Cinco artigos que você precisa ler sobre os usos História Pública e das Humanidades Digitais

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Embora exista um interesse crescente pelo consumo popular de história no Brasil, os usos da história pública e dos novos formatos de comunicação relacionados às humanidades digitais ainda vêm acompanhados por um posicionamento muito tímido da historiografia acadêmica. Além da complexidade que a história enquanto algo público exige do historiador em questão, podemos dizer que há também uma forte recusa em abrir mãos dos circuitos fechados da academia e passar a ocupar os espaços públicos de debate.

O termo “história pública” é dotado de uma pluralidade de significados e se ancora em um campo interdisciplinar, que engloba diferentes vozes, saberes técnicos e reflexões teóricas.  Ao se relacionar com o saber acadêmico convencional e o “não-convencional”, esse campo é capaz de produzir uma espécie de tensão que possibilita a abertura e incorporação de novas configurações temporais, trazendo novos sujeitos, métodos e formas de narrativa. Dessa forma, seja para ampliar audiências ou incorporar novas formas, não-institucionais, de se relacionar com o passado, a história pública é um meio fundamental para promover a circulação do conhecimento histórico e desconstruir, através dessa reflexão que se lança sobre o campo, um saber histórico sedimentado.

Foi a partir dessas questões que preparamos uma lista com cinco artigos que se debruçam sobre os usos da história pública e dos novos formatos de comunicação relacionados à tecnologia digital. Nessa bibliografia comentada, trazemos indicações de artigos da revista História da Historiografia fundamentais para pensar como a história pública e as humanidades digitais têm sido abordadas pela historiografia, passando pelos debates, desafios e disputas que acompanham o tema. Os artigos reunidos enfatizam a necessidade de refletir sobre os usos das mídias digitais como ferramentas para problematizar o conhecimento histórico cristalizado, tencionando como seria possível buscar novas formas de produzir e viabilizar a produção historiográfica para atuar fora da universidade.

Confira:

 

1) Acadêmicos na berlinda ou como cada um escreve a História? uma reflexão sobre o embate entre historiadores acadêmicos e não acadêmicos no Brasil à luz dos debates sobre Public History

Jurandir Malerba

Indicadores diversos sugerem uma crescente demanda por história pelo público leigo nos últimos anos, demanda que vem sendo suprida por profissionais não treinados na academia. Com o objetivo de pensar estas questões, à luz dos debates sobre Public History, este artigo propõe uma reflexão sobre o próprio conceito de história pública e sua aplicabilidade no Brasil.

Para desenvolver essa reflexão, Malerba se debruça sobre a análise de três autores leigos que se tornaram best-sellers como escritores de história no Brasil. Por meio desta análise, o texto se constrói com o intuito de focar no aspecto da difusão massiva da história popular. O argumento desenvolvido pelo autor é o de que a difusão massiva dessas obras tem implicações de ordem técnica e ética diante das quais cabe aos historiadores treinados no sistema de pós-graduação se manifestar.

 

2) Teoria da história e história da historiografia: aberturas para “histórias não-convencionais”

Thamara de Oliveira Rodrigues

Compreender o lugar da disciplina História no mundo contemporâneo, seus limites e potencialidades, implica necessariamente em incorporar em sua análise a nova configuração social do tempo à qual ele está ligado. É pensando nestas demandas da disciplina que o artigo de Thamara de Oliveira Rodrigues busca discutir a relação entre as “histórias não-convencionais”, a teoria da história e a história da historiografia.

O texto propõe uma reflexão sobre as aberturas possíveis das disciplinas para esferas que tensionam com seus protocolos sedimentados. A autora analisa a relação destas aberturas com a emergência de uma temporalidade que tem transformado as humanidades e suas prioridades epistemológicas. O argumento central desenvolvido é de que os passados práticos, a critical quantitative inquiry, o paradigma da presença, a história pública e as historiografias populares seriam alguns exemplos de aberturas para “histórias não-convencionais”, à medida que intervêm criticamente no que diz respeito aos discursos e paradigmas históricos e historiográficos academicamente instituídos.

 

3) História sob encomenda: comentários sobre a historiografia empresarial sob contrato no Brasil

Ian Kisil Marino

No Brasil, a quantidade de publicações de livros que narram histórias de empresas e instituições privadas tem aumentado nas últimas duas décadas e passam a se configurar como parte do panorama profissional dos historiadores. É a partir deste cenário que Ian Kisil Marino analisa neste artigo como a história empresarial sob contrato ascendeu no Brasil e quais os problemas teóricos envolvidos na sua popularização.

O artigo procura responder estas questões através da revisão da formação do campo da história empresarial no Brasil. Para tal análise, à luz do uso da categoria “história sob encomenda”, Ian Kisil Marino caracteriza algumas obras publicadas mediante contrato com grandes empresas nacionais. Ao alinhar esta discussão com as percepções sobre o impacto do neoliberalismo na prática historiográfica contemporânea, o autor mostra como o mercado editorial empresarial consolida parâmetros teóricos e abordagens narrativas específicas, precarizam-se os meios de realização de narrativas críticas e inovadoras nesses espaços.

 

4) Meta-história para robôs (bots): o conhecimento histórico na era da inteligência artificial

Thiago Lima Nicodemo

Oldimar Pontes Cardoso

Os atuais avanços tecnológicos chamam a atenção para os dilemas éticos e legais que acompanham os limites e reflexões do que é o conhecimento histórico e do que faz um historiador. É a partir das tensões que surgem entre a narrativa histórica e os bancos de dados digitais que este texto oferece, portanto, uma reflexão teórica sobre os efeitos da inteligência artificial e do universo digital no ofício do historiador.

A reflexão de Thiago Lima Nicodemo e Oldimar Pontes Cardoso é baseada em um conjunto de experimentos relacionados com o desenvolvimento de um “historiador cibernético”. Problematizando as etapas para a criação de um “robô” historiador, o artigo traz hipóteses tais como, robôs criando narrativas históricas e dominando métodos de análise qualitativa e quantitativa. O argumento dos autores é que essa realidade emerge com questões urgentes sobre transparência e ética no mundo digital, podendo ser uma poderosa ferramenta para problematizar o futuro da história no mundo contemporâneo.

 

5) O mundo não é dos espertos: história pública, passados sensíveis, injustiças históricas

Keila Grinberg

Mesmo ganhando força ultimamente, o debate sobre o mal-estar em relação aos passados sensíveis e traumáticos em relação aos próprios privilégios ainda assume um posicionamento muito tímido na historiografia. Com base nessas questões, é a partir de uma análise da dimensão pública da profissão que este texto se debruça sobre os desafios em lidar, pessoal e profissionalmente, com os passados sensíveis brasileiros.

Neste artigo, Keila Grinberg parte de sua trajetória como pesquisadora da escravidão e história pública para explorar as conexões entre a historiografia contemporânea da escravidão, as memórias de descendentes de africanos escravizados e as memórias de imigrantes judeus sobre o antissemitismo europeu do século XX. Para desenvolver seus argumentos, a autora se âncora no conceito de trauma cultural. A conclusão do artigo é que os passados sensíveis e traumáticos não podem ser ignorados pelos historiadores profissionais, justamente aqueles que, por dever de ofício, se dedicam a refletir sobre as conexões entre passado e presente.

 

 

Leia também na revista História da Historiografia:

DUQUE SÁNCHEZ, C. A. Historia pública: ¿Una fatalidad historiográfica? – El público, lo público y la historia que publico: Conversación con Manuel Lucena Giraldo. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 9, n. 20, 2016. DOI: 10.15848/hh.v0i20.954.

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Ilda Renata Andreata Sesquim

Doutoranda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Participa do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM). Desenvolve pesquisa na área de Teoria da História e História da Historiografia Brasileira, onde tem como objeto a História das mulheres intelectuais no Brasil.

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