HH Magazine
Proust Suburbano

Dona Oscarina

Dona Oscarina apertava a bochecha da gente quando nos cumprimentava. A gente encontrava Dona Oscarina todo domingo logo após a missa.

Dona Oscarina não era magra. Não era esbelta. Era alta, gorda. Cheia de carnes, cheia de mãos, cheia de dedos. Ela nos apertava. Nos amassava.

Dona Oscarina era dona de uma barraca em que vendia pastéis, salgadinhos, frituras.

Lembro-me dessas missas de domingo na infância, primeiro porque em família, até certa idade minha (ao menos), guardávamos dia santo. E tinha roupa, inclusive, para usar nessas ocasiões.

Lembro-me porque, tendo já feito primeira comunhão, tinha que ir à missa em jejum para poder comungar. Tinha sempre os pecados em dia. Tanto os praticados, os pensados, quanto os perdoados à base de Aves Marias e Pais Nossos.

Importante mesmo era o pastel de Dona Oscarina. Lembro-me dele tanto quanto das apertadas na bochecha que levava antes de comer o quitute. Inesquecível o recheio de carne com ovo cozido esmigalhado. Inesquecível o pastel dela, uma fritura seca, nada gordurosa.

Esse sabor nunca mais encontrei em pastel nenhum comido.

Nenhuma criança gosta de apertões nas bochechas. De pastel não conheço uma que não goste.

O pior dos apertões de Dona Oscarina é que vinham acompanhados de um balanço para a direita e para a esquerda em intensidade relativamente forte e velocidade constante.

Mas, valia a pena pelo pastel do depois. Eu tinha fome, pelo jejum. Alimentado pelo corpo de Cristo, alimentada a alma, faltava-me mais sustança física.

Dona Oscarina estava lá, ao lado da entrada da igreja de Nossa Senhora da Salete, para garantir isso. E era a melhor hora do domingo. Eu me programava para receber apertões nas bochechas e para comer pastel de carne da Dona Oscarina. Eu esperava por isso. Eu era magro, mirrado, pequeno. Eu era menino.

Hoje, não sei se é o gosto do pastel ou os apertões de Dona Oscarina o que mais me lembro. Hoje, eu li que a ciência explica Dona Oscarina. Não a ciência culinária. A ciência do afeto. Hoje, li que o cérebro faz com que apertemos quem amamos muito. Hoje, li que Dona Oscarina era assim uma espécie de Felícia. E entendi que eu era amado, amadíssimo.

Dona Oscarina amava a gente, os meninos. Para equilibrar suas emoções, seu afeto, apertava a nossa bochecha.

Os apertões eram gratuitos. Os pastéis ela os vendia, mas não deixavam de ser um modo generoso também de nos amar.

Eu era amado por apertões e pastéis quando era menino e ia à missa todos os domingos. Hoje, eu entendo isso, embora tenda a concordar com o poeta quando canta que o amor é feito um abraço curto pra não sufocar.

 

 

 


Crédito na imagem: Matriz Paroquial Nossa Senhora Da Salette. In: ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Disponível em: https://arquisp.org.br/regiaosantana/paroquias/paroquia-nossa-senhora-da-salette/matriz-paroquial-nossa-senhora-da-salette

 

 

 

[vc_row][vc_column][vc_text_separator title=”SOBRE O AUTOR” color=”juicy_pink”][vc_column_text][authorbox authorid = “156”][/authorbox]

Related posts

Greta

Eduardo Sinkevisque
2 anos ago

O dia em que conversei com Cícero

Eduardo Sinkevisque
3 anos ago

De puchero, infância e amigo dos anos 90

Eduardo Sinkevisque
4 anos ago
Sair da versão mobile