No último dia 1º de janeiro de 2023, tomou posse no Brasil o 39º Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em um explícito e genuíno desejo de mudança da realidade que o Brasil vem enfrentando nos últimos quatro anos de governo do agora ex-presidente Jair Bolsonaro.
A posse presidencial foi histórica por inúmeros motivos que vão além das preferências políticas da nação. Emblematicamente, pela primeira vez desde a redemocratização, vimos a faixa ser entregue para o presidente eleito por representantes do povo, após a recusa do Chefe de Estado anterior em fazê-la.
Entretanto, um detalhe desse dia histórico traz uma ambiguidade de sensações, sendo, ao mesmo tempo, potente e frustrante, belo e cruel, otimista e obscuro: A equipe ministerial.
É fato que nunca na história do país tivemos uma equipe tão diversa e plural na composição inicial de um governo brasileiro. E por si só, tal acontecimento trás à tona questionamentos fundamentais, política e socialmente, escancarando estruturas normativas de poder que pouco são observadas.
Em sua articulação inicial, Lula optou por dividir o poder executivo federal em 37 ministérios. Destes, alguns pontos se destacam: Tivemos a maior quantidade de ministras nomeadas em um mesmo governo – 11 ao todo; 5 negras e negros e, pela primeira vez, uma indígena a frente do inédito e também marcante ministério dos Povos Originários.
É notório que estamos avançando em questões de pluralidade e representatividade, e estas nomeações ratificam que, em tese, o atual governo está comprometido em trazer essa pauta para o debate popular, o que não exclui o fato que estamos longe de uma igualdade no que diz respeito aos nossos representantes. Basta pensar que, segundo projeção do Censo 2022 do IBGE, 56,1% da população brasileira se declara Negra ou Parda, e as mulheres somam 51,1% da população[1].
Logicamente a composição do governo reflete a realidade do Brasil, um país de bases coloniais e escravistas, que mantém o poder na mão de poucos e que, mesmo ao ser governado por um metalúrgico e ter uma equipe mais plural e diversa, ainda é majoritariamente composta por homens brancos, com o poder de decidir por todos nós.
Os questionamentos que ficam hoje, finalizada a posse, são: por que aceitamos passivamente esta realidade? Por que 37 anos após o restabelecimento do processo democrático, ainda escolhemos como governantes o mesmo tipo padrão cisheteronormativo de poder? Por que, em nove pleitos presidenciais, somente por uma vez elegemos uma mulher ao executivo e, nunca um negro ocupou a cadeira de presidente?
Objetivamente, todas estas perguntas resumem-se em dois aspectos: racismo e moral restritiva. O primeiro é mais explícito e direto, sendo notório até mesmo na observação do parlamento brasileiro. Já o segundo é brilhantemente demonstrado pelo pensador Thiago Teixeira que diz:
A moral restritiva produz cortinas de fumaça que escondem os pressupostos que regulam as ações, que dão norte às instituições e, por consequência, normatizam as exclusões. Por ser restritiva, essa modalidade moral visa, de forma sistemática, tornar a-históricas as representações de mundo que modulam as nossas agências. (TEIXEIRA, 2021, p. 40).
É só através destes questionamentos e o entendimento do sofisticado sistema de opressão que podemos nos preparar e, individualmente e coletivamente, agirmos para que esse processo de mudança na base de nossos representantes diretos ou indiretos continue, mas cada vez com mais celeridade.
Temos também que exaltar cada vitória no que tange a maior representatividade da nossa história. Ver Anielle Franco, mulher preta, ativista feminista, jornalista e co-fundadora do Instituto Marielle Franco, assumir o ministério da Igualdade Racial ou Silvio de Almeida, negro e um expoente dos direitos humanos e raciais, à frente do ministério dos Direitos Humanos traz para qualquer pessoa minimamente racializada uma sensação de vitória.
São pastas de extrema importância para questões que afetam diretamente a parcela mais carente e necessitada da população brasileira, posicionados em ministérios relevantes para a democracia e não em pastas meramente decorativas. Pastas como Meio Ambiente de Marina Silva, Saúde de Nísia Trindade e Planejamento de Simone Tebet são cruciais para o sucesso do governo.
As eleições são, sem sombra de dúvidas, a expressão máxima da manifestação da vontade do povo. Em uma democracia representativa, o poder soberano emanado do voto constrói cenários que designarão o futuro da nação nos anos subsequentes.
Mas não é o fim do pleito eleitoral que encerra o rito democrático. Estabelecidos nossos líderes, inicia-se o processo social de mudança, afinal a democracia é viva, acontecendo no dia a dia dos governantes e governados, trazendo novos questionamentos e novas perspectivas.
A política não é estática e precisa sim ser discutida, e o momento pede que nos questionemos quantas normas ainda precisam desaparecer para que cada vez mais possamos romper com as barreiras do racismo e da sub-representação de nossos governantes. A partir daqui, cabe a cada cidadão, opositor ou favorável ao governo, exercer seu dever de exigir mudanças sólidas no combate às desigualdades.
REFERÊNCIA
TEIXEIRA, Thiago. Decolonizar valores: ética e diferença. Salvador: Editora Devires, 2021.
NOTAS
[1] Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/34438-populacao-cresce-mas-numero-de-pessoas-com-menos-de-30-anos-cai-5-4-de-2012-a-2021 , Acesso em 02 de Janeiro de 2023
Créditos na imagem: Reprodução: Tânia Rego/Agência Brasil. Fonte: Agência Câmara de Notícias
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Bruce Denner de Melo Braz
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