tem uma fala nessa escrita que eu não sei bem localizar

 

costuma ser mais fácil escrever o silêncio, o dito que é dito sem

 

dizer

 

é como acordar de manhã e encontrar a densa fumaça das queimadas na cidade-neblina

 

a fala

engasga

resseca

pigarreia

arranha

queima

desidrata

 

talvez eu devesse escrever com os restos de vida que caem dos céus e aparecem nos meus cabelos e na varanda de casa

 

recusar a palavra

 

se eu reparar bem, minha mão toca a língua urbana sob um sol excessivamente laranja

 

o silêncio roça na página como quem rasga a pele e eu já não lembro o que é a chuva

 

as palavras de carvão são um borrão, desejam riscar o ar violentamente como se papel fosse

 

são os restos de fuligem que compõem essa escrita e ela cheira

 

fumaça

 

 

 


Créditos da imagem: Shirley Paes Leme, Fumaça.