Nomeei lugares/ onde se esparrama a ternura/ e estou só e comigo.
Jorge Luís Borges

retomo a

infância

com a memória que habita

a casa que me devolveu à luz

 

na sala, ergo o corpo do coração

quando tudo arde

e quando tudo arde

prolongo a polifonia das estórias contadas

em noites onde jaz a saudade

 

meus avós tinham cabelos brancos

a derramarem em ruínas da minha presença

um rio interminável a luzir

no madrigal cântico dos pássaros

meus avós tinham os olhos de cor nutritiva

perenes nos sulcos do tempo

a soar no tabuleiro da alegria

distantes

acolhem-me nas manhãs rendidas

às pétalas da ausência

 

na velha casa

a solidão traça uma rotina fúnebre

quando o desejo não sacia as lágrimas

a enxaqueca permanece em vigília

meus olhos assombrosos de tanto chorar

eternizam uma dor já sem nome

 

nas chaves que as tomo em mãos

ardentes cintila a lembrança

quando tudo se recompõem

no álbum de fotografias

 

Reencontrar o amor

E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos/e atiram-se, através deles, como
jactos/para fora da terra.
Herberto Hélder

Nas manhãs

A minha mãe

Abre as vagas incontornáveis da saudade

Símiles da luz ausente que me esculpiu

 

Entre lágrimas e quedas rebenta a inaudível angústia

Espinhos feridos pela distância assinada pelo medo

E quando o silêncio purifica as paredes da casa

A minha heroína derrete

Na sílaba que renuncia a sua presença

 

Agora, sinto a fragrância do meu canto

Pela voz obscura dos distantes acenos

Na esperança de açoitar a lápide onde jaz

 

 

Com flores seguro a memória emudecida,

uma oração fria se converte em fogo

Entristeço-me quando releio o testamento do luto

Esta herança indecisa,

Mergulhada num passado descorado

 

Teu silêncio- língua de sinais que me conduz

Pelos escombros da casa abandonada

hasteia o altivo sonho de uma criança em ruínas

 

Permaneço no mesmo lugar de sempre

onde o dilúvio

eterno murmúrio dos sonhos presos na tumba.

se depreende em combustão diária

 

Antes, porém, transeunte pela noite ausente

Colho a dor agrária

dos sulcos vazios.

 

 

 


Crédito na imagem: Reprodução. Foto: Fernando Rozano.

 

 

 

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