos mostrar a existência, contribuições e descendência dos povos africanos para que faça sentido para esses alunos negros em formação?  Por que às vezes entramos dentro da escola com um plano de ensino indiferente à experiência dos alunos negros? Não converge para com a realidade da comunidade daquela região. E é nítido que não haverá engajamento de certos alunos para esses planos, eles não irão se interessar por uma escola que não fale sobre eles, não dialogue com a realidade deles, não ensina a partir das coisas que os estudantes vivem, das experiências da região.  É muito diferente quando se parte da vivência dos alunos, a experiência é outra dentro da sala de aula.  Então, essas palavras, vulnerabilidade, fracasso escolar, carentes, humildes, camadas populares, são palavras que devemos tomar muito cuidado no contexto que são ditas. Ao ler o livro da Magda Soares, Linguagem e escola: uma perspectiva social, ressalta-se sobre os alunos das camadas populares, diante disso me questiono: quem são estes alunos das camadas populares? Por que não falar a cor dessas crianças, a identidade para além do status econômico?  Por que fica numa generalização e não falam nessas pesquisas o cerne do problema. Na história do Brasil, entender os conflitos educacionais é pautado, em sua grande maioria, por um viés somente econômico. Logo, não se fala do problema central em toda construção do Brasil, que se apresenta ser o de raça.

O Estado brasileiro, quando quis voltar com as aulas durante a pandemia, não foi por uma preocupação com a da escola pública. Percebemos que as escolas privadas estavam pressionando essa volta, devido à perda dos investimentos e a manutenção dessas instituições com o financiamento das famílias desses alunos. Quem são esses alunos?  É nessa que analisamos a preocupação do poder econômico do Brasil com a escola e o sentido de escola para o Estado. Em Belo Horizonte, aconteceu uma carreata de pais de alunos de escolas particulares exigindo o retorno das aulas presenciais.[1] Vários exemplos dessas ações mostram onde fica a escola pública nessa história, quem são os alunos que estão ficando prejudicados. E quem está lutando pela volta da educação pública de qualidade para os alunos em pandemia?  Podemos pegar exemplo do próprio ENEM, onde teve uma evasão grande no ano de 2020, porém aconteceu, mesmo com a pandemia por conta do coronavírus COVID-19 a todo vapor. Faço a reflexão diante disso, novamente os alunos que estão sendo prejudicados são em grande maioria, alunos da população negra.

A educação só vai resolver seus problemas institucionais, quando começar a enxergar a população negra como cidadãos de direitos. Estamos tentando a garantia de direitos e de cidadania nesses espaços. É uma eterna vigia para que os direitos conquistados não desçam para a estaca zero, em uma canetada política. Vemos a lei 10.639/03 e a 11.645/08 ser opcional para professores e funcionários das escolas escolherem se querem ou não utilizá-las em suas atividades e obrigações escolares.  A proposta é só falar de África ou de fato incorporar todas as concepções de educação possível em nossa prática? Os conteúdos não devem sempre entrar como aporte do currículo, como uma opção ou como escolha do professor, e sim como obrigatoriedade tanto assim como Piaget e Bourdieu entram nas propostas educacionais. Não basta, levar os conteúdos em modelos ocidentais de educar, é preciso aprofundarmos ao máximo em modelos educacionais africanos, com pensadores, estudiosos e filósofos africanos, para atingir assim a expansão da promoção da igualdade racial na diáspora brasileira.

 

 

 


REFERÊNCIAS

SOARES, Magda. Alfaletrar: Toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo: Contexto, 2020.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. – 18. ed.- São Paulo: Contexto, 2017.

Sodré, Muniz. Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes.– 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

 

 

 


NOTAS

[1]  Acesse para saber mais sobre a reportagem citada https://bityli.com/YK6WG

 

 

 


Créditos na imagem: Foto: Getty Images

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Walkiria Gabriele Elias da Costa

Walkiria Gabriele, graduanda no curso de Pedagogia na UFOP. Membra do Coletivo Negro Braima Mané. Integrante do Grupo de Estudo Amos Wilson. Integrante do programa de Residência Pedagógica na área de Alfabetização/ CAPES.

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