HH Magazine
Poesia

AS “FRESTAS” JUNINAS DO REI LUIZ

Grande Sacada Festiva, 1950. Alfredo Volpi. Disponível em Wikiart.

São nas frestas desse Brasil tão maltratado que encontro o Brasil dos meus sonhos dourados, a terra sem males, a Ivy Marae dos Guaranis. Um Brasil tão meu… tão pequenino e tão grandioso… Um lindo Brasil onde inté sertanejo já virou presidente! Um Brasil onde ainda vive o monarca Luiz Gonzaga, conhecido também como o rei do Baião, descendente real de Santana e Januário, nobrezas desta terra. O rei Luiz é aquele que, com sua sanfona e sua cantoria, tem o poder de nos curar de todo mal – sim, ele é um rei taumaturgo – e de fazer com que o povo levante a poeira do chão num arrasta pé de fazer gosto, seja num grande arraiá ou numa salinha de reboco, onde o caboclo dança com seu benzinho.

 

Certa vez, numa festa de São João, depois de tomar umas lapadas de cana, misteriosamente abriu-se uma fresta na minha frente. Uma fresta na festa. Como se fosse um portal para outra dimensão. Papo de universo paralelo. Sabe?

– Ei! Não é papo de bebum não. Pode botar fé! Juro por Nosso Senhor!

Mas nesse caso não era universo paralelo não, era um Brasil paralelo. O meu Brasil! Reino do Rei Luiz Gonzaga.

 

Dessa fresta saiu ele, o próprio, Vossa Alteza, o Rei do Baião. Veio xaxando e cantando. Tocou umas coisas bonitas pra mim na sua sanfona e me chamou pra ir com ele. Me pegou pela mão, feito criança. E eu fui. E quem não ia? Ele estava me agradando. Onde já se viu, um rei agradar alguém por agradar? Fui com ele, no lombo de um jegue. Rei humilde esse. Isso é que é rei! Disse que ia me contar umas coisas do reino dele. Lá fomos nós.

 

Quando caiu a noite o filho do velho Januário me convidou para olhar o céu estrelado das noites de junho e me disse: – Veja só como esse céu é lindo! Não há luar como esse do sertão, garoto! Respondi encantado e sem saber bem o que dizer: – Não há mesmo, seu Lua!

 

O rei do baião seguiu me guiando por aquele reino encantado e me contando, através de suas músicas, causos e fundamentos do seu povo. Me disse que o bem mais precioso, pra ele, é a cultura do seu lugar. Foi quando, depois de cantarolar “São João na Roça”, contou-me sobre a fogueira de São João. Ouvi atento, aprendi um pouco.

 

Contarei pra vocês!

 

Ele pegou sua sanfona e mandou: – “A fogueira tá queimando em homenagem a São João / o forró já começou / vamos gente, rapapé neste salão”.

 

Logo em seguida, começou a explicação: – Foi para anunciar o nascimento de João Batista, no dia 24 de junho, que Isabel mandou acender uma fogueira. Segundo dizem, a fogueira foi acesa para comunicar sua prima, Maria, que já carregava o Nosso Senhor Jesus Cristinho no ventre, e que estava num ponto próximo, que João havia nascido. Por isso acendemos fogueira nas festas de São João, para relembrar este ato de Isabel para com sua prima Maria, nossa Santíssima e Imaculada mãe. “João nasceu, Maria!”, foi o que Isabel quis dizer através da fogueira.

 

Continuou: – Aqui no meu reino, acendemos fogueira pra Xangô, também. E ele também é rei. Só que gostou tanto do meu reino Brasil que se divide: Ora está aqui, ora em Oyó, o reino dele. E veja só! Por aqui, nas noites frias de junho, Xangô e São João Batista dançam juntos, em harmonia, ao redor do fogo. Por vezes passam horas brincando de pular a fogueira junto aos festeiros e devotos. Não se importam de serem confundidos um com o outro. Riem juntos do quiproquó que o povo inventa. Cada um é um, cada um são dois. Pura fé, puro axé.

 

E finalizou: – Mas deixemos essa história de lado. Agora vamos tocar e cantar para o meu povo se acabar de dançar. Que felicidade! Aqui no meu reino é assim. Gostou, garoto?

Agora vai! Passa por aquela mesma fresta e volta pra tua festa. Não se esqueça: Sempre que houver uma festa genuinamente brasileira, haverá uma fresta para o meu reino. Não precisa mais que eu lhe pegue pela mão. Já sabe o caminho, não é mesmo? Inté!

 

E assim, seguindo o conselho do rei Luiz do baião e sob as bênçãos da Santíssima Trindade Junina, vou pegar minha morena, meu coração, cintura fina de pilão e vou forrozear com ela esse mês inteirinho, em tudo quanto é festa. Puxa o fole, sanfoneiro! Viva o rei Luiz do baião! Viva junho, seus santos, suas festas e frestas!

 

 

 

[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “37”][/authorbox]

Related posts

Atualismo 1.0

Daniel Faria
6 anos ago

O relógio do juízo final: o perigo da guerra nuclear presente nas canções de rock

Mônica Porto Apenburg Trindade
4 anos ago

A(In)disciplina Obediente dos Historiadores: entrevista com Lidiane Soares Rodrigues

Editor Colaborador
4 anos ago
Sair da versão mobile