HH Magazine
Crônicas, contos e ficções

A leveza das paixões

Somos seres de paixões. É verdade, creia-me. Sei que doutos gastaram a vida inteira anunciando que a alma ou a mente era capaz de controlar as paixões e, o que é mais intrigante, que caso não fossem controladas, cerceadas, marcadas com o alfa e o gama da razão, vaguearíamos por um mundo apequenado e inferiorizado. Mas tantos outros, não na mesma quantidade, mas com mais variedade, profetizaram sobre a leveza e liberdade das paixões. Para contar um pouco sobre esses descaminhos me utilizo de uma historieta. Ora, não foram poucos os que encarceraram as paixões tal como borboletas aprisionadas e domadas por um fino e intransponível vidro. Um dia, depois de certas pinceladas sarapintadas pelas asas inquietas de uma panapanã, o pote de vidro trincou. A lasca que tocou o chão com intenso amor cortante, já que por tempos acarinhou-se com as apaixonadas borboletas em seu interior, anunciou que conquistar a liberdade é conquistar a sensibilidade. Tilintando, agora amava o encontro com o chão. Tilintando, agora admirava todas aquelas borboletas desvigiadas. Tudo bem. A lasca de vidro não era todo esse oceano de candura. Afinal, ela era parte da sufocante realidade que proibia o vaguear demorado e descompromissado das paixões. Ora, a natureza que deu asas para as borboletas e garras para o leão, não se ofendeu com o toque da lasca. Na verdade, acostumara-se a respeitar os seus locatários, e, portanto, a lasca acabou encoberta pelo manto da natureza que lhe transformou, ocultou e acalentou com um longo abraço. A panapanã se foi. Muitas arranhadas e marcadas. Todas soltando leves e sonoras risadas para quem as pudesse sentir. Já o pote de vidro ficou apenas com o pó das apaixonadas e apaixonantes borboletas. O sopro do vento fez desaparecer toda a brandura daqueles vestígios de paixão que não se fixaram na lisura e vacuidade do pote.  Logo, o vidro se calou. Na perversão daquele silêncio, sem o farfalhar das paixões, reviveu a opacidade da indiferença. Ao fim, nem lembrava mais das borboletas.

 

 

 


Créditos na imagem: Naiara Krachenski.

 

 

 

[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “16”][/authorbox]

Related posts

lugar errado

Adriano Menezes
5 anos ago

Fazenda Velha

Adriano Menezes
5 anos ago

A filosofia do tempo de Claudio Ulpiano  

Paula de Souza Ribeiro
2 anos ago
Sair da versão mobile