DONA TERESINHA

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Ela era moça, reconheço. Ela era magra, esbelta. Ela cuidava dos gatos do campus, não deixava que o gaticídio fosse feito, nem que a esterilização os operasse. Ela era a mãe dos gatos abandonados, dos cachorros também. Depois, perdeu a força de mulher, a força de gente.

Desculpe te contar essa história. Contar a história. Prefiro que continues admirando e amando a Dona Teresinha.

Ela, antes de ser dona, quero só pra mim.

Talvez daria ela aos hipopótamos. Mas acho que eles já vieram buscá-la. Eles, os hipopótamos mortos.

Por isso, hoje, só se vê a Dona Teresinha avozinha, vovozinha.

Sim, o cheiro da morte ronda a grande Dama. Há um beijo quase encostando-se ao cangote dela. Já há patas na cacunda. Quanto a isso: compaixão. Catarse.

Dona Teresinha fez os hipopótamos muito lidos, muito estudados. É amplíssima nas pesquisas sobre hipopótamos, mas reducionista no principal. Só enxerga seu parco quintal.

Sei que essa história é difícil. Perdoa-me.

Sou um narrador pobrezinho. Um contador de histórias. Eu amo os hipopótamos.

Não aguento apagamentos históricos, as histórias dirigidas, digeridas fácil, fáceis, facécias, burlas que enganam o povo, a ignara plebe do séquito das Donas Teresinhas.

Não quero persuadir você a deixar de amar quem você ama, nem de admirar quem admira. Quero mirar o mar e a montanha.

Eu amo hipopótamos. Eu não amo críticos literários, estudiosos de hipopótamos. Eu tiro meu chapéu para gente dedicada, estudiosa, esclarecida. Sou ovelha desgarrada. Mas penso que minhas verdades, de ovelha desgarrada, podem ter sido também histórias mal contadas, más contadas.

Posso ter me deixado levar por outro mito. Quem sabe? Posso dizer que minto, ao me valer do mito.

Cada um que fique em paz com os hipopótamos, com a Dona Teresinha. Eu fico com os hipopótamos que amo, que não são os mesmos da Dona Teresinha.

Fico sem Dona Teresinha. Cansei de fazer epidítico de variante elogiosa a pioneiros. Cansei do vitupério aos tiranos. A história se finda na digressão que acaba.

 

 

 


Créditos na imagem: Reprodução: Conscientização sobre a violência à pessoa idosa. Método Supera, 2023.

 

 

SOBRE O AUTOR

Eduardo Sinkevisque

Eduardo Sinkevisque é doutor em Letras: Literatura Brasileira (FFLCH/USP). É sócio-fundador da Sociedade Brasileira de Retórica. Publicou o e-book Mar dos Dias (Árvore Digital, 2018). Publicou o livro Tratado Político (1715) de Sebastião da Rocha Pita - Estudo Introdutório, transcrição, índices, notas e estabelecimento do texto por Eduardo Sinkevisque (EDUSP, 2014). Foi pesquisador Residente na Fundação Biblioteca Nacional, cuja pesquisa foi em diários. Eduardo publica textos em seu blog, o blogmenos (www.blogmenos.tumblr.com) e colabora em várias revistas acadêmicas e literárias. Trabalha em consultoria de texto e de pesquisa na área de Humanas. Para contactá-lo: instagram @dudasinke e email esinkevisque@hotmail.com.

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