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Apagão 

Mariana, 10 de março de 2019: Ontem pela noite não consegui dormir bem. Liudmar, a namorada do Ángel, enviou-me uma mensagem esta manhã pelo Whatsapp a pedido dele. O Ángel desde ontem não tem sinal de internet em casa e só consegue se comunicar por telefone fixo. Mandou-me dizer que fique tranquila, que ele e o Aquiles estão bem e que ainda está preservada a proteína animal que deixei para se alimentarem nestes próximos dias; que estão quase sem água, mas vão tentar rendê-la até amanhã… Enfim.

Liudmar falou-me também que ia tentar se comunicar com os meus pais para saber como estão e pedir para entrarem em contato com o Ángel. Nós duas preocupadas com a preservação da proteína animal no freezer. Esse tipo de alimento na Venezuela é simplesmente um luxo! Aproveitei e perguntei como é que estavam as coisas na sua casa e como estão seu filho e sua família… Fiquei muito grata pela sua solidariedade em me trazer notícias! Nestes momentos é o que nos salva.

O desespero é grande! Sobretudo depois da última sexta e sábado. Não saber o que acontece com a minha família, a ausência de informação, o silêncio nas redes sociais por parte daqueles que ficaram… Inevitável pensar nas consequências familiares, individuais, sociais, estruturais…

Nós, venezuelanos, que estamos fora do país ficamos com a angústia. Alguns pedem pelo Facebook solidariedade a quem puder ir dar uma olhada nos seus familiares. Uma amiga não consegue se comunicar com a sua tia idosa, doente e que mora no décimo segundo andar num prédio que fica próximo ao metrô. Ela pede ajuda nas redes sociais. Alguém responde poucas horas depois… A tia está bem! A gente agradece!

O serviço de internet na Venezuela nestes últimos dias é intermitente. Assim que conseguem se conectar, as pessoas que estão lá enviam notícias da sua situação particular e do que se passa ao redor.

Há poucos minutos uma amiga que mora na Venezuela consegue publicar uma postagem no Facebook. Manda notícias dela e da sua família. Na sua casa já têm luz, mas não têm água nem acesso às linhas telefônicas. Apenas a internet funciona. Por falta do gás estão cozinhando na lenha. Até o momento em que escrevera, não tinha tomado o café da manhã.

Um amigo não conseguiu dormir pela noite da sexta-feira… Disparos, bombas de gás lacrimogêneo, gritos… E pela madrugada, um silêncio ensurdecedor!

Na postagem de outra amiga: Tentativas de saque na Avenida Lecuna no centro de Caracas em sábado pela noite. As Forças de Ações Especiais (FAES) e a Guarda Nacional se encarregam de “restabelecer a ordem”.

Uma amiga bolsista de doutorado na UFRG compartilha sua preocupação num grupo de Whatsapp.  Não tem notícias da mãe dela desde quinta-feira passada. Eu também não tenho de minha Flaca e do meu irmão Camilo e sua família.

O Ángel acaba de se comunicar comigo. Me fala que em casa tem três ovos, grãos e um pouco de queijo para dois dias, mas que a água está a se acabar e vai sair com o meu filho para procurar um pouco num cano de água branca que quebrou numa rua perto de casa. Enquanto aguardo notícias do resto da minha família e dos meus afetos, vou reestabelecendo minha vida aqui em Mariana e respiro, um respiro profundo…

 

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