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Considerações sobre o “Espírito” Capitalista em Max Weber

Neste ano é celebrado o centenário de morte de Max Weber (1864-1920), um dos sociólogos mais importantes nas humanidades, utilizarei das breves discussões propostas nesse artigo, para buscar distinguir a forma do capitalismo e do seu “Espírito”, explicitado no livro A ética protestante e o “Espírito” do Capitalismo de Weber.

Desde já, fica explicito que qualquer consideração que o autor, tomou acerca do que ele define como sendo “Espírito” do capitalismo é considerado pela sua tipologia ideal, visto que a realidade concreta é impossível de ser abstraída em sua totalidade. Para tanto, entendo como necessidade uma incursão bibliográfica em alguns conceitos chaves construídos pelo autor, aos quais possuem potencialidade de chegar o mais próximo possível da definição de “Espírito” Capitalista, sendo suficientes para dar embocadura a uma das obras mais importantes de Max Weber.

Vocação como “destino ou tarefa” teve seu primeiro sentido na tradução protestante da Bíblia realizada por Martinho Lutero, tendo como termo inicial no alemão “Beruf”, ou seja, um chamado de Deus onde o sujeito possui a tarefa de confiar sua vida a Ele através do trabalho. Em Weber esse processo de desencantamento da magia pela religião se deu no monoteísmo judaico, onde o termo pode ser observado com a ruptura da magnificação da vida, onde o homem buscava sua salvação.

De acordo com o autor, os profetas judaicos iniciaram o que ele denomina como “eticização do mundo”, ao estabelecer a crença em um único Deus, que é ético e que assim leva um sentido religioso para a vida cotidiana de maneira que possa a conduzir. Este processo porém, não avançou com o catolicismo medieval, sendo que neste, os sacramentos são fórmulas salvacionistas. Assim, coube ao protestantismo, completar a tarefa de desmagificação e de eticização religiosa do mundo. (WEBER, 1982.)

Weber, por sua vez tem como definição todo esse processo de apropriação mundana e racional de conceitos sagrados ou mágicos como “desencantamento do mundo”, afirmando que a Sociologia da religião tem como foco a relação com o sagrado através da  magia, onde  tem seu fundamento anterior à religião, baseado em uma nítida afinidade eletiva, em que a humanidade imersa estaria  banhada por um mundo cheio de espíritos, nem essencialmente bons, nem essencialmente maus, apenas capazes de existir de maneira favorável ou não na vida humana, morando de maneira invisível em um universo paralelo. Assim, de acordo com o raciocínio weberiano, a magia seria um tipo de “Coerção do sagrado”. (WEBER, 1963).

A religião representaria em relação à magia, portanto, um momento cultural de desencantamento teórico dela, sobretudo com pretensões claras, do domínio do sujeito que estaria evidentemente ligado ao culto dela, sendo nítido a transmutação da magia para a religião como desdobramento do conceito weberiano de desencantamento do mundo.

Esse foi o passo mais radical em relação ao desencantamento do mundo, porque tinha como base certa predestinação bem como destruía qualquer possibilidade de salvação por indulgencias, então a única opção que poderia conduzir o homem à salvação seria uma vida reta perante a Deus, logo o fiel protestante levaria uma vida regrada ao trabalho naquilo que era confiado por Deus, ou seja, sua vocação, sendo indubitavelmente a única forma de manifestação da glória divina em sua vida. A vocação aparece então como um mandamento divino, onde Deus reservou para cada homem uma vocação e este deve cumpri-la competentemente para a glória dEle.

A segurança do fiel protestante por outro lado, se vale no que Weber denominou como sendo a “ascese intramundana” onde é possível evidenciar que a religião opera como desencantamento de uma internalização que antes não ocorria, e essa atitude internalizada, por sua vez gera no fiel um comportamento moral intramundano diferenciado, ou seja a religião determinando a conduta de vida racionalizada na prática, nesse sentido:

“Uma das limitações da ciência mais difíceis de aceitar é justamente essa sua incapacidade de nos salvar, de nos lavar a alma, de nos dizer o sentido da vida num mundo que ela desvela e confirma não tendo em si, objetivamente, sentido algum. Portanto, é a religião que aparelha a realidade intramundana de sentido, principalmente a partir de profecias racionais (PIERUCCI p. 158-179).

Isso ocorre porque, com uma religião dita por Weber “racionalizada” se torna importante ter no mundo uma atitude condizente com as práticas religiosa, assim, a riqueza teria caráter negativo somente se tivesse como intuito o gozo da vida terrena baseada na inatividade, ou com o propósito posterior de uma vida despreocupada. Com isso o desencantamento é tido como porta de escape da magia para a profecia, onde ela possui caráter de conduzir a vida religiosa em consonância com a plena vontade de Deus. (WEBER, 1963).

O desencantamento do mundo iniciado pela intelectualização religiosa acerca da magia do mundo, onde considerava o homem com sentido único, por outro lado, passou também a se desencantar, com o processo cientificista, onde foi possível ser denotado que quanto mais a religião era racionalizada seu caráter religioso iria cada vez mais se deglutindo, visto que a mesma é irracional e dogmática e não uma ciência que traz consigo perguntas e respostas, logo a ciência de acordo com Weber, radicaliza o mundo e traz consigo o conhecimento científico com o objetivo de desmistifica-lo, o cientista, portanto, tem como vocação, desencantar o mundo, ou seja, roubar do mesmo seu sentido, logo aqueles que buscam sentido no mundo não possuem vocação para o cientificismo.

Assim a ciência é por sua vez valorativa, isso quer dizer que ela também possui valores incutidos, mas apesar desse fator, ela não pode criar verdades moralistas acerca da realidade mundana. Seu objetivo principal é, portanto compreender a complexidade de dados fenômenos, e a situação problemática que cerca esse entendimento é que a realidade sendo em si “infinita” não é possível compreendê-la como um todo sem se utilizar antes de um processo de abstração.

Afinal de contas, fazer ciência, envolve de acordo com Weber, o estudo dos “meios” e não o dos “fins”, ela pode mostrar ao cientista o que fazer, mas não dar uma receita de como deve ser feito, ou seja, a ciência pode ajudar através do conhecimento técnico fornecer abstrações de determinados fenômenos, direcionando o cientista a caminhos para se atingir dado objetivo, porém ela não pode direcionar o mesmo do que deve ser feito, afinal a ciência é um instrumento técnico e não um dogmatismo acético. (COHN, 2006).

Assim, todo estudo científico para Weber, possui um caráter ideográfico do conhecimento, onde o cientista que reconhece as singularidades do conhecimento a ser estudado não está interessado em formular regras mas, aplica uma minuciosa seleção de cortes metodológicos da realidade, os exagerando para extrair determinado dado de um certo fenômeno e entender que o mundo concreto envolve em si a experiência da singularidade de desse fenômeno.

Todavia, o real é complexo, ou seja, a ciência não deve partir do real, mas sim o construí-lo através de metodologias e teorias, visto que o cientista social não deve buscar por um fenômeno social, mas sim por uma “causa”. A noção de totalidade e parcialidade é importante ser compreendida na metodologia weberiana pois, ela exemplifica o que Weber queria dizer com a noção de “objetividade” onde a mesma, se relaciona intrinsicamente com sua noção de causalidade, logo o total de acordo com o autor possui limites, mas a realidade concreta é infinita.

Contudo, não é possível levar em conta que a explicação causal não seja possível nas ciências sociais apenas pelo fato de não ser evidentemente possível a criação de leis gerais sobre determinado fenômeno, um acontecimento pode ser explicado pelos seus antecedentes, porém a ciência não procura a causa de dados fenômenos visto que a realidade é infinita.

O tipo ideal é construído através da abstração e da combinação de um enorme número de elementos que, embora retirados da realidade, dificilmente ou nunca aparecerão a nós na realidade da mesma maneira que estão construídos. (NASCIMENTO E AIRES, 2013 Pág. 31)

A objetividade nas ciências sociais, de acordo com Weber, depende sobretudo do fato de o empiricamente dado estar constantemente orientado por uma ideia de valor que são únicas a conferi-lhe valor de conhecimento, e ainda que a significação desta objetividade apenas se compreenda a partir de tais ideias de valor, não se trata de converter isso em pedestal de uma prova empiricamente impossível de validade. É preciso não darmos a tudo isso uma falsa interpretação no sentido de considerarmos que a autêntica tarefa das ciências sociais consiste numa perpétua caça de novos pontos de vista e construções conceituais. (WEBER, 2001)

Através da tipificação ideal weberiana é possível entender alguns dos tipos ideias puros de ação social e dominação, tendo por definição a ação social como uma compreensão interpretativa imputada de sentido, e dominação como relações sociais entre os sujeitos que mandam e os que obedecem, ao exemplificar tais termos tenho o intuito de aproximar tais tipificações ideias, ao conceito de uma “ética protestante” construída por vários ideólogos, sobretudo por Calvino e Lutero, e “Espírito” do Capitalismo, evidenciado pelo sociólogo Max Weber.

Para iniciar a aproximação é necessário um breve entendimento do que Weber quis dizer ao distinguir uma “Ética Protestante” em sua obra, ele evidencia alguns aspectos do protestantismo como um todo, tendo em vista que os fiéis dessa linhagem cristã eram majoritariamente possuidores de altos cargos na sociedade moderna.

Em sua análise o protestantismo surge como aproximação da religião com a vida privada, onde o indivíduo começou cada vez mais a se vigiar constantemente para não cair em pecado, através do trabalho, ou seja, trabalhando constantemente para conseguir fugir dos maus que assolam a vida mundana, fugindo do pecado para abraçar a vocação dada por Deus. Através desse processo de racionalização do mundo concreto, Weber então discerne que o protestantismo tenta olhar o passado para reconstruí-lo na medida em que esse processo ocorre, a relação entre capitalismo e protestantismo é construída sob um viés mutualista entre ambos, havendo portanto, uma ruptura considerável no mundo católico. (WEBER, 2009)

É importante ressaltar que o capitalismo para Weber é entendido como um fenômeno cultural, compreendido a partir de uma ética, sendo a mesma baseada no trabalho como um modo de conduta de vida que diz respeito a toda uma coletividade, tendo em vista que antes o trabalho era tido como a manutenção de vida, o protestantismo resinifica o termo gerando então um novo sentido ao conceito. Sendo que o dinheiro não é o fim máximo ao protestante pois, há a abdicação a vida de pecado através do trabalho, então o dinheiro é considerado como um bônus.

A dignificação do homem pelo trabalho gera a alegoria da sociedade capitalista moderna, defina por Weber como Jaula de Aço, sendo uma ordem econômica que se apresenta aos indivíduos como fato, ou seja, uma necessidade de trabalho e a relação com o dinheiro evidentemente passa a se intensificar.

Assim, o capitalismo é um sistema que seleciona o protestantismo como ética de vida, e o mesmo se assimila como “Espirito” do capitalismo para coexistir, Weber se utiliza do termo “Afinidade Eletiva” que na química é o casamento entre dois elementos que se fundem e geram um terceiro elemento, ao se utilizar desse termo o autor assimila esse conceito ao “casamento” entre capitalismo e protestantismo, onde no protestantismo o trabalho é uma forma de abonamento, dignificação e no capitalismo é tido como lucro. (WEBER, 2009)

Nesse sentido, o conceito de capitalismo não é entendido por Weber apenas pela busca incessante pelo lucro, essa junção entre capitalismo e protestantismo legitima o sistema como um todo, e o protestantismo surge então como base do “Espírito” capitalista, e esse mesmo espírito surge então como uma ética do trabalho, um fenômeno de massa, onde todos podem lucrar, e o lucro por sua vez aparece como vocação. Sob essa perspectiva a ética profissional vem dar conformidade ao “espírito” do capitalismo, com uma série de elementos de comprovação, desde a ascese até a ideia de vocação de um tal ethos profissional que são forças motrizes capaz de construírem o homem economicista moderno.

O “espírito” do capitalismo mesmo coexistindo outrora, não deu origem ao sistema capitalista em seu modelo, mas foi um impulso que o auxiliou para que ele pudesse ter sua efetiva ampliação como sistema econômico geral.  Hoje em dia, o capitalismo não necessita de ideologias religiosas em questão para coexistir, mas ainda assim se apoia  nas ideias religiosas em questão, se enquadrando ainda na noção de vocação, e de uma ética profissional cujo objetivo é o lucro, assim os elementos centrais de “Espirito” definidos por Weber ainda permeiam a cultura capitalista. Quanto à origem do termo “espírito capitalista” Weber evidencia no seguinte trecho:

 

O puritano queria ser um profissional – nós devemos sê-lo. Pois a ascese, ao se transferir das celas dos mosteiros para a vida profissional, passou a dominar a moralidade intramundana e assim contribuiu [com sua parte] para edificar esse poderoso cosmos da ordem econômica moderna ligado aos pressupostos técnicos e econômicos da produção pela máquina, que hoje determina com pressão avassaladora o estilo de vida de todos os indivíduos que nascem dentro dessa engrenagem – não só os economicamente ativos – e talvez continue a determinar até que cesse de queimar a última porção de combustível fóssil…Quis o destino, porém, que o manto virasse uma rija crosta de aço/jaula de ferro (Weber, 2009, pág. 165)

 

A análise de Weber do capitalismo em relação ao processo de desencantamento do mundo, gerou diversos debates para atual sociedade moderna, através da teoria da ação social é possível fazer uma aproximação micro e macrossociais entre o protestantismo e o capitalismo, foi possível observar a importância dos aspectos institucionais para a formação do capitalismo, e também como o papel da religião surgiu de forma essencial nas condutas individuais e da cultura social como um todo.

O capitalismo teve seu início no ocidente, o que evidencia um tipo de ethos profissional demarcado na ideia de vocação permeada pelo protestantismo, Weber não teve o intuito determinista, de produzir uma narrativa baseada em uma modernidade ocidental, que se ramifica por todos os países de forma heterogênea mas, teve o cuidado de observar as conexões em suas multiplicidades causais, para os fenômenos que se deram a partir da ética protestante e de um “espírito” capitalista.

 

 

 


REFERÊNCIAS

AIRE. J. D; NASCIMENTO, G. G. O sentido da objetividade nas ciências sociais para Max Weber. Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 7, ed. 15 de jan. 2013.

CONH. G. Crítica e resignação: Fundamentos da sociologia em Max Weber. São Paulo. Martins Fontes. 2006.

PIERUCCI, A. F. O Desencantamento do Mundo: Todos os passos do conceito em Max Weber. 3ª ed. São Paulo: USP, Editora 34, 2013.

WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Cia das letras, 2009.

______. Rejeições religiosas do mundo e suas direções [Consideração intermediaria] Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1967.

______. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1963.

______. Ciência e política – duas vocações. São Paulo: Editora Martin Claret, 2003.

 

 

 


Créditos na imagem: Francisco Goya -Powder Factory in the Sierra (1814).

 

 

 

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