HH Magazine
Crônicas, contos e ficções

Caos na escada rolante

 

Presentes em supermercados, shopping centers, aeroportos, hotéis, além de terminais rodoviários, de metrô e trem são um popular meio de locomoção das pessoas

Quem utiliza metrô, especialmente em grandes cidades está acostumado ao utilizar escadas rolantes a deixar o lado esquerdo dos degraus livres. Ainda que nessas estações de metrô existam escadas fixas, tal qual utilizadas por astecas, incas, maias, egípcios, romanos, gregos e troianos, que podem ser utilizadas para se deslocar entre um andar e outro, por algum motivo os transeuntes preferem usar as escadas rolantes, correndo pelo lado esquerdo e reclamando de quem interrompe o movimento.

Há quem mesmo sem ser público preferencial insista em utilizar os elevadores das estações de metrô. Mas a cabine que se desloca entre andares não é o tema desse texto.

Voltemos para as escadas rolantes.

Durante os horários de pico em dias de semana, as escadas rolantes ficam lotadas de pessoas. Ainda preguiçosas de sono economizam energia nos degraus vagarosos que se deslocam para cima. Apoiados no corrimão preto emborrachado respiram pesadamente concentrados e pensativos em como será aquele dia no trabalho, sobre como será até o horário do almoço, se conseguirão sentar-se no refeitório para comerem suas marmitas, se o período da tarde passará rápido até o final do expediente, quando batem o ponto e correm de volta para suas casas.

Era sexta-feira de manhã. Havia chovido muito durante a madrugada. Diversos pontos da cidade estavam alagados ou interditados. O trânsito, como era de se esperar, caótico. Todos estavam atrasados. Mas muitos foram obrigados por seus respectivos chefes a irem trabalhar presencialmente, ainda que os chefes não tenham ido.

O dia estava mais frio do que o normal. E estava mais escuro do que o normal. As pessoas estavam mais sonolentas, cansadas, irritadas – porém apressadas – do que o usual. E estava muito, muito mais tenso do que o normal. Pois além de todo os problemas causados pela chuva, o país era vizinho de dois países em guerra e temia-se que a mais terrível arma fosse enfim utilizada: um pulso eletromagnético que cessaria transmissões elétricas gerando ainda mais caos.

Como ficariam as pessoas sem a possibilidade de usar o que é elétrico? Sem seus e-mails, podcasts, vídeos, streamings, veículos etc. O mundo moderno seria catapultado de volta aos tempos das cavernas. Da necessidade em desenvolver habilidades pré-revolução industrial. O aquecimento doméstico se daria por carvão ou lenha. Como subir 30 andares nos prédios empresariais e residenciais? E o deslocamento entre bairros, cidades, estados e países?

Acontece que o temor da possível utilização da arma de pulso eletromagnético se tornou realidade! Um dos países, até hoje não se sabe qual, usou a tal arma. Uma onda de ar foi sentida por quilômetros. Até as cidades mais distantes sentiram uma lufada de vento. Quem estava longe despreocupado com os acontecimentos e suas consequências sentiu uma leve brisa.

Não houve explosão. Prédios não tremeram. Postes não caíram. Nada disso aconteceu. Mas celulares, tablets e luzes desligaram rapidamente. E as escadas rolantes travaram. Quem estava nelas sentiu um forte baque. Pessoas quase caíram para frente. Houve confusão. Algumas pessoas olhavam para cima, para baixo e para os lados tentando enxergar algo – o que era difícil com as luzes apagadas – outras tentavam ligar seus celulares para falarem com alguém ou para descobrirem o que estava acontecendo, o que era impossível. Quem estava com pressa continuou a subir correndo pelo lado esquerdo livre das escadas rolantes.

Gritos de “a escada parou!”, “estação lixo!”, “manutenção!”, “arruma a escada!”, “tô atrasado!”, “como chego no trabalho, agora?!” eram ouvidos por todas as estações. As pessoas queriam uma solução imediata para o não funcionamento das escadas rolantes. Mas o que fazer? Uma arma de pulso eletromagnético foi utilizada em uma guerra entre países vizinhos daquele.

Além de gritar, quem estava nas escadas rolantes paradas começou a bater com os punhos nos corrimões. Um som seco de carne contra borracha ecoava nas estações. Era lago gutural. Tribal. Selvagem. Impossível de ser ignorado, mas que não aumentava de volume, pelo contrário, ia gradativamente diminuindo de acordo com o cansaço daquelas pessoas.

Quando exaustas de gritar e cansaço, olhavam-se entre si como em busca de uma resposta de o porquê de não terem sido ouvidos ou de porque a escada não voltara a funcionar. E ao recuperarem o fôlego voltavam a gritar, a esmurrar os corrimãos e a dar tapas do vidro das laterais das escadas rolantes, o que gerava uma sequência de estampidos secos repercutindo nas paredes concretadas das estações dos metrôs.

Eram poucos minutos até que as vaias se calassem, socos e tapas cessassem consequência do folego exaurido. Já não havia mais pessoas apressadas correndo pelo lado esquerdo livre nas escadas rolantes. Eram dias nublados que impediam que a luz natural atravessasse as poucas janelas das estações de metrô, o que combinado com as paredes cinzas deixava tudo mais escuro. As lojas nas estações também não abriam há tempos.

A guerra entre os dois países vizinhos persistia. Como uma das nações envolvidas utilizou a arma de pulso eletromagnético, não havia eletricidade para acompanhar as notícias via rádio, televisão ou internet. Era tudo via carta ou boatos, mas nada disso chegava até as escadas rolantes, agora travadas, paradas, estacionadas e ocupadas por almas que se negavam a sair dali enquanto aqueles degraus metálicos não voltassem a se mover.

Havia um frágil fio de esperança naquelas pessoas de que no caso de continuarem a ser manifestar com gritos, urros, palavras de ordem, além de socos e tapas nas partes que compõem as escadas ela voltariam a funcionar, quase que por um milagre, sozinha pois a energia teria sido reestabelecida ou porque algum funcionário da estação iria até ali religar as escadas.

Seus olhares seguiam curiosos em todas as direções à espera de alguém que fizesse as escadas voltarem a funcionar. Nem a perda de noção de se é dia ou noite, de qual dia da semana é, a falta de banho, olheiras, falta de sono, barba por fazer, dores nos pés e nas batatas da perna e nos joelhos e nas coxas e nos quadris e nas costas e no pescoço fez com que se movessem um milímetro adiante.

Conta-se que ainda hoje com a guerra longe do fim e mesmo sem eletricidade, algumas pessoas continuam a esperar que a escada rolante volte a se mover para que então elas cheguem aos seus destinos.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução. TKE Acessibilidades, 2022.

 

 

 

[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “308”][/authorbox]

Related posts

Crônica para um morto

Rafael Pereira da Silva
5 anos ago

Uma crônica de brinquedo: a criança dos anos noventa e os nós que ligam o Floramar, o Brasil e o Mundo

Bruno Tadeu Salles
2 anos ago

Uma flor metálica

Isaías Gabriel Franco
2 anos ago
Sair da versão mobile