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Benjamin

Maria José Direita

 – Maria te peguei. Menina ninei.

Eram três meninas, três Marias em uma que, de direita, tinha só o nome. De torta tinha a rua onde morava. Antes de dormir também nada tinha. Ela era um tanto anjo, um tanto estreita à esquerda. A rua finalizava no sino da igreja.

A menina era três Marias. E as três eram: Nina, Nana e Nara. Narra Luciana quando as Marias eram.

Era uma vez uma menina de tranças. Quando dormia as desfazia todas. Era outra: uma trança de meninas. Quando dormia, as três Marias punham-se na janela e o lençol na porta da rua desfazia as Marias, trançando poemas do tempo da Maria. Pequeninas todas as meninas.

Era uma vez uma menina dos olhos que carneiros não mais contava. Não esperavam por ela para contá-la: dormiam. E outra e mais outra e mais estrelinhas no céu de uma dormidinha para contar verruga de Bruxa:

 – Quantas você tem?

Era outra vez: os novelos erguiam canteiros ao invés de carneiros. As três Marias conversavam cobertas à noite inteira. Tagarelas essas meninas, criando peitos pelos parapeitos. Cobertor de margaridas:

 – Ai que gostoso, começa de novo?

 – Quebrou o conto, o encanto. De novo?

Foi a história e o lençol na porta da casa que embalaram a menina: dorme balão e acorda bambalalão… O pijama ganhou volume, proporção, tomando a cama, a maré cheia.

Uma chuva, uma menina de capa de chuva e outra e mais outra e mais nenhuma de tanta trança e sono repetia e desfazia:

 – Que delícia, toca de novo? Chove de novo?

Tem dia que de noite é assim: vem alguém e rouba o nosso sono. Rouba o sono da gente que estava tão gostoso. Oito sonos o dia tem, oito filhos com sono também. Naquele dia foi assim: assim que roubaram o sono, o olho varreu a praia, a margem do dorme menina e ela, sem sono, tirou areinha. A menina banhista que, deitada, olhou olhos bovinos, olhos de preguiça:

 – Quantas Marias? Qual delas à vista?

Luciana embaralhou as franjas, as vistas livres das tranças: os cabelos penteavam a menina. Antes de dormir, a menina os penteava. Quebrou trançando de novo o encanto:

 – Nana, que amanhã o dia te engana no engano que te conta da paisagem. Qualquer paragem: a pajem. Uma espreguiçada. O desencanto, numa estalagem. Era uma vez:

 – Ai que sono, desfaz de novo?

Ela soltava os cabelos, os olhos acortinados de franja, a língua banguela da pajem e dormia parada na parada, bem na passagem. Era uma vez, toda vez, uma Nina que, de menina, nanava solta sem vírgula e sem asas, sem suas tranças nem sua Fada Madrinha que, depois de pronta, lá vou eu: dormia. Dindinha lua com a Lu a lua no diminutivo de Lu que era Luzinha. Luazinha.

Era uma vez, Maria ao invés de Mariazinha: a Nana nanava, fechando os olhos. Eles nana que nana, fechando as janelas. Elas, as cortinas e as cortinas, cortininhas. No escuro da dormidinha para desfazer meninas e Bruxas: nanava Nara, Luciana que nada. Nanava Nina, Luciana não ainda. Nanava Nara e Nina. O menino? Ninava e dormia: contaram as meninas que ouviram, as meninas que os viram.

 – Dorme, Luciana. Dorme e nina … amanhã, a menina escreve essa história para mim. Dorme que a Medusa encrespa ondas, esquece a cabeça. Solta os cabelos que o sono te solta e abraça o homem que passa com o sino no corredor dos quartos. Morfeu que a macela deu. Dorme que seu abraço, no carrilhão, o descarrila e ele apita noturno, vagalumeando com a insônia mal dita. Dorme, menina, no lençol da preguiça. Hoje, longe. Noite, desembrulhada amanhã.

Notívago para Luciana, motivo para Maria:

Cartola tirava a cartola. Nina, dormindo, uma por uma das fantasias. Cada gomo, cada uma, cada coelho da cartola, daquelas vitrolas, meninas, desfeitas, com mãos de fada cantava, abraçava e ainda nina para ver a menina roncar: durmam o nome e o sobrenome, porque amanhã … o galo? Que os acorde. Ponha-se no lugar daquele que se punha. As três Marias conversarão, meninas-margaridas na janela.

Dorme e fala acordes que acordem e desmanchem Quixote. Tranças que dormem, adormeçam nossas vistas de pôr os homens em revista. Amanhã você conta essa história para mim, refaz para si.

Uma delas abriu a janela: não tinha trança, não tinha menina. Tinha olho na maresia, franja e música em vez de cortina. Tinha tanta coisa… O balanço do sino batendo as asas, o galo no travesseiro batendo retrato… Noite, ontem, desembrulhada hoje: nana Nina, que a Maria te nina e joga a bola, timbrando… brando, muito piano, pouco a pouco vibrato… Amanhã, bem cedo, no mato!

– Te pego, Maria. Te caço com meu laço, o meu abraço. Te pego, Maria. Te vejo em Osten.

 

 

 


Créditos na imagem de capa: Constelação de Órion visto do Hemisfério Sul, no centro se encontra o Cinturão de Órion, também conhecido como Três Marias, a estrela com coloração alaranjada é Betelgeuse. Fonte: constelacoes-do-hemisferio-sul-3-marias-na-constelacao-de-orion.jpg (640×360) (mapadomeuceu.com.br)

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