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Transfigurações

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Transfigurar, transformar. Esta são as palavras geradoras da exposição Transfiguração da forma, da artista visual, poetisa e produtora cultural carioca Mozileide Neri. Apresentada de forma virtual através do Edital Cultura Presente nas Redes 2, da Secretaria Estado de Cultura e Economia do Rio de Janeiro, a exposição chega para chamar o público ao imaginário poético do abstracionismo geométrico. Já há algumas semanas pensei em inaugurar uma nova fase para esta coluna, a partir de boas parcerias. Para iniciar a nova fase, logo pensei no trabalho de Mozileide. Assim, este texto leva uma pitada de “prosa” e outra de entrevista, pois foi assim que ele surgiu, de perguntas e respostas, reflexões partilhadas sobre arte.

A primeira observação diz respeito ao tempo de estudos e pesquisa da artista, seu processo criativo rumo à ideia para a exposição, que conta com vinte e sete pinturas sobre papel e obras táteis. Mozileide apresenta o abstracionismo como experiência para imaginar, reimaginar, adentrar ao universo de cada obra. A irregularidade e a desconstrução das formas dialoga bem com as experimentações no que se refere à sobreposição de cores e camadas, tal como traz o texto introdutório da exposição. E é isto que percebi: uma conversa entre os próprios elementos de cada obra, movimento; a partir das pinturas, a arte da transfiguração chega ao público. Somos chamados a fazer parte de cada obra com suas especificidades e possibilidades de tecer o imaginário. Para chegar a este resultado, é preciso passar pelo processo de criação e curadoria, o que significa se deparar com vários questionamentos. Com a palavra, Mozileide:

 

 

Há uma poética provocadora inserida no termo “transfiguração”, o verbo já diz que algo irá se transformar, e isso desencadeou um estudo quase matemático para estimular um olhar atento à geometria básica. Uma espécie de brincadeira de perceber a figura plana, inseridas no nosso cotidiano. Essa ideia de percepção foi crucial para criar um conjunto de obras com elementos geométricos distorcidos, onde o observador dá continuidade ao trabalho da investigação minuciosa e atenta, de encontrar outros elementos geométricos já conhecidos, criar outras formas não tão definidas e, com muita criatividade, construir uma narrativa figurativa com as obras geométricas. Alongar ou distorcer a ponta de um triângulo, por exemplo, é transfigurar a percepção de triângulo que cada um tem guardado na memória. Nas ações educativas, eu faço provocações quando sou questionada em relação ao formato dos elementos geométricos pintados sobre o papel, pergunto se um quadrado é uma figura plana que tem quatro lados e todos têm a mesma medida, um quadrado alongado também pode alterar suas medidas, ou não? É justamente nesse jogo de pensar e brincar que a exposição ganha corpo e poética, nem tudo se resolve com fórmulas e medidas preestabelecidas. É importante perceber uma obra de arte como uma possibilidade de troca e diálogo.

 

Em outra oportunidade, falei aqui sobre sobre este grupo de mulheres artistas que a havia inspirado. De uma perspectiva histórica, fiquei curiosa e pensando em como interligar este grupo diverso, mas conectado pela experimentação com a cor e a forma, dento de seus contextos sociais e estilos ou movimentos artísticos, ao que Mozileide responde:

 

As artistas brasileiras Judith Lauand, Maria Leontina, Lygia Clark, Lygia Pape, Beatriz Milhazes e Criola me acompanham e me inspiram em cada trabalho. Cada uma tem uma particularidade, funcionalidade e contribuição nos meus estudos. Em algum momento eu esbarrei com algum trabalho geométrico de cada uma delas e esse encontro me possibilitou experiências únicas dentro e fora do ateliê. Foi impossível não “transfigurar” sem cada uma delas. Criola, por exemplo, ampliou minha paleta de cores. E é justamente a cor e o processo de construção dessa cor sobre o suporte que nos une. Até mesmo nos trabalhos mais conceituais elas têm algo a me dizer. Se eu fizesse a curadoria de uma exposição com essas artistas, a cor seria o assunto principal. O diálogo entre as obras seria como essa cor, abstrata ou figurativa, se apresenta sobre os diversos suportes. A partir da cor o observador é convidado a entrar na conversa.

 

 

Na exposição, é constante a variação de impressões e imaginários possíveis de serem construídos por nós, espectadores. O abstracionismo chama o público e, através de cada interpretação e cada imaginar, se refaz, se ressignifica, se transfigura. A diversidade do público e de suas experiências e reações pessoais é, por isto mesmo, um dos objetivos centrais da exposição:

 

Eu quero que o público tenha a experiência de se permitir ser provocado pelas obras. Alguns serão estimulados pelo conjunto de cores, outros pelo desenho das formas geométricas. As crianças são as que mais experimentaram a fruição da “Transfiguração”, e até hoje leio e escuto relatos surpreendentes sobre a leitura das imagens. E nada está errado, pelo contrário, cada leitura é bem-vinda e cada percepção complementa a obra.

 

Nada está errado quando se trata da leitura e interpretação do abstrato. A frase, simples, me lembra as diversas vezes em que ouvi amigos e conhecidos falarem de sua dificuldade em fruir a arte abstrata, criando uma barreira que apenas nos impede de criar a partir da visão do artista, de participar da obra. Isto pode ter origem em várias questões, sobretudo na ideia de uma arte pronta e até mesmo inacessível, isto é, fechada em cânones que impõem certa distância para com o público. A integração entre obra e público é importante pois suscita a crítica, a reflexão sobre o mundo interno e externo, e inclusive nos ajuda a desconstruir esta distância canônica para com a arte. Em uma aula, uma aluna havia me perguntado o que Lygia Clark acharia de ver sua obra sendo apenas exposta em uma caixa, sem interação com o público. Não posso responder por Lygia, mas acredito que sua obra, por ter alçado o status de referência artística no Brasil, tenha ganhado também esta noção de distância, mesmo sem que houvesse esta intenção por parte da artista. Ao mesmo tempo, penso que artistas contemporâneas como Mozileide e Lyz Parayzo vêm para ocupar novos lugares nesta caminhada iniciada por Lygia Clark. Além da interação, a acessibilidade em si é outro aspecto que me chama a atenção na exposição; os recursos aplicados a Transfiguração da forma mostram que não estamos longe de conseguir criar e tornar acessível a todos uma atividade cultural – como cheguei a pensar ao assistir eventos que ignoravam que o novo contexto de distanciamento social e convivências virtuais havia afetado a todos. Pesquisadora em acessibilidade e artista aberta ao aprender contínuo, Mozileide me explica que:

 

“Transfiguração da forma” é a minha primeira exposição virtual individual, foi produzida com recursos do edital de chamada emergencial de premiação “Cultura presente nas redes 2”, da secretaria de cultura e economia criativa do Governo do Estado do Rio de Janeiro. O vídeo da exposição tem legenda, audiodescrição e intérprete de Libras. Importante dizer que pessoas com deficiência me ajudaram na construção dessa exposição, desde a correção do roteiro da audiodescrição e a seleção das obras táteis que foram expostas. O virtual tem seus aplicativos e recursos on-line para que pessoas com deficiência possam interagir numa exposição virtual. A questão maior são as exposições presenciais, porque as pessoas com deficiência têm o direito de ir a qualquer museu ou espaço expositivo e ter acesso às exposições. Museus, artistas, curadores, arte-educadores, museólogos, produtores culturais e gestores públicos estão atrasados no comprometimento a favor da acessibilidade e a solução definitiva para a exclusão cultural.

 

Assista à exposição virtual Transfiguração da forma aqui

A presença de obras táteis na exposição une as questões apresentadas acima, pois estamos falando de obras que foram feitas para serem tocadas, para explorar a percepção sensorial além da visão. Por ocasião de uma conversa para um edital do qual o coletivo que integramos – coletivo co.cada – participaria, as obras táteis me renderam uma série de perguntas. No processo da exposição, a entrada em cena de novos suportes em novas formas e destas obras táteis transfigura a narrativa proposta pela artista e, por conseguinte, a nossa experiência enquanto espectadores e espectadoras. Ainda sobre elas, Mozileide traz o complemento:

 

No virtual o público com deficiência visual fica preso à descrição, a narração que possibilita a percepção da obra, mas nada substitui o toque para as pessoas com deficiência visual. O ver com as pontas dos dedos é essencial. Produzir obras táteis pensando nesse público foi fundamental na escolha dos materiais, e antes de expor cada obra tátil, é preciso ter a assessoria de uma pessoa com deficiência visual para avaliar e aprovar a funcionalidade dessa obra. Afinal são obras para todos os públicos tocarem, incluindo os videntes. A mediação entre público e obra sensorial é indispensável, às vezes muitos não tocam nas obras porque já temos o senso comum de não tocar. Acessibilidade cultural é uma urgência, e ainda estamos longe do ideal.

 

Tal como uma de nossas professoras nos disse, acessibilidade é para todos. Todos nós um dia teremos uma ou outra limitação de origem física, mesmo em função do avanço da idade. Por fim, a experiência de se escrever um projeto para uma exposição virtual como Transfiguração da forma é ainda uma troca de saberes e uma porta para outras realizações:

 

Enquanto artista, meu desafio é produzir obras sensoriais de qualidade e que todos possam fruir igualitariamente. Tenho duas pesquisas em andamento, uma sobre acessibilidade cultural e outra sobre o conceito de paisagem. Um projeto inédito está quase pronto, aborda questões relacionadas à cidade, violência e corpo. Um desdobramento desse projeto já está circulando pelo Brasil, é um livro de poesia intitulado “Azul alaranjado”, que narra o cotidiano não turístico da cidade do Rio de Janeiro. Quero aproveitar para anunciar a chegada do meu segundo livro de poesia “Amarelo”, adianto que há muita cor descrita, tintas e processos. Os utensílios de um ateliê, suportes, estudos e técnicas diversas também se expressam dentro dessa paleta amarela de poesias.

 

O fazer artístico inclui diversas fases, sempre em movimento e transformação. Transfiguração da forma é um resultado, mas é também ponto de partida para voos mais altos tanto de minha amiga artista quanto para quem assiste à exposição. As obras, que carregam essências únicas, nos fazem desenhar toda uma vivência, ou mesmo histórias possíveis de serem vividas. A poética do transfigurar-se reside no respiro da mudança, ainda que no início tenhamos receio ou inseguranças. É a arte de chegar a um outro momento ou ciclo com a certeza de que a criação de novas perspectivas se aproxima, tanto individualmente quanto coletivamente. Agradeço – novamente! – pela parceria e, para os leitores, deixo abaixo o link para a exposição virtual.

 

 

Para contato e outras informações sobre Mozileide Neri acesse: https://www.instagram.com/mozileide/

 

 

 


Crédito na imagem: Colagens sobre papel cartão. Mozileide Neri, 2021. Disponível em: https://mozileideneri.wordpress.com/

 

 

 

SOBRE AS AUTORAS

Paula de Souza Ribeiro

Mestra em História pela Universidade Federal de Ouro Preto na linha de pesquisa Poder, Linguagens e Instituições. Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Membra do Grupo de Pesquisa Justiça, Administração e Luta Social - JALS, sediado na UFOP. Ênfase de atuação nas áreas de História da Arte, História do Brasil Imperial, Musicologia, Curadoria e Patrimônio Cultural.

Mozileide Neri

Mozileide Neri vive no Rio de Janeiro, é poeta, contista, artista visual, pesquisadora, curadora, graduada em Produção Cultural e pós-graduada em Linguagens Artísticas, Cultura e Educação, ambos pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. Frequentou a Escola de Belas Artes da UFRJ e a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (RJ). É autora do livro de poesias Azul alaranjado pela Luva Editora (RJ/2021). Desde 2012, Mozileide Neri participa de coletivas e individuais por todas as regiões brasileiras através de editais de arte. Fora do Brasil, participou da coletiva “The Inner Eye” na Gallert Gold, em Kolkata (Índia), em 2013, participou da coletiva “Bienal Internacional de Pequeno Formato” da Associação Cultural Galeria e Museu Nabila Fluxus, em Vila Verdi (Itália), e, em 2018, participou da coletiva “Prendre Corps – Tomar corpo” no Centre Culturel Du Brésil, em Paris (FRA). Seu trabalho está presente em diversas linguagens, dentro do campo da pintura, da gravura, do objeto e da arte urbana, sua investigação se desenvolve a partir de estudos de novos suportes, abordando questões como mediação e acessibilidade cultural, reaproveitamento de materiais e pesquisas sobre processos e técnicas manuais de estamparia, conceito de paisagem, leitura de imagem e interseções sobre cidade, violência e corpo.

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