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Amor rima com dor? Uma breve reflexão sobre a obra “A gente mira no amor e acerta na solidão” de Ana Suy

SUY, Ana. A gente mira no amor e acerta na solidão [livro eletrônico] /Ana Suy. – São Paulo: Planeta Brasil, 2022.

 

(…) Ao fim de tudo você permanece comigo, mas preso ao que
Eu criei
E não a mim. (…)

Fauzi Arap

 

O amor é uma junção de sorte, coragem e vazio. Temos que lidar com as nossas faltas e as faltas do outro. No fim das contas, amar é um compilado de solidão e encanto que se encontram, mas que não acontecem de imediato. O ato da paixão antecede esses encontros e, são fundamentais para construir (ou não) aquilo que vamos chamar um dia de amor. São esses alguns dos pontos tocados pela psicanalista Ana Suy em sua obra “A gente mira no amor e acerta na solidão”, lançada neste ano de 2022. O livro, conforme a autora, é uma junção de suas pesquisas do mestrado e doutorado e, também, fruto de suas análises. Em suas páginas, a autora expõe ao leitor de maneira descomplicada como a psicanálise conceitua o amor e a solidão e, sobretudo, como eles estão inteiramente conectados.

A obra é organizada em vinte quatro tópicos em que a autora ensaia sobre o amor e a solidão, mas também, sobre outros aspectos que abarcam essa temática, elencando o que é o amor e por que nos interessamos por ele, o luto dentro das relações amorosas, o amor na infância e a projeção a partir da nossa relação com os nossos pais. Além disso, ela também aborda aspectos como o ciúme, o amor-amizade e o fim do amor. Todos esses itens são interligados e a autora sempre inicia o texto com um trecho de alguma canção ou obra que ilustra o assunto que será tocado.

Embora, em algumas situações corriqueiras busquemos nos desviar do amor, ele nos dá forma. Segundo a autora, é por ele que vivemos e embora ele nos não garanta a vida, ele nos garante o afeto, nossas percepções do que somos e como nos relacionamos com o outro. Ele tem o poder de gerar fascínio, pois o sofrimento pode nos capturar e pode, também, tratar de outros amores. Segundo Suy (2022), o “amor é uma experiência grande demais para se reduzir a apenas uma modalidade. Há muitas formas de amar e nenhuma delas é exatamente fácil, uma vez que nenhuma delas nos livra da solidão.” Ou seja, mesmo que o sentimento amoroso perpasse a nossa vida, ainda nos sentiremos sozinhos.

Mas, falar sobre o amor também é falar sobre a paixão e como ela nos tira nós mesmos, tendo em vista que temos que lidar com as projeções que fazemos sobre o outro. A canção “De quem é a culpa?” da saudosa Marília Mendonça expressa como a invenção sobre o outro está diretamente relacionada à essa projeção, quando ela canta “me apaixonei pelo o que eu inventei de você”. Sim, nos apaixonamos pelo o que inventamos do outro, pois a paixão nada mais é do que projetar todas as suas faltas e, a partir disso, se completar conforme essa expectativa. Assim, se dá a invenção, porque vemos no objeto de desejo a projeção que ansiamos.

Dessa maneira, a paixão passa a ser algo quase tão intenso quanto o amor. Ela nos reconfigura psicologicamente e fisicamente, podemos sentir seus resquícios em nosso corpo quando nos deparamos com ela, como as “borboletas no estômago” ou, até mesmo, ausência de fome e dor de saudade. Mas é a partir dela que saberemos se o caminho será o amor ou não, pois a paixão se transforma em amor, mas também, ela pode ruir a partir da quebra da projeção sob o outro.

 

“Porque as coisas precisam cair. Mesmo a paixão precisa cair para se transformar (ou não) em amor. (…) Assim, a paixão cai, mas nós não caímos junto, ainda que soframos alguns efeitos da queda. (…) como se o outro devesse a nós aquilo que ele não é, o que com alguma frequência ele nem sequer disse ser.” (SUY, p.23, 2022)

 

Como na canção de Marília Mendonça: “E que se dane a minha postura/Se eu mudei e você não viu”, nesse trecho a cantora retrata a quebra de expectativa diante da pessoa desejada, ou seja, houve uma mudança da postura de uma das pessoas envolvidas naquela relação e essa alteração desencadeou no estranhamento da outra parte. E o rompimento da paixão é justamente essa quebra de uma das partes frente à uma projeção que ele mesmo elaborou, ou seja, isso não diz respeito ao outro, mas a si mesmo.

Quando me deparei com esta obra, já entendia que a solidão não era o ônus da presença. Ou seja, a medida que estar com alguém (em qualquer circunstância afetiva) com base na interpretação romântica do senso-comum remetia à completude, estar sozinho leva a um lugar mais internalizado nas próprias subjetividades que nos compõem. Tendo em vista que sou uma grande apreciadora da minha própria companhia, entendi que quando sentimos amor pelo outro, também amamos, de alguma maneira, a sua solidão.

Nesse mesmo sentido, a psicanalista destaca que “a solidão é uma ilusão, porque em última instância a gente nunca está sozinho, mas está com a gente mesmo” (2022, pág 40). Ou seja, a solidão em certa medida pode ser ilusória, porque estamos sempre acompanhados de nós mesmos e do que os estudos psicanalíticos nomeiam como Supereu, que tem a infância como um momento crucial para a sua elaboração e constituição diante da afetividade dos pais. Essas afetividades auxiliarão na elaboração da fantasia no inconsciente infantil além de fatores éticos que serão guiados no decorrer de seu desenvolvimento.

Mas o amor e a paixão, embora ambos sejam completamente atraentes e constituam uma busca que travamos durante a nossa existência e em certa medida, tenhamos nele a esperança de nos sentirmos menos solitários, ele não nos salva da nossa solidão. E conforme a autora, não há uma metade nos esperando em um canto qualquer para suprir essa falta.  O amante sofre com a sua falta, o amado também, essas faltas não se completam e não se anulam na presença do outro.

Mas, embora associamos amor e paixão ao desejo, pelo ato de desejar o outro e querer tê-lo, na psicanálise ele aponta para o vazio que compõe a existência humana, conforme as reflexões da autora. Ele é incessante e não se satisfaz, sempre estamos querendo algum objeto, alguma experiência ou até mesmo o outro. Sendo assim, a sua realização está apenas no campo da fantasia (SUY, 2002, pág. 59) e, quanto menos desejamos desejar, mais desejamos.

Por fim, a obra de Suy nos proporciona uma imersão dentro de nós mesmos, embora seja uma obra psicanalítica, o intuito da autora é trazer essas reflexões de maneira simplificada para outros leitores que se interessam pela temática, algo que foi feito com enorme cuidado e maestria. A gente mira no amor e acerta na solidão, é um livro sobre o amor e as nossas faltas, mas sobretudo, é um caminho para entendermos como o amor e a solitude podem nos atravessar.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Os Amantes II. René Magritte. 1928 – Óleo sobre tela.

 

 

 

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