A expectação para Bloch, o marxista mais romântico e anticientífico de sua geração, é um afeto ativo, produtivo, motivador. Tal ato não resigna, é apaixonado pelo êxito em lugar do fracasso. Quando se espera, é sempre por uma abertura espaçosa de ultrapassagem que nos é oferecida pelo futuro em nossa direção.

“O afeto da espera sai de si mesmo, ampliando as pessoas, em vez de estreitá-las […]” (BLOCH, 2005, 13).

Assim, um dos primeiros exemplos apontados por Bloch na abertura do seu apaixonado e feérico tratado de mil e quinhentas páginas é o alvoroço das crianças dentro de casa quando escutam a campanhia: aquele som a rasgar “a sala silenciosa e oca” é o anúncio da irrupção de algo novo, imprevisto, cheio de possibilidades, avassalador. Um chamado irresistível que vem de fora. Importa é saber esperar.

Mas, a despeito do ato ser o mesmo em qualquer parte e até implicar meios similares, há uma outra espera premente em algum momento da vida de todos nós: a do ser amado. Essa expectativa, que sabe com clareza qual é o seu alvo, apresenta uma modulação de contornos dolorosos em Barthes: a espera é um tumulto de angústia ao sabor dos mais ínfimos atrasos (encontros, telefonemas, cartas, retornos) e parece atingir seu paroxismo no toque do telefone, aparelho que, uma vez solicitado, também provocaria aquele arroubo infantil intuído por Bloch. Aqui, a cada toque, o importuno obstrui o delírio. E pior: sabendo ardentemente o que espera, o sujeito amoroso reconhece o ser amado mesmo na voz do intruso, alucinação que o torna um ser “mutilado que continua a sentir dor na perna amputada” (BARTHES, 2003, 166).

Tanto em Bloch quanto em Barthes, embora operando em “molduras” bem distintas, a espera é um afeto que, longe de passivo e resignado, é ativo e propulsor. Esticando um pouco mais a corda, e com a mesma liberdade com que o próprio Barthes equiparou a angústia da personagem de Schönberg no monodrama Erwartung (1909) – esperando o amante, à noite, na floresta – ao telefonema (a angústia de ambos é a mesma), lembro o desfecho da peça pioneira e mais famosa a tematizar a espera, que surge aqui, paradoxalmente, como o evento por excelência no palco. É o derradeiro diálogo de “Esperando Godot” (1952), sibilino como toda a peça, que parece reiterar a espera como ensejo da jornada de ambos os personagens:

 

“Vladimir:

Então, vamos embora.

Estragon:

Vamos lá.

Não se mexem.” (BECKETT, 2005, 217)

 

 

 


REFERÊNCIAS

BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BECKETT, Samuel. Esperando Godot. São Paulo: CosacNaify, 2005.

BLOCH, Ernst. O princípio esperança. Vol.1. Rio de Janeiro: EdUERJ; Contraponto, 2005.

 

 

 


Créditos nas imagens:

Ernst Bloch, 13 de janeiro de 1956. Foto: Krueger (Bundesarchiv)

Roland Barthes fotografado por Henri Cartier-Bresson / Magnum, 1963.

Samuel Beckett fotografado por Jane Brown, 1976.

 

 

 

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