Cinco artigos fundamentais para pensar a relação entre a História e seu ensino

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Integrar a discussão sobre o ensino de história no horizonte de preocupações que circundam a área de teoria e história da historiografia coloca-se como um dos grandes desafios a serem enfrentados pela formação docente dos historiadores. Mesmo que nas últimas décadas alguns autores tenham contribuído para esta reflexão, destacando a necessidade de repensarmos as relações entre ensino, teoria e historiografia, ainda chama a atenção o afastamento existente entre a História e o seu ensino.

De modo geral, podemos dizer que o lugar de pouca expressividade ocupado pelo ensino resulta do processo de construção da História como ciência. Durante o século XIX, a instituição de métodos e teorias que perpassariam as reflexões do historiador profissional foram responsáveis por criar uma lacuna entre a história escrita e a história ensinada que acompanharia a disciplina até os dias atuais. Romper com essas lacunas é, portanto, o primeiro passo para repensar relação entre a história e seu ensino.

Apontar as relações entre esses campos é um movimento fundamental para que o passado possa se tornar uma fonte para nossa ação no mundo, contribuindo para a construção de uma história enraizada nas necessidades sociais dos indivíduos. Foi pensando nessas questões que preparamos uma lista temática com cinco artigos da revista História da Historiografia que se dedicam a pensar relação entre a história e seu ensino. Os artigos são recomendações fundamentais para criar um ensino de história que se comprometa com as nossas responsabilidades humanas com o presente e busque orientar a vida dentro da estrutura tempo. Confira:

 

1) Historiografia, memória e ensino de história: percursos de uma reflexão

Maria da Glória de Oliveira

Como integrar a discussão acerca do ensino da história ao horizonte de preocupações do ofício do historiador? Sem dúvida esse é hoje um dos grandes desafios que cerceiam a produção do conhecimento histórico. É com base nessas preocupações, que a autora Maria da Glória de Oliveira se debruça sobre as tensões e os paradoxos das relações entre a escrita e o ensino da história nas obras de Manoel Luiz Salgado Guimarães.

A partir de um retorno aos textos publicados por Manoel Salgado após os anos 1990, o artigo propõe uma reflexão sobre alguns problemas teóricos que perpassaram as reflexões do historiador em torno da história escrita e da história ensinada. Na busca por situar tais reflexões no desdobramento das abordagens entre história e memória, Oliveira analisa as proposições, escolhas teóricas e, sobretudo inquietações próprias do professor-historiador no exercício de seu ofício. O argumento desenvolvido pela autora é de que no desempenho do ofício de historiador um dos traços mais evidentes e memoráveis na trajetória de Manoel Salgado talvez tenha sido a sua atuação como professor de história.

 

2) Disciplina e experiência: construindo uma comunidade de escuta na teoria e no ensino de história

Géssica Guimarães

A consolidação da história como uma disciplina foi responsável pela constituição de métodos, teorias e protocolos que instituíram diversos mecanismos de controle da produção de conhecimento. É a partir das consequências dessa configuração histórica ocidental, que Guimarães reflete sobre o caráter disciplinar da história, buscando interrogar qual seria o lugar reservado para as experiências de opressão e subalternização nas aulas e narrativas historiográficas.

Por meio da teorização acerca do conceito de experiência, o artigo busca identificar como diferentes formas de experimentar a relação entre passado e presente podem ser desdobradas em possibilidades de conhecimento e orientação da ação. Para tal, Géssica Guimarães analisa a importância dos relatos de experiência para a constituição de uma comunidade de escuta. O argumento da autora é que a pertinência dessas experiências para as aulas de história e as narrativas historiográficas não hegemônicas podem atuar como uma brecha para construção de um futuro de transformações das relações sociais opressivas e promotoras de desigualdades.

 

3) Onde está o ensino nas disciplinas de Teoria da História ensinadas no Brasil? Reflexões sobre a formação docente dos professores de História

Erinaldo Cavalcanti

Embora as reflexões sobre o ensino de História tenham ganhado densidade e se consolidado como um campo de produção de saber, o lugar de pouca expressividade ocupado pelo ensino ainda segue um dos desafios da formação dos professores de História. É pensando nessas tensões que o artigo de Erinaldo Cavalcanti objetiva identificar o afastamento criado entre a História e o seu ensino nas disciplinas de Teoria da História ensinadas no Brasil

Como base nas temáticas estudadas nas disciplinas de Teoria da História, ensinadas nos cursos de licenciatura em História das universidades federais do Brasil, o artigo busca responder se o ensino de História se insere ou não entre as reflexões presentes nas disciplinas. Para tanto, Erinaldo Cavalcanti utiliza as ementas de 49 componentes curriculares para analisar o lugar ocupado pelo ensino de História no debate promovido pelas disciplinas de Teoria da História. Ao se debruçar sobre as temáticas priorizadas e abordada nessas ementas, o autor identifica que as reflexões sobre Teoria da História nos cursos de licenciaturas têm ignorado o debate sobre o ensino de sua própria área

 

4) O lado escuro da força: a ditadura militar e o curso de história da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (FNFi/UB)

Marieta de Moraes Ferreira

Nos últimos tempos, têm sido crescentes os debates acerca do papel social dos historiadores e da história universitária. Em virtude da instalação da Comissão da Verdade, destinada a apurar crimes contra os direitos humanos, essas questões passaram a se manifestar como um tema ainda mais desafiador para os historiadores do ponto de vista ético e político.

A luz dessas reflexões, a proposta do artigo de Marieta de Moraes Ferreira é focalizar os últimos anos da existência do curso de história da FNFi/UB (1958-1968) para pensar em que medida a história universitária deve estar sintonizada com as demandas sociais. Analisando os diferentes tipos de fontes como depoimentos orais, jornais, documentos da FNFi, arquivos policiais, o artigo tem o objetivo de recuperar os embates políticos e historiográficos travados durante as aulas, e entender o percurso desse campo disciplinar e seu processo de profissionalização, num momento de grandes transformações.

 

5) A formação superior em história na UPA/URGS/ UFRGS de 1943-1971

Mara Cristina de Matos Rodrigues

A universidade não se localiza em algum ponto fora da sociedade, e também não está livre dos limites interpostos pelas condições históricas. É pensando nessas reflexões em torno da articulação entre a história e seus lugares de produção no Brasil que o artigo de Mara Rodrigues busca propor uma análise acerca da formação superior em história na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Com base no curso de história da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o artigo identifica as principais transformações no seu currículo, na composição do corpo docente e suas formas de recrutamento, bem como as iniciativas voltadas para a formação de professores do ensino secundário e para a pesquisa em história. Para realizar esta análise, Mara Rodrigues analisa a trajetória do curso desde a sua implantação (1943) até o ano de 1970. O argumento da autora é direcionado com o objetivo de evidenciar a historicidade dos cursos de história e das instituições que os abrigam, chamando atenção para a condição social e histórica que nos limita e nos possibilita pensar o passado.

 

Leia também na revista História da Historiografia:

HANSEN, Patricia. Entre a história da história e a história da educação: o Colégio Pedro II e a resistência aos estudos sociais na década de 1970. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 6, n. 11, p. 287–293, 2013.

 

 

 

SOBRE A AUTORA

Ilda Renata Andreata Sesquim

Doutoranda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Participa do Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade (NEHM). Desenvolve pesquisa na área de Teoria da História e História da Historiografia Brasileira, onde tem como objeto a História das mulheres intelectuais no Brasil.

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