Ventiladas desde a década de 1960 e consubstanciadas em fins do século XX, as interrogações sobre a prática historiográfica e sua associação à narrativa histórica exigiram novo escrutínio do historiador. Tais interrogações visavam ao aprofundamento, de um lado, e à contraposição, de outro, às teorias estruturalistas, que, por sua vez, desafiavam as concepções discursivas vigentes. O abalo provocado às ciências humanas prescreveu ao historiador compreender de que forma suas práticas e narrativas incorporariam distintas linguagens, considerando, delas e nelas, o escopo ético e estético. Nesse cenário, emerge a preocupação, antes latente, com o lócus do processo de subjetivação. Derivou de tais movimentos uma significativa abertura do campo historiográfico à relação entre história e psicanálise.
Interessado na relação supracitada, o historiador Dominick LaCapra alertara para a associação fundante entre evento-limite e Holocausto, que determinou a configuração dos trauma studies. Com o passar dos anos, houve um alargamento do conceito trauma, fazendo com que seu uso se estendesse a outros acontecimentos, tais como o terrorismo, a escravidão e o colonialismo. A história do trauma, a pós-memória e o pós-traumático impõem uma nova abordagem às definições de acontecimento e experiência, impactando, também, a percepção sobre o tempo e a temporalidade. Assim, parte da literatura histórica aborda as guerras do século passado como eventos exemplares – essa caracterização cabe, sobretudo, à Segunda Guerra, cuja memória eiva-se do mandato nunca mais. Nessa perspectiva hegemônica, embora não consensual, as experiências traumáticas, concebidas como inenarráveis, evidenciariam o ápice da impotência da linguagem.
Essas perspectivas reportam tanto ao vaticínio de Theodor Adorno acerca da impossibilidade da poesia após Auschwitz quanto às considerações de Walter Benjamin sobre a perda da experiência em um mundo convulsivo. Antecipando-os no exame da subjetividade moderna, Sigmund Freud foi referência a ambos. Entretanto, há entre eles uma distinção essencial: enquanto Freud situa o trauma na origem da aquisição da linguagem e da subjetivação, Adorno e Benjamin o ancoram no contexto histórico. Essa distinção explicita uma divergência entre história e psicanálise, no que se refere à temporalidade e à subjetivação. Para a psicanálise, o tempo é o do inconsciente, organizado segundo uma lógica associativa, onde acontecimento, evento e memória se embaraçam, sem prejuízo ao processo de subjetivação. Para a história, a causalidade tem um lugar central na estruturação da narrativa e, mesmo que a temporalidade possa tratar de subverter a periodização, o processo de subjetivação não se descola do contexto mediado pela cronologia.
Diante do exposto, como objetivo central, este Dossiê pretende abrigar artigos que problematizem de que maneira a historiografia se beneficia da abertura à psicanálise, promovendo, ainda, a interlocução entre esses campos e tratando-os interdisciplinarmente. Consequentemente, outros temas e indagações compõem o escopo desta chamada, a saber: como a escolha das fontes e a constituição dos arquivos (suas presenças, ausências e excessos) permitem explorar os processos de subjetivação? Poderiam os inconscientes individual e o coletivo serem objetos da história? E mais: como narrá-los historiograficamente? Como captar, duplamente, o explícito, os entre-ditos e os inter-ditos, na letra e/ou na imagem, considerando o transbordamento de sentidos inerente aos processos de significação? Estética e eticamente, como o censurado, nas figuras do obsceno, do desviante e do obscuro, se apresenta na cena, na imagem e na linguagem? É importante não perder de vista as formas de produção, manutenção e esgarçamento do laço social, tema caro à psicanálise e urgente à história. Por fim, esperamos que os textos sejam atravessados por reflexões sobre as possibilidades e os limites teórico-metodológicos, que ensejam a prática historiográfica – considerando, inclusive, os desejos que a conduzem – e a prática psicanalítica.
As contribuições devem ser submetidas pelo portal (https://www.revistas.ufg.br/teoria/index) ou enviadas por e-mail (revistateoriadahistoria@gmail.com).
Diretrizes para submissão: https://www.revistas.ufg.br/teoria/about/submissions.
Cronograma:
Submissão: 01/05/2020 a 31/08/2020
Avaliação: 01/09/2020 a 20/10/2020
Envio das cartas de aceite: 21/10/2020 a 31/10/2020
Data final para recebimento dos textos revisados: 16/11/2020
Data para publicação do Dossiê: Dezembro de 2020.
Organizadoras:
Profª. Drª. Ana Lúcia Oliveira Vilela (PPGH-UFG)
Profª. Drª. Fabiana de Souza Fredrigo (PPGH-UFG)
Me. Sabrina Costa Braga (Doutoranda PPGH-UFG)
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História da Historiografia
História da Historiografia: International
Journal of Theory and History of Historiography
ISSN: 1983-9928
Qualis Periódiocos:
A1 História / A2 Filosofia
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