para Hilda Hilst
(in memoriam)
Ele era especialista em escrever livros que ninguém se interessava. Ele, embora, um polígrafo, escrevia livros sem leitores, sem interesse nem nada. Não se sabe se os livros eram ruins por não chegarem a serem lidos.
Escrevia livros de poemas, que muitos mesmo não os lendo os chamavam de livros de poesia. E confundiam poema com poesia.
Ele escrevia livros de contos, que eram narrativas curtas em prosa, como esta. E escrevia novelas, romances.
Diários ele escrevia. E, sobretudo, os reescrevia, fazendo da escrita desses diários ficção.
Livros teóricos, analíticos, ensaísticos ele escrevia. Livros acadêmicos. Esses também não eram lidos. Não eram publicados. E os livros publicados também não eram lidos.
Ele era especialista nisso. E sempre que pensava em escrever um livro novo, um que fosse infantil, infanto-juvenil, ele pensava num livro que não seria lido. A história da menina que vestia flamingos, a história do menino e do gato, a história do menino mau. Até relacionamento de gatos, uma narrativa fabular, ele escreveu. Não foi lido.
Ele mesmo lia a ele mesmo. Essa era a sua lida. Ele lia e escrevia. E quando não escrevia, transcrevia, fazia notas, editava textos que eram textos antigos, velharias.
Na ponta dos dedos, a lápis, à caneta, à pena ele escrevia. E quando lia, ele o fazia com lápis em mão, porque anotava o que lia. E o que ouvia e via também anotava.
Ele era uma continuidade descontínua escrevendo. Cozinhava, lavava, lia e escrevia.
Sua comida ele comia, do que lavava se regozijava. Mas não era lido. O que escrevia ninguém lia.
Ele desistiu? Parou de ser assim? Inventou em outros e novos livros leitores para ele. Leitores para isso.
Créditos na imagem: Reprodução.
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