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Proust Suburbano

À maneira de Walter Benjamin

Minha memória sobre tio Pedro Simkevicius é pouca. É pequena. É mínima. É exígua. Dele, lembro de ter vindo com meu avô, Paulo Simkevicius, e com meu tio, seu outro irmão, Vicente Simkevicius, da Lituânia para o Brasil.

Digo o nome desses valentes-homens, desses varões, que nunca foram barões no sentido de elite que o nome pode carregar, em suas versões portuguesas, pois em lituano, mesmo, apenas sei o nome de Vicente, lá nomeado Vinças. Bem provável que Pedro fosse Petrus e que Paulo fosse Paulus. Não importa.

Hoje, no almoço, durante a conversa, me lembrei de vezes em que visitei tio Pedro na vila em que morava com sua filha Júlia e sua esposa Rosa, mais a bisavó amputada de uma perna. Minha mãe amplificou a memória. Meu pai daquilo só se lembra de que o acidente que fez a avó dele perder uma perna atingiu Júlia, sua prima, minha prima chamada de tia.

A bisavó mais Júlia estavam juntas quando um caminhão as pegou na calçada. As duas foram amputadas.

Em meu pai deve doer menos sua memória amputando-se pela vida aos poucos. À minha mãe dói. A mim dói, mas eu colho os poucos que restam como quem segura água entre as mãos.

Lembro-me da vila no Canindé. Lembro-me da terna dureza de tia Rosa. Do afeto de tia Júlia. De Pedro quase só o nome, que pedra, junto com Paulo e Vicente, fundou minha família lituana no Brasil.

Paulo, Pedro e Vicente, junto com Amélia, de nome lituano Anele, foram num comício de Prestes no Anhangabaú. Estava tudo lindo, tudo combativo, até que a polícia chegou. Amélia, esposa de Vicente, conta que antes que o pau comesse, eles fugiram correndo.

O que não me lembrava, e minha mãe hoje contou, foi que tio Pedro gostava muito quando o visitávamos. Que ele adorava os sobrinhos, eu e minha irmã. Segundo minha mãe, ele não sabia o que fazer para mais e mais nos agradar. Nos dava brinquedos de madeira que ele mesmo fazia.

Dessas memórias foram duas pernas perdidas. Sem contar as pernas que não mais levam meu pai ao passado.

A bisavó dava medo aos bisnetos. Ela era brava. Português não falava.

Um dia, isso me lembro, meu pai levou a bisa de carro para o hospital.

Meu pai tinha um fusca. Nele, tinha que caber, não sei por que, a bisa, eu, minha irmã e minha mãe. Além dele, que dirigia.

Lembro-me de que nem eu nem minha irmã queríamos nos sentar ao lado da bisavó sem perna. Não me lembro quem foi que se sentou ao lado dela. Mas, para ser malvado, digo que fui eu. Que corajoso sempre fui. Se não fui eu, ao menos fui eu quem disso se lembrou.

Agora, esta história é minha. Anda agora com suas duas pernas.

Se escrevo isso, acho que é porque de meu bisavô lituano, que era alfaiate, herdei linhas e agulhas. Por isso, esta costura.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução. Vila Operária João Migliari.

 

 

 

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